Mostrar mensagens com a etiqueta sociedade civil. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta sociedade civil. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Alexandre Soares dos Santos: um retrato sem eufemismos

Alexandre Soares dos Santos, presidente do grupo Jerónimo Martins – que, recentemente, lançou a Fundação Francisco Manuel dos Santos –, em entrevista que o jornal OJE publicou na edição de ontem (edição nº 1000), fez uma análise do momento que se vive em Portugal, primando pela ausência de “meias palavras ou de eufemismos”, como é dito na introdução à entrevista, conduzida por Luís Pimenta. Alguns excertos:
1. Como se decide - “Há algumas semanas, tive ocasião de dizer a um membro do governo que eles fazem as coisas e utilizam o dinheiro como querem e lhes apetece e depois mandam-nos a factura – a nós, portugueses, que não fomos chamados rigorosamente para nada. O que se tem vindo a passar, de há uns anos a esta parte, é que o Governo e o Parlamento são uma e a mesma coisa, decidem determinados caminhos sem terem em consideração as necessidades do país, antes observando as suas próprias, que servem objectivos partidários. Alimentam-se e decidem-se, por exemplo, projectos megalómanos que têm como único resultado o crescimento do endividamento nacional.”
2. Rumo - “A verdade é que o país deixou de ter um rumo, ninguém sabe para onde vamos e resulta claro que não há hipótese de governar e de progredir sem se saber onde estamos e para onde queremos ir.”
3. TGV - “Pergunto, por exemplo, como é possível continuarmos a discutir projectos como o TGV, quando sabemos, de antemão, que não iremos conseguir financiamento? Porque se continua a mentir à sociedade portuguesa e a alimentar projectos para os quais não há dinheiro?”
4. Trabalho e emprego - “Na verdade, todos têm direito ao trabalho, mas ninguém tem direito a ficar num emprego a vida toda. O trabalho é um direito, mas o emprego conquista-se. Em Portugal confunde-se muito estes conceitos, mas, enquanto assim for, vamos continuar a ver o país a cair. Há uma característica muito nossa, que dificulta as coisas: o português resigna-se, diz que é a 'vontade de Deus'. Mas Deus não tem nada que ver com isto.”
5. Orçamento de Estado - “Este Orçamento não foi preparado com o cuidado e com o tempo necessários, fazendo, aliás, acreditar na ideia de que alguém impôs este OE a Portugal.”
6. Cortes nos salários - “Considero terrível o que se passa com os salários da função pública: foram aumentados de acordo com um ciclo político para, agora, serem cortados. Ora, isto não se faz. Não se pode fazer em nome do que quer que seja. Já defendi anteriormente, mas repito-o: era preferível propor mais horas de trabalho, reduzindo o custo por hora, do que reduzir salários. Teria sido mais justo assim. É preciso olhar para as pessoas e ter em conta que elas assumiram os seus encargos e que têm as suas despesas, que são legítimas e necessárias. (…) Trata-se de uma situação de desânimo generalizado que pode dar origem a fenómenos nada positivos para o desenvolvimento do país.”
7. Entendimentos e rumos - “É absolutamente necessário que as principais forças políticas, sociais e económicas se sentem à volta de uma mesma mesa e discutam o rumo para Portugal, em encontros que poderiam, e deveriam, acontecer sob o patrocínio do Presidente da República. (…) É o que precisamos neste momento: discutir o tempo que for necessário, até encontrar um acordo e, depois, garantir que esse rumo é, de facto, aplicado na gestão do país. E esta será uma missão de todos, da Igreja aos sindicatos, do patronato aos partidos políticos.”
8. Fundação Francisco Manuel dos Santos - “A ideia [da criação da Fundação Francisco Manuel dos Santos] nasceu no seio da família, quando nos interrogámos sobre o que poderíamos fazer por este país, que tanto nos tem dado. (…) Numa das discussões em torno do tema, lançámos o desafio de ‘acordar’ a sociedade civil portuguesa, no fundo, compensando a pouca intervenção que se verifica actualmente, seja do meio académico, seja do mundo empresarial. Queremos, com a Fundação, incentivar o sentimento de que a sociedade civil é o elemento determinante da qualidade do país.”

