São 26 crónicas de Mia Couto que tiveram já um primeiro aparecimento na revista Índico, das Linhas Aéreas de Moçambique, e agora dão corpo a Pensageiro frequente (Alfragide: Editorial Caminho, 2010), datando a mais antiga de Janeiro de 1999 (“Zambezeando”) e sendo a mais recente de Maio deste ano (“Fintado por um verso”, texto que abre o livro).
Em “Nota Introdutória”, Mia Couto não esconde o propósito que esta sua colaboração na revista teve: “fazer com que o meu país voasse pelos dedos do viajante, numa visita às múltiplas identidades que coexistem numa única nação”. Esta apresentação acaba por sintetizar alguns pontos comuns às crónicas ora reunidas em livro – a viagem pelas várias facetas de uma identidade, a mística dos lugares e das gentes, a poesia dos sítios, a partilha do mundo com a natureza, tópicos que resultam dessa viagem que o pensamento assume e de uma leitura do mundo também perfilhada pelo olhar do biólogo que Mia Couto é.
O leitor voa nestas crónicas contemplando e descobrindo segredos da paisagem, do reino animal, do mundo, da história e da vida, desvendando um país, encontrando-se com marcas de identidade(s) do outro e de si. São crónicas felizes estas, em que o cronista usa a palavra para a sua vocação de viajeiro e partilha as suas aprendizagens com outros intervenientes nas crónicas, com os próprios leitores, assim lhes apresentando um país, pintado com as cores da diversidade, num quase roteiro de moçambicanidade.
Sublinhados:
Beleza – “A beleza do futebol não está no golo. Como na arte do namoro: o fascínio está nos preparativos. O encanto está no que não pode ser traduzido nem em número nem em palavra.” (12)
Vida – “Pode haver um mister para as artes da bola. Mas o único treinador para as lides da Vida somos nós mesmos.” (16)
Paraíso – “O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós.” (23)
Acreditar – “Há coisas que fazemos por acreditarmos. Outras coisas passamos a fazer por deixarmos de ter crença.” (59)
Verdade – “Por vezes a resposta é errada simplesmente porque a pergunta é incorrecta. (…) Certas coisas são verdade numa dada relação, num dado momento.” (69)
Lugar – “Os lugares são da natureza, pensamos. E não há mais que pensar. Mas os lugares foram fabricados por histórias. E são fazedores de tantas outras histórias.” (75) “Os lugares só são nossos quando cabem num nome. Quando os reduzimos a palavras, simples como coisas que se arrumam na algibeira. Ao fim de um tempo, porém, o nome acaba substituindo o próprio lugar.” (108) “Não é o voarmos sobre os lugares que marca a memória. É o quanto esses lugares continuarão voando dentro de nós.” (115) “Os lugares não se comparam. Como as pessoas, cada um deles acontece num momento único, numa única e irrepetível vida.” (118)
Fotografia – “O mais importante nunca se pode fotografar (…). O que fica para sempre, o que nos revolve a alma é o que não pode ser capturado pela moldura.” (103)
Ilha – “As ilhas são como pessoas: querem existir por si mesmas mas receiam a lonjura.” (111)
Bichos – “A ética dos bichos não pode ser transferida para o nosso universo social, a não ser em texto de fábula.” (122)
Menino – “Ser menino é estar cheio de céu por cima.” (129)