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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Arrábida e imagens da sua espiritualidade (1)

 


Quando abriu a janela e olhou para o exterior, a personagem só pôde exclamar: “Parece que o mundo foi criado daqui!” Este momento é relatado no romance As Terras do Risco, de Agustina Bessa-Luís, publicado em 1994 (Guimarães Editores). A frase, que exprime o maravilhamento de quem a diz, no momento em que olha a Arrábida, remete-nos para a expressão do sublime, algo impossível de ser descrito, por muitas tintas que se ensaiem, por muitas frases que se recomponham, por muitos ângulos que os olhares procurem, por muitas combinações em que os sons se concertem. 

Conseguir contar a beleza seria igualá-la, operação impossível porque o belo é único, irrepetível, envolvendo uma aguarela de mistério, uma linha de sentido que a Arrábida, esse espaço que corre desde a Comenda até ao Cabo Espichel, sempre tem albergado e suscitado. Com razão escrevia Luís Marques em 1990, no seu estudo intitulado Arrábida e a sua Religiosidade Popular (Assírio & Alvim): “A essência da serra continua a sobrepor-se a todas as obras e transformações já realizadas. Um espelho disso, que chegou aos nossos dias, verifica-se (...) na interpretação que dela fazem, designadamente, os amantes da natureza, os poetas, os religiosos e os investigadores. (...) Hoje, como ontem, apenas os que se deixam penetrar pela serenidade da sua paisagem ou pela sua sacralidade conseguem encontrar a imutabilidade e intangibilidade que a serra permanentemente desencadeia.”

Servem estas duas referências — da ficção, através de Agustina Bessa-Luís, e do ensaio, por intermédio de Luís Marques — para chegarmos à obra A Espiritualidade da Arrábida, iniciativa louvável do Grupo dos Amigos da Paróquia de S. Sebastião, acabada de publicar, que reúne duas dúzias de olhares contemporâneos sobre a Serra, distribuídos pela escrita e pela imagem em partes iguais, associando-se ainda a expressividade dos dois nomes indiscutivelmente mais arrábidos, pelo contributo inegável que deram para a integração desta Serra na tradição literário-cultural portuguesa: Frei Agostinho da Cruz, religioso e poeta, que neste espaço viveu os seus últimos quinze anos no século XVII, e Sebastião da Gama, poeta e professor, que também aqui se acolheu e construiu o seu poemário em torno da simbologia da Serra, na década de 1940. 

A emergência desta obra pode ser vista a partir do que António Melo, um dos obreiros deste projecto, regista no texto de apresentação: “Este livro pretende ser uma prova de admiração pela Beleza e Espiritualidade da Arrábida e por todos os que a conseguem preservar na sua imortalidade.” Trata-se de um propósito forte, porque reflecte um sentimento do presente, num contínuo espanto perante o sublime, e, simultaneamente, homenageia a múltipla partilha que gerações nos têm transmitido neste caminho que tem sido o descortinar as linhas de sentido associadas à geografia social, cultural e natural da Serra, a que, metaforicamente, na obra Terral, o poeta Miguel de Castro chamou “varanda de ver o mar” (Edições Estuário, 1990). A importância desta obra é assinalada também no prefácio que D. Américo de Aguiar subscreve, um pouco em tom confessional, pondo-se à prova e testemunhando a sua descoberta: “Não estava prevenido para o impacto da beleza do mar e da serra. Sempre viajei muito do Norte ao Sul da nossa terra, na maior parte das vezes pelo cinzento monótono das auto-estradas. (...) A serra da Arrábida pede-nos silêncio e alguma solidão. É um convite renovado ao subir da montanha.” A recomendação é um desafio, exactamente o mesmo que se pôs ao frade franciscano Agostinho da Cruz, que lhe permitiu registar a beleza da experiência numa exclamação elegíaca — “Ó Serra das estrelas tão vizinha, / Quem nunca de ti, Serra, se apartara!” São, aliás, estes dois versos que fecham o percurso sugerido pela organização textual deste livro, que contraria a progressão cronológica, partindo das reflexões contemporâneas para recuar até ao século XVII.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º1416, 2024-11-19, pg. 7.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Memória - Manel Bola, aliás Carlos Rodrigues (1944-2016)



