António
Sampaio da Nóvoa, presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia
de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, discursou hoje, mostrando
a necessidade de conciliar o presente com todos nós e com Portugal, povoando a
sua intervenção com vários nomes grados da cultura portuguesa, sobretudo
ligados ao pensamento. Desse discurso, que pode ser lido na íntegra aqui, ficam
excertos:
«Começa a haver demasiados “portugais” dentro
de Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade
fragmentada é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização. Façamos
um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de
pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo
está a mudar à nossa volta. E nós também. (…)
Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin
D. Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A
democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades;
emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim
dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos. (…)
No final do século XIX, um homem da Geração de
70, Alberto Sampaio, explica que as nossas faculdades se atrofiaram para tudo
que não fosse viajar e mercadejar. Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem
com a indústria, nem com a ciência, nem com as belas-artes. As riquezas que
fomos tendo “mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma
indústria que as fixasse”, e o património da comunidade, esse, “em vez de
enriquecer, empobrecia”. Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas
questões fundamentais: o trabalho e o ensino. Nos momentos de crise é tarde:
fundas economias na administração aumentariam os desempregados, e para a reorganização
do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate à porta do
pobre. Então a emigração é o único expediente: silenciosa e resignadamente cada
um vai partindo, sem talvez uma palavra de amargura. Este texto foi escrito há
120 anos. O meu discurso poderia acabar aqui. Em silêncio. (…)
É esta fragilidade endémica que devemos
superar. O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas
e simples – oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país
normal, assente no trabalho e no ensino. Parece pouco, mas é muito, o muito que
nos tem faltado ao longo da história. (…)
Nas últimas décadas, realizámos um esforço
notável no campo da educação (da escola pública), das universidades e da
ciência. Pela primeira vez na nossa história, começamos a ter a base necessária
para um novo modelo de desenvolvimento, para um novo modelo de organização da
sociedade. É uma base necessária, mas não é ainda uma base suficiente. (…)
Existe conhecimento. Existe ciência. Existe
tecnologia. Mas não estamos a conseguir aproveitar este potencial para
reorganizar a nossa estrutura social e produtiva, para transformar as nossas
instituições e empresas, para integrar uma geração qualificada que, assim, se
vê empurrada para a precariedade e para o desemprego. (…)
25 anos depois, não esqueço José Afonso:
Enquanto há força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos
alguém, cantai também. Cantemos todos. Por um país solidário. Por um país que
assegura o direito às coisas básicas e simples. Por um país que se transforma a
partir do conhecimento. Não podemos ser ingénuos. Mas denunciar as ingenuidades
não significa pôr de lado as ilusões, não significa renunciar à busca de um
país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo (Sophia).
Foi esta busca que me trouxe ao Dia de
Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.»