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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Cartas de amor de António José Forte



Data de 6 de Junho de 1959 a carta saída de Lisboa para o Porto, revelando o emissor que “tinha de ser escrita”, por dever “para com o génio do amor”, após encontro apresentado como “inesperado”, “quase no último momento”, “fulgurante”. Depois, é a confissão da descoberta da “imagem sonhada e procurada através dos anos” e do medo “doloroso e insuportável” de a perder. Finaliza, a ansiar ser correspondido e prometendo “a linguagem feroz das nossas mãos amantes, das nossas bocas, dos nossos corpos, dos nossos olhos, dos nossos espíritos, livres e terríveis.”

Esta é a primeira de cento e uma cartas que António José Forte (1931-1988) endereçou a Amélia Martins Bento (1928-2020), num tempo decorrido até 13 de Julho de 1967, recolhidas e prefaciadas por António Cândido Franco sob o título Só me calarei para te amar mais (Antígona, 2021).

Em muitas ocasiões, as cartas saíram a um ritmo diário, garantia de proximidade e valorização do ser amado, correspondendo o conjunto a oito momentos de separação do casal: nove missivas, até 17 de Julho de 1959, ele em Lisboa e ela no Porto; dezassete, entre 30 de Julho e 27 de Agosto do mesmo ano, ele em Lisboa e ela em Gouveia, na casa dos pais, tempo em que vão falando do casamento; cinco, entre 15 e 23 de Julho de 1960, ele na cadeia do Aljube e ela entre a Parede e Amadora, casa da família dele; vinte e quatro, entre 21 de Outubro e 1 de Dezembro de 1961, ele em Portalegre, onde trabalha na Biblioteca Itinerante da Fundação Gulbenkian; uma, em 14 de Setembro de 1963, numa ida de Amélia a Gouveia; cinco, entre 16 e 19 de Setembro de 1964, viajando António por Madrid e Sevilha e ficando Amélia em Santarém; trinta, entre 12 de Junho e 3 de Setembro de 1966, ela em Bruxelas, para resolver assuntos de família; dez, entre 2 de Junho e 13 de Julho de 1967, com António em viagem por França.

Só nas duas primeiras cartas (a segunda seguiu três dias após a primeira) o tratamento que as abre é “Maria Amélia”, depois passando para variantes de proximidade e afecto como “Meu amor”, “Meu querido amor”, “Minha querida”, “Querida” e “Querida Amélia”. Por estas mensagens passa sobretudo a paixão, com declarações amorosas, erotismo, desejo e promessas de felicidade conjunta, não omitindo as preocupações do quotidiano - as relações familiares, os amigos, o dinheiro, o acidente da filha Gisela, o trabalho.

O período de maior angústia parece ser aquele em que Amélia está em Bruxelas, não pela distância, mas porque a saída de António ao encontro dela é adiada diariamente por a passagem na fronteira de Valença lhe ter sido interditada no início de Agosto e por causa de um passaporte que a polícia política demoradamente retém.

Como o organizador regista, esta epistolografia não constitui documento literário, mas, por ter um carácter privado, por vezes íntimo, é “um documento humano”, sobretudo para os nela envolvidos. Mais do que tornar-se desejada, a carta significa o outro, como, num sábado de 1959, ao escrever de Lisboa para Gouveia, ele justifica: “amanhã é domingo e possivelmente um dia mais do que nenhum aborrecido para ti, lembrei-me de vir-te fazer companhia. Ficas contente, meu amor? Daremos os dois, tu e a minha carta, um longo passeio pelo campo, muito juntos com certeza, porque penso que me levarás apertado ao teu coração. Se a tua carta chegar amanhã, levar-te-ei comigo. E assim passaremos um domingo feliz.” Excelente forma de atribuir à carta a força da segunda pessoa!

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 683, 2021-09-01, p. 10.