Caro Manel Bola,
Não sei como te agradecer o tempo de amizade que me dispensaste.
Fico-te grato pela tua disponibilidade; pela tua boa disposição; pela tua erudição quanto a teatro, quanto a poesia; pela tua forma de estar, comprometida com toda a gente, sempre aberto e franco, sempre sorridente; pelos encontros múltiplos que tivemos aqui e ali, em sessões culturais, no mercado do Livramento, na rua, ao telefone, por email ou por redes sociais; pelo encontro adiado para, mais uma vez, dizeres poesia aos meus alunos (era para ser no ano lectivo passado, mas passou para o calendário deste ano); pela tua transparente colaboração nas actividades para que te convidei; por tudo o que não sei dizer.
A esta hora, deves estar na maior com o Jasmim, o nosso Miguel de Castro, poeta e amigo. E com o Fernando Guerreiro, poeta, actor e amigo, também. Dá-lhes um abraço. 
Por cá, deixas-nos saudades. Muitas! Vou lembrar-te com esta fotografia que está em O Setubalense de hoje. Mas também poderia ser com aqueloutra que a lente do Maurício Abreu registou...
Obrigado por tudo! Um abraço sentido e... até um dia!

sábado, 16 de maio de 2015

Caminhos da memória - Miguel de Castro



Passam hoje seis anos sobre a ida de Miguel de Castro, o poeta que na vida real tinha o nome de Jasmim Rodrigues da Silva. Fomos (somos) amigos. Da poesia, da conversa, da vida. Evoco-o pela amizade, pelos afectos comuns. E reproduzo um poema, "Carta a Sebastião da Gama", que teve a bondade de me dedicar em livro (Os Sonetos. Setúbal: Estuário Publicações, 2002, pg. 40). A vida é assim.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Memória: Miguel de Castro, cinco anos depois



Passam hoje cinco anos sobre a partida do poeta Miguel de Castro. Pretexto para um momento de convívio com a sua poesia. Uma mensagem destinada a Bocage, cuja primeira versão me foi disponibilizada pelo poeta, em 2006, para ser publicada na "Página Cultural" (nº 80) do Centro de Estudos Bocageanos, que, mensalmente saía n'O Setubalense. A versão que agora divulgo consta na mais recente publicação póstuma de Miguel de Castro - De silêncios e de sombras (Setúbal: Muito cá de casa / DDLX, 2013, pg. 13).

OLHA BOCAGE...
Olha Bocage - já não há Poesia!
A Poesia desapareceu.
Não faziam caso dela, e a pobrezita
Que sofria
De fome de sede e de frio,
Caiu à cama - e morreu.

Agora talvez ande a boiar no rio,
Magra e sem vestidos - nua,
Roída pelos peixes...
Coitada da Poesia!
E este estado de coisas continua...

Já não tenho alegria.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Abraço ao Manuel Bola, aliás, Carlos Rodrigues


Numa passagem pelo Hospital de S. Bernardo ao princípio da tarde da véspera de Natal, fui dar um abraço ao Manuel Bola (Carlos Rodrigues). Parece que o mais difícil já terá passado, embora a recuperação seja para durar. Mesmo assim, o Manuel Bola mantém o seu sentido de humor e a sua veia poética - estava, de resto, a ler (embora com dificuldade) alguns dos seus poemas. Falámos do sol na sua poesia, falou-me de um poema dedicado à mãe, lembrou o amigo Miguel de Castro, também poeta. Quanto ao sofrimento de enfermaria, improvisou: "uns são sacrificados, outros são salpicados".
Foi bom ter visto o Manuel Bola! Um abraço para ele.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Para a agenda - Miguel de Castro: reencontro hoje, em Setúbal



