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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Máximas em mínimas (100) - Rui Zink


Depois de ler A instalação do medo, de Rui Zink (Lisboa: Teodolito, 2012), alguns sublinhados, mesmo porque se prende com uma desconstrução (mais ou menos parodística) do que tem sido o discurso político que nos tem embalado (ou que nos tem sido inoculado), apresentadas por ordem alfabética do tema.

Crise – “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.”
Espectáculo – “Todo o espectáculo, por melhor que seja, tem um prazo de validade e não devemos fatigar o auditório com encores. O artista que sai de cena deixando a plateia a implorar só mais uma, só mais uma é sensato, ao contrário do que se deixa levar pela ilusão do aplauso e acaba a saturar os ouvidos das pessoas que, minutos antes, pareciam enlouquecidas pelo desejo.”
Ignorância – “A ignorância por vezes pode ser uma excelente camada protectora.”
Medo – “Um dos muitos efeitos do medo é deixarmos de controlar os intestinos, é por aí que o medo primeiro nos apanha.”
Mundo (em mudança) – “O mundo mudou e as pessoas não percebem isso. Já não há pessoas nem há mundo e as pessoas (talvez por já não existirem) não percebem isso. E quem tentar compreender o mundo é idiota. Qual o sentido de tentar entender uma coisa que já não existe? O mundo mudou. Mas como pode o mundo mudar se as pessoas não mudam? Ou como pode o mundo mudar se as pessoas não o sentem? O certo é que factos são factos e contra factos não há mundo ou pessoas que resistam.”

Suplício – “Até o mais breve dos suplícios dura uma eternidade.”

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

D. Manuel Martins, os governantes e a mensagem de Natal



D. Manuel Martins no tipo de discurso a que sempre nos habituou, directo, incisivo, contundente. Sempre admirei a frontalidade de D. Manuel e a sua voz, que se tem erguido nos momentos mais críticos, é a da razão. Podemos acrescentar às suas palavras que, antes das eleições, os potenciais candidatos a primeiro ministro deveriam ser obrigados a dizer com quem se coligariam, em que circunstâncias e que pessoas chamariam para formar governo.
É pedir muito, eu sei. Mas, depois do que temos visto e do oportunismo que tem rodeado muitas caras que passam pelos governos, seria o mínimo sinal de respeito pelos eleitores. Penso que, a saber-se isso, muitas das pessoas que têm passado pelos governos fariam alterar os resultados eleitorais e, por outro lado, haveria mais cuidado na formação das equipas de governantes. Serão todos muito boas pessoas, mas os sinais de incompetência, de impreparação e de pouca consideração pelos governados têm sido constantes. No tempo pré-eleições somos todos uns tipos porreiros e cumprimentados em demasia; depois, viramos uns cábulas, que não trabalhamos, responsabilizados pelo caos a que se chegou, mal habituados…
Na televisão, ao darem a notícia destas considerações de D. Manuel Martins, disseram que ele não deixou mensagem de Natal porque seria falta de cortesia estar a apontar caminhos de esperança no contexto em que se está… Uma pessoa ouve isto com um sorriso de compreensão e de concordância. Haverá mesmo esperança quando se deseja um 2013 “dentro do possível” ou que o novo ano “vá correndo”? Por isso, dispensam-se as mensagens governativas de Natal. Depois de tudo quanto foi dito pelos governantes sobre os portugueses e dos “ralhetes” sucessivamente cheios de sugestões, já se percebeu onde fica a esperança!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Do discurso do Ministro das Finanças


O Ministro das Finanças de Portugal deu hoje conferência de imprensa que ouvi na rádio. Apreciei o tom académico, técnico, que utilizou. Não duvido da eficácia deste tipo de discurso perante os seus pares. Não duvido sequer da sua competência na área. Duvido da sua capacidade política porque, queira-se ou não, um ministro tem de ser um político também. E, no caso do Ministro das Finanças, não foram as alusões à liberdade e ao princípio da independência com que concluiu o seu discurso que salvaram o tom tecnocrático e elaborado (mesmo com metáforas da economia), nada vocacionado para os contribuintes saberem, afinal, umas coisas simples: quanto vão ter de pagar mais, o que resolvem estes aumentos, quais foram os erros cometidos nos princípios que têm vigorado, o que fica para fazer, por quanto tempo a situação vai ser esta de nos confrontarmos com aumentos de impostos, com aumentos de impostos, com aumentos de impostos, o que vai ser feito para não se repetirem eventuais erros, quais as razões que levam a sacrificar a educação, a segurança social e a segurança interna?
Nada disto foi dito. Nenhum português pode pensar, depois da conferência de imprensa, na forma como vai gerir a sua casa, a sua família, a sua vida. Nenhum. Apenas se sabe que é uma carga “enorme” (adjectivo do Ministro), mas isso não basta para fazer contas nem para se adivinhar em nome de quê. Rematar com a liberdade, a democracia e a independência é poético, mas não é objectivo. E a esses remates já o Almada Negreiros respondia no célebre Manifesto anti-Dantas

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Uma outra leitura da história da cigarra - diferente da do ministro Macedo


A gente percebeu o que queria dizer o ministro Miguel Macedo na sua resposta de hoje, quando lembrou algo do género: há cigarras a mais e formigas a menos... Só que, como todas as histórias com um fundo de moralidade, a leitura não é apenas uma... E ir buscar a fábula para explicar que os portugueses andam a viver acima das suas possibilidades é algo caricato.
Na verdade, o discurso da vida acima das possibilidades foi uma motivação que tem carecido de demonstração. Os portugueses têm andado a viver acima das possibilidades ou as políticas seguidas quiseram pôr Portugal acima das possibilidades? E quem lucrou em qualquer dos cenários? Era a modernização do país, era a corrida desenfreada aos euros, era o alcatroamento da terra, era... era... era...
Mas vamos a uma outra interpretação do papel da cigarra, de todo diferente da que o ministro lhe atribuiu, mais apaziguadora e mais convergente com as diferenças. Foi contada por Sebastião da Gama no Diário, corria o dia 18 de Fevereiro de 1949... e veja-se como a interpretação é muito mais interessante.
«Pertinho da sala 19 mora um pintassilgo (ou pássaro que o valha... ). Volta não volta lá se põe ele a cantar e é um gosto ouvi-lo: há alegria, há ternura na sua cantiga. Por importante ou urgente que seja o que estou dizendo, é muito mais importante e muito mais urgente ouvir o pintassilgo: quebro, mal o oiço, ou a frase ou a palavra ao meio. Todos escutam. E o Américo, que tem uns olhos profundos e marotos, ou o Poeta ou qualquer outro, diz logo: «Por isso é que eu não gosto da Formiga.»
E sabem os senhores de onde nasce a observação? Nada mais nada menos do que do julgamento da Formiga e do elogio da Cigarra, que constituíram o corpo desta aula. Que me perdoem 'os amplos e maçudos livros morais de exemplos e de estudos'. Eu não posso admitir que seja louvada junto de crianças a crueldade, a ironia ruim e sem coração de Dona Formiga. E não admito também que se chame inútil à Cigarra — quando a Cigarra vive para alegrar os outros. Mas vamos ao prato do dia...
Chamei o Aragão, para ser ele a fechar a Semana do Animal. Encontrei, como esperava, um colaborador inteligente e sensível. O diabo do moço punha entusiasmo no que dizia, vibrava na defesa, em que me acompanhou, da pobre Dona Cigarra.»
Afinal, a cigarra também deve merecer a nossa admiração!...