sábado, 6 de junho de 2020

Luís Amaro - Testemunhos para a amizade



Em 9 de Novembro de 2008, em Massamá, Luís Amaro (1923-2018) escreveu quatro dedicatórias em outros tantos livros que Sebastião da Gama lhe tinha dedicado - Serra-Mãe, Cabo da Boa Esperança, A Região dos Três Castelos e Campo Aberto. As mensagens apresentam idêntico teor, com algumas variações, aqui se transcrevendo a que foi exarada no primeiro dos livros: “À Biblioteca do Museu Sebastião da Gama, em Vila Nogueira de Azeitão, terra natal do Poeta e onde este livro - peça bibliográfica única, porque com dedicatória do querido e inesquecível autor! - ficará mais resguardado, como relíquia que é, oferece comovidamente o Luís Amaro - Homenagem também a Joana Luísa da Gama, Companheira do Sebastião”.
O Museu Sebastião da Gama ficava, assim, com a posse de quatro obras autenticadas com as assinaturas de Sebastião da Gama e de Luís Amaro, dois pólos de uma relação intensa construída sobre a poesia e a amizade, que tivera início em 1945, era Luís Amaro funcionário da Livraria Portugal, em Lisboa.
Ao longo da sua vida, o aljustrelense Luís Amaro foi autor de apenas um livro de poemas, cuja primeira edição saiu em 1949, Dádiva, que reapareceria em reedições de 1975, 2006 e 2011, assumindo um título diferente, Diário Íntimo, a que, em 1975 e em 2011, foi acrescido o subtítulo “Dádiva e Outros Poemas”. Uma interpretação rápida dos títulos permite dizer muito daquilo que Luís Amaro foi como pessoa - muito reservado, mas sempre disponível para oferecer o seu contributo aos outros.
A propósito dos seus 80 anos, um grupo de amigos preparou-lhe uma surpresa - a edição de Para lá da névoa - Homenagem a Luís Amaro (Edições Caixotim, 2005), em que testemunharam 16 autores, rol que integrou dois setubalenses, António Osório e Daniel Pires. Em 2020, novo projecto nos vem lembrar o poeta e bibliófilo alentejano através da obra Evocar Luís Amaro (Cosmorama Edições), coordenada por António Cândido Franco, António José Queiroz, Francisca Bicho e Paulo Samuel e reunindo depoimentos de 19 amigos, incluindo Daniel Pires. A linha que perpassa por todos os testemunhos é a da generosidade do homenageado, autodidacta que sempre abriu portas a quem o procurava, epistológrafo genial, já que a maioria das informações que partilhava seguia através de cartas cheias de anotações, apontamentos, referências. No retrato que a sobrinha Maria Dulce P. Amaro lhe traça, é dito: “O seu percurso não teve nada de fortuito, nem de milagroso. Era um perfeccionista, trabalhou arduamente para atingir a excelência, colocando em segundo plano a sua vida pessoal, que de um modo ‘envergonhado’ frequentemente escondia.”
Por finais de 1990, numa deslocação a Monsaraz com alunos, vi um grupo de três pessoas, parecendo-me ser uma delas o Luís Amaro. Nunca lhe tinha falado, mas conhecia-o de uma fotografia publicada algures e sabia de muita da sua acção em prol da literatura portuguesa. Fui ter com ele, apresentei-me e saudei-o. “Mas como reconheceu que sou o Luís Amaro se nem apareço por aí nos meios?” Lá lhe contei a minha história e os meus afectos literários, por onde passavam alguns amigos dele. Ficámos amigos. As cartas que dele conservo são lições sobre livros, achegas para investigações que me têm envolvido, provas de amizade inexcedível, em duas delas evocando esse encontro alentejano. Subscrevo aquilo que Daniel Pires regista no testemunho deste livro de 2020, chamando a generosidade e a disponibilidade de Luís Amaro para traços maiores. Foi também isso que senti, essa permanente dádiva, de que fui um dos privilegiados.
* "500 Palavras". O Setubalense: nº 410, 2020-06-05, p. 17.

sábado, 3 de maio de 2014

Pedro Martins e António Reis Marques, "Agostinho da Silva em Sesimbra"