Mais uma iniciativa do José Teófilo Duarte para a edição de um poeta setubalense e para o enriquecimento do programa de actividades da Casa da Cultura setubalense. Hoje, pelas 22h00, encontro com alguns textos de um grande poeta, Miguel de Castro (Jasmim Rodrigues da Silva, de baptismo). A não perder.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Para a agenda - Miguel de Castro, a poesia em "site"



Miguel de Castro, pseudónimo de Jasmim Rodrigues da Silva, é um grande poeta. Quem o "descobriu" foi Sebastião da Gama. A sua poesia foi "lida" por David Mourão-Ferreira, Fernando J. B. Martinho e outros. Partiu há tempos, mas deixou-nos obra de qualidade, construída no seu atelier de poeta. Nem todos os livros estão disponíveis; estarão, um dia. Para já, o leitor vai poder apreciar Miguel de Castro em "site" que José Teófilo Duarte lhe dedicou. E fica a certeza de um encontro com poesia, com "a" poesia. Para a agenda.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Miguel de Castro - Três anos hoje

Passam hoje 3 anos sobre a morte de Miguel de Castro. A sua poesia mantém-se viva, como se quer que a poesia seja. Há poucos dias, em 27 de Abril, a Associação Cultural Sebastião da Gama promoveu, em Azeitão, uma sessão de poesia, pondo em diálogo poemas de Sebastião da Gama e de Miguel de Castro através da voz do actor Carlos Rodrigues (Manuel Bola), com histórias dos dois poetas pelo meio, evidenciando a qualidade da obra de ambos e o relacionamento que os chamou à poesia.
O resultado foi espantoso, com muita gente a querer conhecer mais de Miguel de Castro e das teias que o levaram a conviver com Sebastião da Gama, que eram apenas - ou sobretudo - poéticas!
Vale a pena dar um salto até aqui, onde uma curta antologia de Miguel de Castro brindou os leitores de hoje! A fotografia foi emprestada pelo "Chapéu e Bengala".