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vítor Bento: verdades sobre nós

Em mais uma das entrevistas saídas no Público sobre o futuro, Teresa de Sousa falou com Vítor Bento, presidente da SIBS, economista e conselheiro de Estado. Conversa a ler com atenção, em que se dizem verdades sobre os Portugueses (sobre nós), em que se acredita nas nossas capacidades, em que se apela à reflexão, sem agressividades nem maledicências, apenas com coerência e convidando ao pensamento e à acção. Seleccionei alguns excertos.

POBREZA RELATIVA – “(…) Se nada de substancial for invertido em relação ao nosso curso actual, não duvido de que seremos uma região empobrecida da Europa. (…) O que não quer dizer que o país esteja mais pobre, em termos absolutos. A não ser que haja uma catástrofe muito grande, o mundo há-de continuar a melhorar. O empobrecimento é relativo. No Alentejo, as pessoas estão melhor em termos absolutos, mas pior em termos relativos. (…)”
ADESÃO AO EURO – “(…) Ficou-se anestesiado com o boom de consumo que [a adesão ao euro] produziu e descurou-se a transformação estrutural que era necessário fazer. Não quero dizer que seja fácil fazer essa transformação. Se calhar é difícil ou mesmo impossível. Nos grandes espaços nacionais há muitas vezes regiões que são deprimidas e que assim se mantêm por muito tempo. (…)”
DISCUTIR É POSSÍVEL – “(…) Um dos principais aspectos negativos que tenho a apontar à sociedade portuguesa está em que as pessoas não discutem racionalmente, fecham-se em atitudes quase religiosas em relação às suas crenças. Não conseguem discutir a sua verdade e lidam mal com a verdade do outro, acabando por assumir uma atitude quase religiosa e frequentemente jihadista. Não é o argumento do outro que se discute, é o outro enquanto adversário. (…)”
CONSENSO – “(…) Eu tenho sempre a esperança de que vai ser possível um consenso. Só que muitas vezes esse consenso, por ser conseguido por força das pressões circunstanciais, acaba por acontecer tarde de mais. Uma boa parte dos problemas foram antecipados, era uma questão de ter havido vontade. (…)”
PARTIDOS – “(…) Os partidos são hoje, cada vez menos, fontes de produção de ideias, e, cada vez mais, instrumentos de gestão de interesses. (…) Os partidos hoje têm as suas clientelas e têm de lhes dar expectativas, ou seja, dar-lhes os lugares que dão remuneração e poder. (…)”
SOCIEDADE CIVIL – “(…) Falta-nos uma sociedade civil que forneça as ideias e que estabeleça o patamar de exigência a que os partidos tenham de responder. Os partidos têm de ganhar votos e isso percebe-se. Como também se percebe que tendam a oferecer aos eleitores um discurso que é mais facilmente vendável e que muitas vezes é o demagógico. Por outro lado, a disputa eleitoral para ganhar votos custa muito dinheiro. Aquela ideia de que era tudo militância acabou. Os partidos hoje têm de obter dinheiro e o que é que têm para vender? Influência. (…) A nossa sociedade civil vive demasiado encostada ao Estado. Era preciso conseguir a independência do Estado - creio que é um dos aspectos mais importantes, se queremos mesmo mudar as coisas. (…) Só a sociedade civil tem condições para poder exigir uma plataforma de maior exigência aos partidos. Precisamos de ter um enriquecimento das instâncias cívicas que tornem os eleitores mais conscientes sobre as suas decisões, obrigando os partidos a responder a este nível de maior exigência. (…)”
ESTADO LIMITADOR – “(…) A independência é assegurar que a máquina do Estado está ao serviço do direito, em primeiro lugar, depois da decência, e, finalmente, dos partidos políticos. Hoje, é precisamente ao contrário. Isto altera muito as regras do jogo, porque põe o Estado como instrumento de retaliação contra quem não actua de acordo com a orientação política em vigor num determinado momento. Limita muito a capacidade de expressão e de intervenção. Não há nenhuma limitação formal à liberdade de expressão, mas o resultado deste condicionamento que resulta da retaliação do Estado é que quem tem a informação não fala, deixando o terreno livre para que fale quem normalmente não tem informação. (…)”
