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quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Sado mostrado e contado por Rui Canas Gaspar



Rui Canas Gaspar leva já uma dezena de títulos publicados sobre a história local de Setúbal, tendo o mais recente sido publicado há dias sob o título curto, mas nada lacónico, Sado (Setúbal: ed. Autor, 2017), obra que conta histórias ligadas ao rio que em Setúbal bordeja a Arrábida e se encontra com o Atlântico.
Se um rio não tem outra história que não aquela que a Natureza lhe dá e permite, é em torno do rio que se constrói um universo de histórias ligadas às gentes e às vidas. Desde a serra da Vigia (em Ourique) até Setúbal, o Sado corre de sul para norte num percurso de 180 quilómetros. E é a partir da nascente que as duas centenas de páginas deste livro vão acompanhar um caudal forte e interessante de narrativas, umas fazendo já parte da investigação histórica, outras resultantes de visitas, conversas e contactos, muitas vezes enriquecidas com a cor etnográfica ou regional.
À medida que vamos lendo os textos, temos a noção de que eles foram construídos ao ritmo do apontamento ou da crónica, abordando temáticas e histórias que têm o rio como denominador comum. No livro, essa unidade é sublinhada pelo facto de a narração ser atribuída a um “eu” que é a personificação do próprio rio e vai conduzindo uma história maior em que o narrador se assume também como a personagem principal à sombra da qual tudo vai acontecendo.
Os quadros que vão passando pela biografia (chamemos-lhe assim) do rio cruzam-se no espaço e no tempo - se o espaço é o da sua corrente, o do tempo parte dos fenícios, dos romanos e dos mouros para chegar até ao século XXI, à nossa contemporaneidade. Passeia o leitor pelo Alentejo (ou não viesse o rio desde Ourique e não passasse em Alcácer do Sal), pelos planos de obras públicas que ao Sado estiveram ligados (o célebre canal a ligá-lo ao Tejo, que nunca foi construído, mas foi planeado; o sistema de irrigação e as barragens), pela vida selvagem que lhe está ligada, pelas produções que dele resultam (o arroz, o sal, a pesca, a ostreicultura), pela etnografia (portos palafíticos, construções típicas), pelo turismo (Tróia), pelos moinhos de maré, pela agricultura (herdades de Gâmbia e do Zambujal), até chegar ao Atlântico, pretexto para se mergulhar em Setúbal e em realizações recentes ligadas ao Sado, como o monumento aos golfinhos recentemente inaugurado ou o facto de o rio ter levado Setúbal a membro do Clube das Mais Belas Baías do Mundo.
Por este caminho de histórias, há momentos em que se enaltecem personalidades que tiveram algo a ver com aquilo que é a identidade do Sado, como João Barbas (que recuperou galeões e os pôs ao serviço do lazer e da pedagogia) ou José Viriato Soromenho Ramos (que foi o obreiro da chegada de Setúbal ao Clube das Mais Belas Baías); há momentos em que se revelam pormenores como aquela que terá sido a primeira homenagem ao planetário Mourinho (caso do galeão “Zé Mário”, que deve o nome à criança nascida em 1963, por iniciativa do pai, Félix Mourinho, membro da sociedade que nessa altura adquiriu a embarcação) ou a iniciativa da Câmara de Alcácer de recuperar o “Amendoeira”, um barco naufragado; há momentos em que é evidenciada a experiência do autor (como, logo no início, no relato da chegada ao ponto onde nasce o rio, pelas conversas com os locais); há momentos em que as crónicas adquirem alguma cor local, quase em jeito de reportagem (como o cacarejar das galinhas ou o miar da gataria testemunhados na visita à D. Manuela, na Gâmbia); há momentos em que surge evidente o apelo à preservação do ambiente (seja quando se fala dos mariscadores, seja quando é feita referência aos cuidados a ter com os golfinhos).
Curiosamente, o livro inicia-se e conclui-se com poesia em que o Sado é protagonista ou motivação: na abertura, é o soneto de Bocage que rompe com o verso “Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado”; a fechar, é o poema que suporta a canção “Rio Azul”, da autoria de Laureano Rocha e Mário Regalado. Se estas marcas validam a faceta poética do rio e das emoções que lhe estão associadas, bem poderia ter sido trazido também o poema do médico transmontano Cabral Adão que definitivamente baptizou o Sado como o rio “azul”... e, já agora, por referências culturais às margens do Sado, também poderiam ser lembrados os nomes de duas crianças que cresceram a ver o rio e muito viriam a destacar-se na cultura portuguesa - Bernardim Ribeiro, no Torrão, e Pedro Nunes, em Alcácer do Sal.
Esta obra de Rui Canas Gaspar lê-se de um fôlego, sempre na procura de elementos novos ou de confirmação de histórias. Dotado de uma escrita acessível, o seu estilo corre facilmente por estar próximo dos contadores de histórias, muito mais preocupado com a passagem de testemunhos a propósito do rio e das vidas que lhe estão ligadas do que com a caução do documento histórico ou das fontes. Uma forma fácil de chamar a atenção para a necessidade que todos temos de reparar no rio e no que ele nos faz!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