sábado, 23 de maio de 2009

Miguel de Castro: Testemunho da Memória

Daniel Nobre Mendes viveu em Setúbal e foi amigo de Miguel de Castro, o poeta falecido na semana passada. A residir em Castelo Branco, Nobre Mendes fez chegar este texto evocativo da sua amizade com Miguel de Castro, que publico, desde já com um agradecimento.
«É mesmo doloroso escrever sobre o que as entranhas arrecadaram à moda de tesouro e que de repente se sente que uma violação veio, de algum modo, como intrusa, meter-se com a gente para no-lo roubar e empobrecer, mas... o cadinho da recordação, mais estreito na sua malha do que um frasco de vidro transparente e mais poderoso do que a frieza cega da própria morte não permite que se suma para sempre tudo aquilo que nos foi caro e continua a ser objecto da nossa própria afectividade e de que damos e passamos o testemunho.
O meu poeta, amigo de Sebastião da Gama, amigo de Couto Viana, amigo de David Mourão Ferreira e de muitos mais que confeccionaram a Távola Redonda, ao jeito do Rei Artur, e que hoje têm um destacado lugar na literatura do país, o meu alegre poeta, brincalhão, que sorria e dizia coisas sérias a sorrir, que falava da vida e da liberdade como de autênticos bens malbaratados e reveles na e daqueles tempos em que pontificavam o ódio político e a negridão salazarista, o meu poeta do "Chapéu de Chuva" – conheci-o um dia no café Esperança, aí pelos meados da maltrapida década de 60 do século que ainda há pouco se escapou da prisão do calendário, e tornámo-nos amigos!
Foi uma amizade linda, toda cheia de flores, daquelas flores tão mimosamente rescendentes que embriagam os sentidos e ferem subtilmente a sensibilidade como se de maviosa música se ouvissem os acordes mais bem timbrados, envoltos em túnicas quaisquer, não sei bem o quê, quais, de maravilhas inventadas constantemente, ao sabor de encontros nunca combinados. Que amizade, que ternura santas se escapavam da nossa relação fraterna, solidária, saudável quando entrava no Esperança e se sentava à minha mesa de tristeza nos tempos dos pides e bufos mas também de gente boa e bem formada. Que saudades, meu poeta. De ti. De ti. De mais pessoas extremosas que preenchiam os meus dias de solidão, tão longos...
Quando entravas ou sempre que já lá estavas havia no ar rolos de fumo de cachimbo inconfundíveis como se de uma espiral interminável se tratasse – esse sem-fim da vida que rola, desenrola, rebola e se prolonga para além de nós, deixando pelo caminho uma presença, um sinal, um gesto que se não extingue como o fanal da memória que permite que os navios atravessem as borrascas alterosas e aportem ao cais seguro do nosso sentimento. O meu poeta amava a vida, os seus amigos, a poesia, as mulheres, as crianças e os livros. O meu poeta foi sincero, autêntico, verdadeiro, não era fabricado nos hipermercados nem tinha etiqueta de validade porque a vida dele fez um ser natural como as tempestades que assolam e deixam na atmosfera esse nimbo mágico de tragédia que se transcende pela emoção estética de teimar vivo, persistindo, resistindo e insistindo na construção de uma obra que é a nossa herança!
E no Ateneu, uma casa de fortes tradições de cultura, esteve ligado ao teatro amador, de Carlos Ferreira, outro saudoso que também pela minha vida passou. No Ateneu Setubalense amou a mulher com que se casou e foi lindo tudo!

Ilusões de Vida
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu.

Miguel de Castro – Jasmim Rodrigues da Silva continua a vir na praia mar do meu sentir e permanece ancorado ao cabo de amarra que acarinha vivências de outros tempos!»
Daniel Nobre Mendes,
com poema do brasileiro Francisco Octaviano
[foto do setubalense Américo Ribeiro (Um Tesouro Guardado - Setúbal d'outros tempos. Setúbal: 1992), retratando o momento em que Miguel de Castro recebia das mãos do Prof. Doutor Hernâni Cidade o prémio dos Jogos Florais do II Centenário do Nascimento de Bocage, em 1965]

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama – notas do fim-de-semana