ESPAÇO PÚBLICO – “(…) O espaço público esteja em grande medida ocupado por ignorantes encartados. Falam do que não sabem e é isso que faz com que nos habituemos a discutir sem argumentos sustentados nem quantificações. (…)”
EMPRESÁRIOS – “(…) Não sei se se pode dizer que a classe empresarial seja fraca. Apesar de tudo, o nível de sucesso que temos deve-se à classe empresarial. (…)”
SERVIÇO PÚBLICO – “(…) Hoje em dia, requer um certo estoicismo trabalhar nos serviços públicos, porque as pessoas correm o risco de ser vilipendiadas por tudo e por nada. Os comentários que se vêem nos jornais ou nos blogues são verdadeiramente extraordinários. (…) A comunicação social lança facilmente insinuações sobre as pessoas, umas vezes por iniciativa própria, outras por encomenda. Isso é relativamente fácil hoje em dia, e as pessoas estão sujeitas a ver o seu bom nome sujo por causa disso. Se o sistema de justiça funcionasse rápida e eficazmente, isso esclarecia-se e portanto o bom nome das pessoas seria protegido e as acusações infundadas seriam castigadas. E isso afasta as pessoas da política, porque tem um custo muito grande para o qual já nem sequer há reconhecimento. (…)”
OPINIÃO, PALPITES E VERDADE – “(…) A democracia tem de ter processos e há certos mecanismos de decisão que não podem ser popularizados. Por outro lado, nesta democracia de opinião não há mecanismos de certificação da opinião, o que não tem nada a ver com diversidades de opinião. Tem a ver com certificação da qualidade. A comunicação social tanto valor dá ao palpite de café como à opinião fundamentada. O palpite até tem mais saída, e se, perante a opinião pública, ambos são certificados no mesmo nível, a opinião pública escolhe sempre o mais fácil. Isto condiciona o decisor político, que tem dificuldade em decidir contra aquilo que são as expectativas da população, porque se não vai perder. (…)”
EDUCAÇÃO – “(…) O ensino não é suficiente exigente. E, por outro lado, creio que existe um problema cultural que é a falta de ambição. Uma das razões por que temos uma das mais elevadas taxas de abandono escolar tem a ver com a falta de ambição. Os miúdos chegam a uma determinada idade, arranjam o emprego com o salário mínimo e não estão para se aborrecer. (…) O ensino [deixou] de valorizar a qualidade para valorizar a quantidade e a igualdade, que são apenas aparentes. (…)”
REDUZIR CUSTOS – “(…) A redução de custos passa, em última instância, pela redução de salários e o simples facto de falar nisso é sacrílego. Vai acabar por acontecer da forma mais violenta, porque as pessoas que forem para o desemprego, quando voltarem ao mercado de trabalho, será com salários mais baixos. (…)”
CENTRO DO TRIÂNGULO E AEROPORTO – “(…) Nós, se nos virmos apenas como europeus, estamos na periferia e as condições são-nos desfavoráveis. Mas podemos vermo-nos como o centro de uma triangulação mais interessante - de que a Europa faz parte. Temos vantagens grandes, a da língua e a dos laços culturais com dois continentes. E, pelo menos em relação ao africano, ainda mantemos um laço de afectividade grande, independentemente das tensões e dos ressentimentos que vão sendo ultrapassados. Basta perceber qual é o futebol que eles vêem em Angola, por exemplo. É essa uma razão pela qual, entre os grandes investimentos, o aeroporto talvez seja o mais importante. Não tem de ser feito todo de uma vez, mas é importante. (…)”
DESTINO PARA PORTUGAL – “(…) Precisamos de reinventar um novo destino - que pode ser este de Portugal como plataforma do mundo. Uma nova plataforma de ligação intercontinental - o que implica o aeroporto, os portos. A primeira entrada atlântica na Europa é aqui. Um destino para actividades de saúde e de terceira idade. Um grande centro universitário nalgumas valências particulares. Precisamos de think tanks e mesmo organismos ligados ao Estado que estivessem a fazer este tipo de reflexão, e isso obrigaria os partidos a olhar para eles e a defendê-los do ponto de vista da sua exequibilidade. Mas as próprias autoridades políticas ouvem pouco e só ouvem o imediatismo. (…)”