No "Correio de Setúbal" de hoje

Diário da Auto-Estima – 67
Mourinho – À chegada de José Mourinho a Lisboa, os jornalistas quiseram saber o que ia ele fazer, como ia ser a sua vida, se iria ao futebol, etc., etc., as perguntas do costume. O treinador foi comedido e, pedagogicamente, disse mesmo que, agora que estava fora dos bancos e dos treinos, não iria dizer nada sobre futebol, acrescentando que o único futebol em que marcaria presença seria para ver jogos do sadino Vitória Futebol Club. Esta intenção, assim pacificamente manifestada, merece a minha admiração, mesmo porque vai ao encontro de um artigo que O Setubalense publicou recentemente, assinado por Giovanni Licciardello, intitulado "Pensar Setúbal" - é que, de acordo com o articulista (e eu subscrevo), ser setubalense não exige que a naturalidade no bilhete de identidade contenha a palavra "Setúbal", antes passa por "ter uma relação afectiva com a cidade e arredores, reconhecer as potencialidades inegáveis que tem e procurar dar o seu modesto contributo para que possa melhorar", por "gostar de Setúbal". Mostrar um pouco do vitorianismo que lhe vai dentro, como publicamente fez Mourinho, foi um acto de setubalense. E só esse bocadinho valeu a pena, quer para a auto-estima do clube, quer para a auto-estima de Setúbal.
Língua Materna – "Porque vale a pena continuar a estudar a língua portuguesa?" A pergunta foi lançada assim, de repente, para os grupos de trabalho, com a incumbência de cada grupo apresentar sete razões. O ambiente era o da primeira aula de Língua Portuguesa do ano lectivo, com estudantes de 8º ano, na faixa etária dos 13/14 anos. Entre as respostas obtidas, são visíveis razões escolares e curriculares, utilitárias, sociais, de respeito pelo outro, históricas, cívicas, identitárias e de memória. Apresento algumas delas, por poderem ser uma lição ou, pelo menos, um conselho: "para falarmos correctamente", "para sermos mais cultos", "porque, sabendo falar bem português, temos facilidade em aprender outras línguas", "para compreendermos a sociedade", "para que o calão e o inglês não dominem a nossa língua", "porque desenvolve a nossa capacidade mental", "por ser o mínimo que podemos fazer por todos os que mudaram a nossa história e contribuíram para o conhecimento da nossa língua em todo o mundo" e "porque... se não a soubermos falar correctamente, quem o saberá?"
Comparações – “Ao fim do dia, vou a Viana do Castelo de fim-de-semana.” “Ah, gosto tanto de Viana! Aquela é uma cidade linda! O rio, o mar, a cidade…” “Mas Setúbal também tem tudo isso…” “Setúbal? Pois tem. Mas Viana é uma cidade quase perfeita…” “Pois, de facto, Setúbal é mais uma cidade imperfeita…” “Apesar de se gostar dela, mas…” “Claro, tens razão!”
Sugestões para ver e saber – Quando se escreve sobre alguma coisa está já implícito um juízo crítico, porque, como constava no título de um texto lido há anos, “escolher é julgar”. Por razões diversas, sobretudo relacionadas com o património ambiental, histórico e humano, seja-me permitido deixar a sugestão de duas exposições: a primeira, em Palmela, na Biblioteca Municipal, intitulada “Adiafa – A festa das vindimas”, que pode ser vista até meados de Outubro e mostra bandeiras de um quarto de século de adiafas; a segunda, em Setúbal, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, com fotografias de Rosa Nunes, sob o título “Águas do silêncio”, um conjunto que nos leva a conhecer o estuário do Sado de uma forma original.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Mourinho e o Vitória FC, com Santana Lopes à mistura

À chegada a Lisboa, os jornalistas quiseram saber de José Mourinho o que ia fazer, como ia ser a sua vida, se iria ao futebol, etc., etc., as perguntas do costume, na expectativa de descobrirem qualquer milagre que lhes desse mais notícia ou mais trica. Ao que vi na televisão hoje pela manhã, Mourinho foi comedido e, pedagogicamente, disse mesmo que, agora que estava fora dos bancos e dos treinos, não iria dizer nada sobre futebol, acrescentando que, durante este tempo (incerto) de repouso (de guerreiro), o único futebol em que marcaria presença seria para ver jogos do sadino Vitória Futebol Club.
Esta intenção, assim pacificamente manifestada a quem esperava não se sabe muito bem o quê, merece a minha admiração, mesmo porque vai ao encontro de um artigo que O Setubalense publicou na sua edição de segunda-feira, assinado por Giovanni Licciardello, intitulado "Pensar Setúbal" - é que, de acordo com o articulista (e eu subscrevo), ser setubalense não exige que a naturalidade no bilhete de identidade contenha a palavra "Setúbal", antes passa por "ter uma relação afectiva com a cidade e arredores, reconhecer as potencialidades inegáveis que tem e procurar dar o seu modesto contributo para que possa melhorar", por "gostar de Setúbal". Mostrar um pouco do vitorianismo que lhe vai dentro, como publicamente fez Mourinho perante uma turma de jornalistas sedentos do social (e do trivial), foi um acto de setubalense. E só esse bocadinho valeu a pena, quer para a auto-estima do clube, quer para a auto-estima de Setúbal.
A propósito desta chegada e da sua repercussão nos media, é ainda de assinalar a atitude de Pedro Santana Lopes (que não vi, mas sobre que li), ao abandonar a entrevista que estava a dar à SIC por esta ter sido interrompida para transmissão da chegada do treinador setubalense, afinal a atitude que muitos entrevistados deveriam ter quando são tratados de forma menos conveniente (mesmo em directo) e que, a troco de uma exposição efémera, aceitam a subserviência às câmaras, aos holofotes e à trituração dos acasos.