Um artigo de António Manuel Couto Viana na última edição da revista Prelo (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, nº 4, Janeiro-Abril.2007) reúne memórias sobre três figuras da cultura portuguesa nascidas na década de 20, que se tornaram emblemáticas na literatura a partir de meados da década de 40: David Mourão-Ferreira (1927-1996), Sebastião da Gama (1924-1952) e Couto Viana (n. 1923).
O texto acentua o seu cariz autobiográfico logo no título – “David Mourão-Ferreira nas minhas memórias de adolescente” – e poderá fazer parte de um já extenso rol de escritos memorialísticos de Couto Viana, cuja maior parte está reunida em livro – Coração arquivista (1977), As (e)vocações literárias (1980), Gentes e Cousas d’Antre Minho e Lima (1988), Colegial de letras e lembranças (1994), Escavações de superfície (1995) e Ler, escrever e contar (1999).
Ao longo das quinze páginas do artigo, Couto Viana relembra as afinidades culturais, literárias e geracionais com David Mourão-Ferreira a partir de um encontro ocorrido em 1946, ano em que, com 23 anos e vindo de Viana do Castelo, chegou a Lisboa. No ano anterior, já Sebastião da Gama tinha publicado o seu livro inaugural, Serra-Mãe. E é por aí que começa a relação – “Nesse ano de 1946, recebi de uma amiga de infância, Eugénia Aurora, a notícia de que o poeta Sebastião da Gama, autor do livro Serra-Mãe, por mim tão admirado, havia sido convidado por seu pai, Conde d’Aurora, para passar uns dias no seu solar de Ponte de Lima. (…) Eugénia falara-lhe de mim e desejava que nos conhecêssemos. Para isso, dera-lhe o meu contacto.” [sublinhado meu]
Regressado da sua viagem a terras do Lima, Sebastião da Gama não demorou a telefonar a Couto Viana, tendo sido aprazado encontro para o Café Chiado, em Lisboa. Quem esteve presente nesse encontro? Sebastião da Gama não apareceu sozinho; trouxe com ele Luís Amaro (n. 1923) e, no interior do café, juntaram-se a outro amigo de Sebastião, o jovem David Mourão-Ferreira. Assim se iniciava um caminho de amizade, em que todos os convivas estavam unidos pela poesia e a que muitos outros viriam a juntar-se...
Depois deste primeiro encontro, chegaram as afinidades culturais. E prossegue o memorialista: “Porque tínhamos amigos que prezavam a literatura, sobretudo a poesia, e partilhavam de iguais gostos estéticos, começámos a considerar-nos uma geração, bem diferenciada da anterior, a dos anos 40, voltada para o social, intitulando-se neo-realista.” Os encontros foram mais assíduos entre Couto Viana e Mourão-Ferreira, quer porque ambos moravam em Lisboa, quer porque ambos tinham também a paixão do teatro. Mas “a boémia nocturna espalhara-se por longos passeios na Lisboa pacata, às vezes na companhia de Sebastião da Gama”.
Tal convívio desembocou no aparecimento da revista literária Távola Redonda (que andava a germinar desde 1947, primeiro com o título proposto de Clima e, depois, de Arame Farpado, hipóteses que, na hora da decisão, acabaram por pender para o mito arturiano, aí se enaltecendo a poesia e a tradição, que viria a ser o encontro com o lirismo). “Com a concordância do núcleo fundador, o David, o Luís de Macedo, o Vaz Pereira, o Sebastião da Gama, o João Belchior Viegas, a Fernanda Botelho, o Fernando Guedes e o Fernando de Paços, Távola Redonda, ‘folhas de poesia’, vinha a lume no dia 17 de Janeiro de 1950, ainda que com a data de 15 desse mês. E prometia ocupar as bancas das livrarias, quinzenalmente.” Todos estes nomes viriam a assinar obra literária autónoma, com excepção de Vaz Pereira, que continuou a assinar na área do desenho e da ilustração.
O texto acentua o seu cariz autobiográfico logo no título – “David Mourão-Ferreira nas minhas memórias de adolescente” – e poderá fazer parte de um já extenso rol de escritos memorialísticos de Couto Viana, cuja maior parte está reunida em livro – Coração arquivista (1977), As (e)vocações literárias (1980), Gentes e Cousas d’Antre Minho e Lima (1988), Colegial de letras e lembranças (1994), Escavações de superfície (1995) e Ler, escrever e contar (1999).