A entrega do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama ocorreu em Azeitão, nas instalações da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, na noite de sábado.
Gostaria de deixar três notas a propósito: a primeira, de congratulação com o espectáculo que o grupo “ArsLuce” proporcionou, apresentando danças renascentistas, cheias de subtileza e de poesia, com guarda-roupa simpático a ajudar nesse transporte para tempos bem distantes; a segunda, de igual congratulação pelo concerto que a Banda da Sociedade Perpétua Azeitonense ofereceu, sob a batuta do maestro Carlos Medinas, bem capaz de arrancar muitos aplausos, cheio de criatividade e dedicação; a terceira, a propósito do contemplado com o prémio, José Carlos Barros, e da sua simplicidade para o acto de falar de poesia, bem expressos nos exemplos para justificar o orgulho e vaidade que sentia por o seu texto ter agradado – o de seu pai, alfaiate de ofício, e o do agricultor Linhares, um e outro sempre vaidosos do trabalho que conseguiam: o fato, num caso, e a perfeição do acto de podar, no outro.
Na minha intervenção, enquanto responsável da Associação Cultural Sebastião da Gama, saudei este evento, partilhando outras três razões: a primeira, porque naquele mesmo dia, tinha partido um poeta, Miguel de Castro, descoberto para a poesia por Sebastião da Gama, compositor na senda do lirismo como fora o próprio Sebastião da Gama, partida que o terá levado, provavelmente, a um encontro com o mestre para falarem de poesia, francesa quase de certeza, que era também a poesia francesa que os ajudava; a segunda, porque neste ano ocorrem os 60 anos do início da escrita do Diário, obra máxima na pedagogia de Sebastião da Gama, a necessitar de ser concretizada, texto também poético que bem merece ser meditado e considerado fonte de inspiração, que poderia levar os educadores (pais ou professores), os políticos e a sociedade a encarar a educação de outra maneira, talvez a encontrar soluções para vários problemas que se põem hoje no acto educativo, sobretudo no que se prende com a relação pedagógica, com os laços, com os afectos (e a falta de tudo isto); finalmente, a terceira, com a oportunidade justificada pelo facto de este Prémio, ao longo das doze edições, além de prolongar a memória do seu patrono, ter aberto caminho a poetas e ter consagrado outros, mencionando os casos de Maria do Rosário Pedreira (a primeira vencedora, em 1988, sob o pseudónimo de Maria Helena Salgado), Maria Graciete Besse, Amadeu Baptista e José Carlos Barros, “repetente” nestas andanças, uma vez que já ganhara este Prémio em 1990.
Agora, resta aos leitores uma espera no sentido de que o texto de José Carlos Barros seja publicado. E, a avaliar pelo testemunho deixado pelo poeta Ruy Ventura, em nome dos membros do júri, boas razões (literárias) haverá para se esperar a publicação, assim o poeta lhe dê corpo, tal como fez com o texto que, em 1990, lhe trouxe o galardão (Uma abstracção inútil. Évora: Declives, 1991)!

sábado, 16 de maio de 2009

Memória: Miguel de Castro, aliás, Jasmim Rodrigues da Silva (1925-2009)

Acabo de receber a notícia da morte do meu amigo Jasmim, aliás, Miguel de Castro, poeta, apreciador do mundo, grande leitor, "descoberto" por Sebastião da Gama. Sabia que estava hospitalizado em Setúbal há cerca de duas semanas, mas, quando ainda há menos de uma semana falei com ele ao telefone, deixámos um encontro marcado para logo que regressasse a casa. Coisas... Sinto ainda a comoção da surpresa, porque o Jasmim, aliás, o Miguel quis ser meu amigo. Foi graças a ele que conheci Luiz Pacheco, com ele muito viajei na poesia, com o seu humor me diverti. E a visita ficou subitamente suspensa. Abaixo reproduzo o texto que postei aquando do seu aniversário no ano passado, um pouco em jeito de memória.Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925.
[foto: Guia de Eventos, Câmara Municipal de Setúbal]

domingo, 13 de janeiro de 2008

Miguel de Castro, 83 anos, hoje

Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925. O poema que reproduzo é retirado do primeiro livro de Miguel de Castro e tem o título do próprio livro:

Fruto Verde

Nada me diz o fruto da tua boca.
Apenas as tuas mãos frias e calmas
roçam a minha face, na tristeza
inútil de se darem…

Mas a beleza adivinhada e pressentida
por mim, na tua boca que não sabe amar,
vai enchendo os momentos da minha vida
com promessas de luar!

Nada me diz o fruto da tua boca…
- Mas longe vem, ainda, a Primavera!


A propósito de Miguel de Castro, ainda na edição de ontem de Sem Mais Jornal, o actor setubalense Carlos Rodrigues (mais conhecido por "Manel Bola"), à pergunta "Há alguma figura regional que lhe mereça rasgos de elogios?" respondeu: "Sim, o poeta - infelizmente pouco conhecido - Miguel de Castro. É, sem dúvida, um dos maiores poetas setubalenses, a caminho dos 90 anos, que se encontra muito doente. Editou um livro de sonetos fantástico. Este homem merece uma homenagem." Palavras justas as de Carlos Rodrigues! Para já, parabéns a Miguel de Castro!

[fotografia de Miguel de Castro a partir de Guia de Eventos. Setúbal: CMS, Mar.2007, nº 29]