Nos cruzamentos dos cinco livros, a Teresa Lopes escolheu textos de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e, ao dizer que apreciava na sua escrita "a claridade das coisas e das palavras, a medida, o rigor, os valores que podemos passar sem ser moralistas, o simples prazer de ler, apenas por ler", pôs lá muito do que caracteriza a escrita poética ou ensaística de Sophia.
Há um seu livro que sempre me impressionou - Contos Exemplares (1962), com particular atenção sobre as narrativas "A Viagem" e "Homero".
Na primeira, há sabedoria sobre a vida ("Todas as coisas pareciam acesas. (...) É o meio da vida."), sobre o feminino ("Na concha das suas mãos a mulher bebeu e deu de beber ao homem." ou "O perfil da mulher recortava-se entre as flores."), sobre a ecologia ("Ouvia-se o silêncio dos musgos e da terra." ou "Mas só ouviu o silêncio palpitante da terra."), sobre a memória ("Viu que, quando as raízes se rompessem, não se poderia agarrar a nada, nem mesmo a si própria. Pois era ela própria o que ela agora ia perder.")
Na segunda, há a força que ressalta da personagem Búzio, que era "como um monumento manuelino", e a valorização da palavra e do discurso - o título do conto é, de resto, emblemático - a tal ponto que a personagem narradora recorda, muito tempo volvido e em jeito de memória, o discurso de Búzio ao mar: "Lembro-me de que eram palavras moduladas como um canto, palavras quase visíveis que ocupavam os espaços do ar com a sua forma, a sua densidade e o seu peso. Palavras que chamavam pelas coisas. Palavras brilhantes como as escamas dum peixe, palavras grandes e desertas como praias. E as suas palavras reuniam os rostos dispersos da alegria da terra. Ele os invocava, os mostrava, os nomeava: vento, frescura das águas, oiro do sol, silêncio e brilho das estrelas." Homérico? Sim, por ser uma homenagem à língua e à literatura.
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