Ao longo das quinze páginas do artigo, Couto Viana relembra as afinidades culturais, literárias e geracionais com David Mourão-Ferreira a partir de um encontro ocorrido em 1946, ano em que, com 23 anos e vindo de Viana do Castelo, chegou a Lisboa. No ano anterior, já Sebastião da Gama tinha publicado o seu livro inaugural, Serra-Mãe. E é por aí que começa a relação – “Nesse ano de 1946, recebi de uma amiga de infância, Eugénia Aurora, a notícia de que o poeta Sebastião da Gama, autor do livro Serra-Mãe, por mim tão admirado, havia sido convidado por seu pai, Conde d’Aurora, para passar uns dias no seu solar de Ponte de Lima. (…) Eugénia falara-lhe de mim e desejava que nos conhecêssemos. Para isso, dera-lhe o meu contacto.” [sublinhado meu]
Regressado da sua viagem a terras do Lima, Sebastião da Gama não demorou a telefonar a Couto Viana, tendo sido aprazado encontro para o Café Chiado, em Lisboa. Quem esteve presente nesse encontro? Sebastião da Gama não apareceu sozinho; trouxe com ele Luís Amaro (n. 1923) e, no interior do café, juntaram-se a outro amigo de Sebastião, o jovem David Mourão-Ferreira. Assim se iniciava um caminho de amizade, em que todos os convivas estavam unidos pela poesia e a que muitos outros viriam a juntar-se...
Depois deste primeiro encontro, chegaram as afinidades culturais. E prossegue o memorialista: “Porque tínhamos amigos que prezavam a literatura, sobretudo a poesia, e partilhavam de iguais gostos estéticos, começámos a considerar-nos uma geração, bem diferenciada da anterior, a dos anos 40, voltada para o social, intitulando-se neo-realista.” Os encontros foram mais assíduos entre Couto Viana e Mourão-Ferreira, quer porque ambos moravam em Lisboa, quer porque ambos tinham também a paixão do teatro. Mas “a boémia nocturna espalhara-se por longos passeios na Lisboa pacata, às vezes na companhia de Sebastião da Gama”.
Tal convívio desembocou no aparecimento da revista literária Távola Redonda (que andava a germinar desde 1947, primeiro com o título proposto de Clima e, depois, de Arame Farpado, hipóteses que, na hora da decisão, acabaram por pender para o mito arturiano, aí se enaltecendo a poesia e a tradição, que viria a ser o encontro com o lirismo). “Com a concordância do núcleo fundador, o David, o Luís de Macedo, o Vaz Pereira, o Sebastião da Gama, o João Belchior Viegas, a Fernanda Botelho, o Fernando Guedes e o Fernando de Paços, Távola Redonda, ‘folhas de poesia’, vinha a lume no dia 17 de Janeiro de 1950, ainda que com a data de 15 desse mês. E prometia ocupar as bancas das livrarias, quinzenalmente.” Todos estes nomes viriam a assinar obra literária autónoma, com excepção de Vaz Pereira, que continuou a assinar na área do desenho e da ilustração.
O texto de Couto Viana continua, relatando a história do percurso literário que teve com Mourão-Ferreira. Mas, a partir daqui, os encontros, fossem eles físicos ou epistolares, entre Sebastião da Gama e Couto Viana foram ainda muitos, sobretudo por causa da Távola Redonda. Desde o Portinho da Arrábida, onde Sebastião da Gama vivia, as missivas para Couto Viana e para Mourão-Ferreira eram assíduas, tendo como motivo a qualidade e a publicação da revista, o aconselhamento, a crítica. Sebastião da Gama teve colaboração nos números 1, 6, 7 e 8 da Távola. Já postumamente, apareceram textos seus nos números duplos 16/17 e 19/20. A revista terminou o seu ciclo no vigésimo número, datado de 15 de Julho de 1954. Mas o número 16/17, saído em 30 de Abril de 1953, constituiu uma homenagem a Sebastião da Gama (que falecera em 7 de Fevereiro do ano anterior), vinda dos seus colegas de geração – Matilde Rosa Araújo (n. 1921), Júlio Evangelista (1927-2005), Couto Viana, Miguel de Castro (pseudónimo de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal e “descoberto” para a poesia por Sebastião da Gama, n. 1925), Fernando Guedes (n. 1929), Mourão-Ferreira, Luiz de Macedo (pseudónimo de Luís Chaves de Oliveira, n. 1925), Cristovam Pavia (1933-1968), Artur Ribeiro (de Setúbal), Fausto Denis, João Sant’Iago (n. 1918) e Leonor de Castilho – e de alguns vultos já respeitadíssimos na cultura e na literatura portuguesa – José Régio (1901-1969), seu amigo, e Hernâni Cidade (1887-1975), seu professor e amigo. No texto “Para uma interpretação da poesia de Sebastião da Gama” aí publicado, Mourão-Ferreira escrevia que ela constituía “uma pessoalíssima e lírica epopeia de exaltação à Vida” e “uma das mais extraordinárias aventuras da Poesia portuguesa contemporânea”. Já Couto Viana exarou no poema “Lápide”, divulgado também nesse número, o desafio à memória: “Cada hora que somos nos desgasta: / O tempo é vil e a juventude é casta. / - Só merece viver quem morre cedo.” O ciclo da amizade firmou essa mesma memória.
[A primeira fotografia, de António Manuel Couto Viana, visto por Cília Costa, data de 9 de Junho de 2007, aquando da inauguração do monumento a Sebastião da Gama, em Azeitão; a segunda fotografia, captando um encontro entre Sebastião da Gama e David Mourão-Ferreira no Portinho da Arrábida, data de 1946.]
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