Em 1915,
surgiu a revista Orpheu, sendo o
primeiro número (alusivo aos meses de Janeiro a Março) dirigido por Luís de
Montalvor e por Ronald de Carvalho e o segundo (referente ao trimestre de Abril
a Junho) por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. O terceiro número não
chegaria a ser publicado e só em 1984 apareceu a edição das respectivas “provas
de página” (em fac-símile) pela mão da revista Nova Renascença e do seu director, José Augusto Seabra.
Neste ano
de centenário, uma revisita às páginas da revista (cuja edição fac-similada dos
dois números editados, em volumes autónomos, saiu recentemente com o diário Público) deixa-nos com a verdade de que a revista
surpreende de cada vez que a ela se volta. Por aqui deixo uns sublinhados de
Orpheu, pela ordem em que aparecem em dada um dos três números (a paginação da
revista foi continuada de número para número, visando a organização em volume).
Eu – “Eu não sou eu nem sou o outro, /
Sou qualquer coisa de intermédio: / Pilar da ponte de tédio / Que vai de mim
para o Outro.” (Mário de Sá-Carneiro. “7”. Orpheu.
Dir.: Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915,
pg. 14)
Eu – “Por sobre o que Eu não sou há
grandes pontes / Que um outro, só metade, quer passar / Em miragens de falsos
horizontes / Um outro que eu não posso acorrentar…” (Mário de Sá-Carneiro.
“Ângulo”. Orpheu. Dir.: Luís de
Montalvor, Ronald de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915, pg. 15)
Tu – “Dentro da água dos teus olhos /
minha alma treme como um lírio…” (Ronald de Carvalho. “Reflexos”. Orpheu. Dir.: Luís de Montalvor, Ronald
de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915, pg. 25)
Mar – “Só o mar das outras terras é que
é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos
nunca…” (Fernando Pessoa. “O Marinheiro”. Orpheu.
Dir.: Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915,
pg. 30)
Sentir – “Custa tanto saber o que se
sente quando reparamos em nós!...” (Fernando Pessoa. “O Marinheiro”. Orpheu. Dir.: Luís de Montalvor, Ronald
de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915, pg. 32)
Sonho – “O dia nunca raia para quem
encosta a cabeça no seio das horas sonhadas.” (Fernando Pessoa. “O Marinheiro”.
Orpheu. Dir.: Luís de Montalvor,
Ronald de Carvalho. Lisboa: nº 1, Jan-Fev-Mar.1915, pg. 34)
Sonho – “Só vós sois feliz, porque
acreditais no sonho…” (Fernando Pessoa. “O Marinheiro”. Orpheu. Dir.: Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho. Lisboa: nº 1,
Jan-Fev-Mar.1915, pg. 39)
Erro – “Eu fui alguém que se enganou /
E achou mais belo ter errado…” (Mário de Sá-Carneiro. “Poemas sem suporte –
Elegia”. Orpheu. Dir.: Fernando
Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg. 97)
Admiração – “Não admiramos o que a nós
é estranho, sentindo então, o que já não admiramos?” (Raul Leal. “Atelier”. Orpheu. Dir.: Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg. 117)
Ideal (em arte) – “O indefinido a que
na arte nós aspiramos, essa ânsia de ideal que mais do que o ideal para nós
vale, essa ânsia, esse desejo infinito e jamais satisfeito, deve encher a nossa
vida que a mais alta expressão se tornará assim da arte pura!” (Raul Leal.
“Atelier”. Orpheu. Dir.: Fernando
Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg. 119)
Arte – “Toda a obra de arte é a
justificação de si própria.” (Nota da redacção sobre os poemas assinados por
Violante de Cisneiros. Orpheu. Dir.:
Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg.
122)
Vida – “A vida é só o Espaço / Que vai
da própria Linha / À sombra dela num traço. // Quando a Morte for vizinha, /
Fundidas no mesmo Espaço / Será tudo a mesma Linha.” (Violante de Cisneiros.
“Poemas – A Álvaro de Campos”. Orpheu.
Dir.: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2,
Abril-Maio-Junho.1915, pg. 123)
Presente – “Só sensações são Presente,
/ Só nelas vive a Verdade.” (Violante de Cisneiros. “Poemas – A Álvaro de Campos”.
