quarta-feira, 19 de junho de 2024

Visitar Setúbal pela fotografia de Antero Frederico de Seabra (1)

 


Em 1927, António Ferro visitou os Estados Unidos e, três anos depois, deixou relato da viagem num livro cujo título — Novo Mundo Mundo Novo (Portugal-Brasil Sociedade Editora, 1930) — era um deslumbrado olhar sobre essa ideia de novidade avassaladora que parecia definir a construção do futuro a partir da América. No momento em que relembra a visita ao Grande Lago Salgado, no estado do Utah, regista: “O ‘Overland Limited’ vai passar o Great Salt Lake. É uma linha férrea construída milagrosamente, sobre um lago imenso, um lago que sonha com o mar. Uma travessia de mais de duas horas. O ‘Observation Car’ tem uma enchente. Todos os passageiros querem ver o espectáculo único. Os japoneses, na plataforma da carruagem, apontam ‘kodaks’, como pistolas, para todos os lados.” A marca Kodak tinha cerca de 40 anos (fora fundada em 1888) e, por ter criado modelos de máquina fotográfica facilmente transportáveis, rapidamente o nome da marca se generalizou como designação do aparelho fotográfico.

Não foi desse tempo Antero Frederico de Seabra (1821-1883), que faleceu cinco anos antes do nascimento da Kodak. Na sua época, fazer fotografias não era tão acessível nem tão fácil como viria a ser naquela em que António Ferro circulou na América e se deixou impressionar pelos japoneses que apontavam “kodaks” para tudo quanto parecesse memorável. Arte entusiasmante por poder fixar o momento, documentando-o sem rugas para a posteridade, e por poder divulgar pelo mundo o objecto e o tempo olhados pelo artista, a fotografia carecia de equipamento complexo e volumoso e de um processo nada simples de fixação da imagem no papel.

Pela segunda metade do século XIX, a técnica usada para impressão fotográfica era a da albumina, que criava uma película impeditiva da absorção do nitrato de prata pelo papel, conservando a imagem mais contrastante e com relativo nível de brilho. Foi este o método seguido por Antero Frederico de Seabra, o que permitiu que as fotografias que fez na década de 1860 tivessem chegado até hoje com um considerável nível de conservação e de legibilidade.

A paixão deste pombalense pela fotografia começou cedo, tendo frequentado as aulas de Filosofia Química na Universidade de Coimbra em 1845/46, que lhe proporcionaram desenvolver a técnica e a prática fotográfica, granjeadoras da participação em exposições e de algumas distinções. Monumentos e paisagens constituíram os motivos essenciais que impressionaram a sua lente, tendo mesmo obtido licença régia para proceder a um levantamento fotográfico nacional, conforme se pode ver nos registos arquivados no Centro Português de Fotografia, que nos mostram aspectos vários de localidades como Arcos de Valdevez, Barcelos, Braga, Coimbra, Guimarães, Leça do Balio, Lisboa, Lousã, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Porto, Viana do Castelo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia.

Entre 1864 e 1867, Antero Frederico de Seabra esteve em Setúbal em funções militares, aproveitando a oportunidade para fotografar a cidade e arredores. O objectivo não era apenas o do registo para sua recordação; passava também pela construção de um Álbum Fotográfico de Setúbal, com a previsão inicial de ser constituído por três séries de dez quadros cada, visando o propósito de ser vendido a assinantes. O trabalho não se terá completado, sendo conhecidas apenas 17 reproduções, iniciadas em 1867, interrupção que se terá devido à transferência do militar-fotógrafo para Elvas e a motivos de saúde.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1323, 2024-06-19, pg. 9.


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