Os registos biográficos de Agostinho da Silva estão agora enriquecidos com um volume que estabelece a relação do homem de pensamento com a vila que se abriga na Arrábida, sob o título de Agostinho da Silva em Sesimbra, trabalho devido a Pedro Martins e a António Reis Marques (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2014), apresentado por António Cândido Franco, obra que se pode dividir em três partes: a primeira, constituída por um estudo das relações de Agostinho da Silva com a “piscosa” (a propósito deste atributo camoniano dado a Sesimbra, lembro-me sempre da intenção do palmelense António Matos Fortuna de ser construída uma rede ou um pacto de geminação entre todas as terras portuguesas com nome referido em Os Lusíadas, projecto que não chegou a ter execução, infelizmente) e com algumas das suas personagens e outros vultos da cultura portuguesa que por Sesimbra passaram, levada a cabo por Pedro Martins; a segunda, formada por dois textos de cunho memorialístico devidos a António Reis Marques, acentuando as vivências de Agostinho da Silva em Sesimbra; a terceira, reproduzindo a que terá sido a última entrevista do filósofo, saída no mensário sesimbrense Raio de Luz, no último dia de Setembro de 1993, conduzida por Pedro Martins, António Ladeira e José Pedro Xavier.
Os ecos de Sesimbra em Agostinho da Silva foram contínuos e tiveram início pela década de 1930, quando ali foi levado por eminente estudioso da região – Orlando Ribeiro, na altura em que preparava a sua tese sobre a Arrábida (com primeira edição em livro em 1936 e cujo manuscrito esteve em mostra em exposição biobibliográfica que a Biblioteca Nacional dedicou ao geógrafo há poucos anos). Na escrita, a região regista-a pela primeira vez em texto de 1956, a partir de Belo Horizonte, ao mencionar os “pescadores de Setúbal” e “os faroleiros do Espichel” nesse escrito introdutório a Reflexão à margem da literatura portuguesa (Lisboa: Guimarães Editores), que é um canto de agradecimento à cultura e à terra portuguesa, num longo passeio pela memória.
Depois, foram as vindas sucessivas a Sesimbra: motivadas pelas amizades de nomes como António Telmo, António Reis Marques, Rafael Monteiro; provocadas ainda por um projecto cultural que Agostinho da Silva gizou quando corria 1973, ao destacar monumentos como o santuário de Nossa Senhora do Cabo, o castelo sesimbrense ou a Fortaleza de Santiago como pontos matriciais para uma obra que colocaria Sesimbra no mapa de estudos da memória portuguesa; construídas sobre conferências, a primeira das quais na década de 1940 e a última em 1988, na Escola Secundária de Sampaio.
Ao longo deste estudo de Pedro Martins, em que a ligação do pensador à “piscosa” se reconstrói com memórias e com alguma correspondência que entre Agostinho da Silva e a afilhada Anahy se estabeleceu, Sesimbra afigura-se como espaço a que deram privilégio nomes importantes da cultura portuguesa do século XX, entre os quais, além dos já citados, são nomeados Vergílio Ferreira, Joel Serrão, Álvaro Ribeiro e João dos Santos, todos eles, porventura, com obra que teve “Sesimbra no horizonte”.
A evocação feita por António Reis Marques assenta em dois textos, correspondentes a outras tantas intervenções públicas em que o autor lembrou o amigo (datadas de 2002 e de 2006). Ainda que ambas contenham lembranças de vivências pessoais nos sucessivos encontros entre os dois, também por isso demonstram a grandeza desta personalidade, assente sobre princípios tão antigos quanto o franciscanismo ou a liberdade. Particularmente interessante é o registo em que é evocada uma ida dos dois amigos a uma loja de companha (a pedido de Agostinho da Silva), onde, depois de lhe terem sido explicadas as tarefas da pesca, o filósofo lembra aos pescadores o seu papel na história: “Vocês são os descendentes desses sesimbrenses que correram mundo nas naus e caravelas dos Descobrimentos. Foi com pescadores como vocês que os nossos mareantes aperfeiçoaram a arte de navegar, e foi também com eles que, velas desfraldadas, conseguiram um dos maiores feitos das navegações portuguesas: aprender a navegar à bolina, ou seja, navegar contra o vento.”
Na derradeira parte do livro, na entrevista que também foi a última dada por Agostinho da Silva, surgem temas que lhe foram caros como o da missão de Portugal no mundo, a questão do iberismo, o valor do mar e, naturalmente, Sesimbra. Debatia-se, na altura, o papel a ser desempenhado pela Expo 98, com escolha do tema dominante. E o entrevistado juntava na oportunidade esse tema – que só seria visto pelo público dali a cinco anos e que ele já não veria – com o papel de Portugal no mundo: “Surgiram agora com a ideia que é uma exposição sobre os Oceanos. Seria muito interessante que se pensasse sobre este problema: foi da costa portuguesa que se fez a exposição ao mundo do Império Romano; tem a costa portuguesa alguma coisa de particular? Eu acho que tem. Não é nenhum golfo. É uma costa aberta para um mar amplo. Daqui se pode sair, dar a volta ao mundo, sem estar preso por nenhuma terra. Talvez fosse bom pensar-se nisso: nos Oceanos.”
Esta mensagem de Agostinho da Silva tem vinte anos. Os oceanos foram, de facto, o tema da Exposição Mundial de 1998 em Lisboa; e, quando são passadas duas décadas sobre esta opinião, no nosso país começa-se a viver sob o signo de “Portugal é mar”… Momentos profícuos e de privilégio os que são gastos na leitura desta obra! Pelo que se aprende, pela riqueza do percurso do biografado, pelas marcas de identidade que são lembradas, por uma escrita que nos aproxima das personagens de quem se fala.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Para a agenda - Agostinho da Silva e Sesimbra



Pedro Martins e António Reis Marques assinam os trabalhos que levam ao encontro com Agostinho da Silva em Sesimbra, prefaciado por António Cândido Franco. Uma produção do Centro de Estudos Bocageanos para a sua colecção "Clássicos de Setúbal". Na Casa da Cultura, em Setúbal, às 16h30. Para a agenda.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Para a agenda: Dos poetas da Arrábida



Onde se vai falar da Arrábida e dos seus poetas. Uma perspectiva cultural sobre a Arrábida. Com temas interessantes a cargo de quem deles sabe. Em 22 de Janeiro, na Casa da Cultura, em Setúbal. Para a agenda.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Para a agenda - Agostinho da Silva, 108 anos em Setúbal



Agostinho da Silva, nos 108 anos do seu nascimento, será evocado em Setúbal por António Cândido Franco. Uma entrada pelo pensamento e pela biografia sempre fascinantes de um homem que marcou o século XX português a não perder. Para a agenda!