Orpheu. Dir.: Fernando Pessoa, Mário
de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg. 124)
Infância – “Não poder viajar pra o
passado, para aquela casa e aquela afeição, / E ficar lá sempre, sempre cirança
e sempre contente!” (Álvaro de Campos. “Ode Marítima”. Orpheu. Dir.: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2,
Abril-Maio-Junho.1915, pg. 147)
Longe – “Viajar ainda é viajar e o
longe está sempre onde esteve – / Em parte nenhuma, graças a Deus.” (Álvaro de
Campos. “Ode Marítima”. Orpheu. Dir.:
Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915, pg.
149)
Eu – “Contemplo o meu destino em mim.”
(Luís de Montalvor. “Narciso”. Orpheu.
Dir.: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro. Lisboa: nº 2, Abril-Maio-Junho.1915,
pg. 156)
Vida – “Atapetemos a vida / Contra nós
e contra o mundo.” (Mário de Sá-Carneiro. “Poemas de Paris – Sete Canções de
Declínio”. Orpheu 3 – Provas de Página.
Porto: Edições “Nova Renascença”, 1984, pg. 167).
Tempo – “Passar tempo é o meu fito, /
Ideal que só me resta: / Pra mim não há melhor festa, / Nem mais nada acho
bonito.” (Mário de Sá-Carneiro. “Poemas de Paris – Cinco Horas”. Orpheu 3 – Provas de Página. Porto: Edições
“Nova Renascença”, 1984, pg. 174).
Deus – “Olho o Tejo, e de tal arte /
Que me esquece olhar olhando, / E súbito isto me bate / De encontro ao
devaneando – / Que é ser rio, e correr? / O que é está-lo eu a ver? // Sinto de
repente pouco, / Vácuo, o momento, o lugar. / Tudo de repente é oco – / Mesmo o
meu estar a pensar. / Tudo – eu e o mundo em redor – / Fica mais que exterior. //
Perde tudo o ser, ficar, / E do pensar se me some. / Fico sem poder ligar /
Ser, ideia, alma de nome / a mim, à terra e aos céus… // E súbito encontro
Deus.” (Fernando Pessoa. “Além Deus – Abismo”. Orpheu 3 – Provas de Página. Porto: Edições “Nova Renascença”,
1984, pg. 186).
Política – “E vós também, nojentos da
Política / que explorais eleitos o Patriotismo! / Maquereaux da Pátria que vos
pariu ingénuos / e vos amortalha infames!” (José de Almada Negreiros. “A Cena
do Ódio”. Orpheu 3 – Provas de Página.
Porto: Edições “Nova Renascença”, 1984, pg. 200).
Jornalismo – “E vós também, pindéricos
jornalistas / que fazeis cócegas e outras coisas / à opinião pública!” (José de
Almada Negreiros. “A Cena do Ódio”. Orpheu
3 – Provas de Página. Porto: Edições “Nova Renascença”, 1984, pg. 201).
Portugal – “E ainda há quem faça
propaganda disto: / a pátria onde Camões morreu de fome / e onde todos enchem a
barriga de Camões!” (José de Almada Negreiros. “A Cena do Ódio”. Orpheu 3 – Provas de Página. Porto: Edições
“Nova Renascença”, 1984, pg. 202).
Homem – “Quanto mais penso em ti, mais
tenho Fé e creio / que Deus perdeu de vista o Adão de Barro / e com pena fez
outro de bosta de boi / por lhe faltar o barro e a inspiração! / E enquanto
este Adão dormia / os ratos roeram-lhe os miolos, / e das caganitas nasceu a
Eva burguesa!” (José de Almada Negreiros. “A Cena do Ódio”. Orpheu 3 – Provas de Página. Porto: Edições
“Nova Renascença”, 1984, pg. 202).
Vida – “Vivemos tão pouco / que ficamos
sempre a meio caminho do Desejo.” (José de Almada Negreiros. “A Cena do Ódio”. Orpheu 3 – Provas de Página. Porto: Edições
“Nova Renascença”, 1984, pg. 205).
Natureza – “Ouve a Terra, escuta-A. / A
Natureza à vontade só sabe rir e cantar!” (José de Almada Negreiros. “A Cena do
Ódio”. Orpheu 3 – Provas de Página.
Porto: Edições “Nova Renascença”, 1984, pg. 209).
Sonho – “Os sonhos não podem ser incoerentes porque não
passam de pensamentos / Como outros quaisquer.” (C. Pacheco. “Para além doutro
oceano”. Orpheu 3 – Provas de Página.
Porto: Edições “Nova Renascença”, 1984, pg. 221).