segunda-feira, 9 de julho de 2007

Entre Luísa Todi e as negativas em Matemática

Em 1967, a editorial Verbo tinha uma colecção para o público juvenil intitulada “Vidas Heróicas”, nela tendo sido publicado o livro A Vida Fascinante de Luísa Todi, de Maria Isabel Mendonça Soares, escritora nascida em Lisboa (1922). Uns anos passaram e, em meados da década de 70, a mesma editora tinha a colecção “Série 15”, cujo nº 31 se intitulava 15 Mulheres Célebres (1975), painel que continha um capítulo sobre a setubalense Luísa Todi (1753-1833), acompanhada noutros capítulos por personagens como Joana d’Arc, as irmãs Brontë, Anee Frank ou Edith Cavell. Era um conjunto de textos biográficos, em que a acção narrativa ganhava também pelo discurso directo entre as personagens, numa prática do biografismo inspirada pela construção romanesca. Dos quinze textos apresentados, apenas um estava assinado: era o que relatava sobre Luísa Todi, com a indicação de ser constituído por excertos do livro já referido de Maria Isabel Mendonça Soares.
Pelas mãos da mesma autora, a biografia da cantora lírica setubalense voltou agora aos escaparates livreiros, justamente a inaugurar mais uma colecção juvenil da editorial Verbo: a “Série 10”. O primeiro título, com ilustrações de Augusto Trigo, é 10 Grandes Portugueses (que boa e feliz paródia ao concurso de pouco alegre memória que a televisão pública promoveu há poucos meses!), nele constando as personagens Garcia de Orta, rainha Isabel, Joaquim Lopes, Marquesa de Alorna, Machado de Castro, Pedro Nunes, Princesa Joana, D. Sebastião, Públia Hortênsia e Luísa Todi. Todos os textos são de Maria Isabel Mendonça Soares, estando a biografia de Luísa Todi intitulada como “Uma Voz que encantou a Europa”.
O capítulo não relata toda a vida da personagem, mas apenas os seus primeiros 40 anos, exactamente aqueles que durou a construção da figura e o êxito do seu canto na Europa. Estes textos, cujo público imediato é a juventude, interessam mesmo por esse pormenor que é o da construção do sucesso com trabalho e com persistência e, ao longo das narrativas, vão aparecendo “dicas” que se podem considerar “chaves” para a vida: veja-se, por exemplo, o que escreve a autora a propósito da visita de Luísa Todi a Potsdam, onde Frederico II lhe ordenou que cantasse determinadas árias que tinham de ser estudadas em catorze dias: “Se Luísa Todi fosse uma artista pretensiosa como havia tantas outras, seria muito natural que fizesse uma cena e se recusasse a satisfazer aquela exigência; mas ela possuía uma coisa que se chama brio profissional e pensou que a ordem real bem podia transformar-se num desafio à sua competência.”
Quanto a estas “pedras mágicas” para o sucesso, valerá a pena lembrar como termina o capítulo dedicado a Pedro Nunes, matemático nascido em Alcácer do Sal (1502-1578): “Leitor amigo, tu que tiveste uma negativa em Matemática e afirmas que detestas semelhante disciplina, já pensaste que uma barragem e uma ponte assentam em algo mais do que blocos de cimento sobre postos ou lingotes de ferro aparafusados? Sabes, por exemplo, que na construção da Ponte 25 de Abril, de Lisboa, sobre o Tejo, só os cálculos matemáticos enchem nada menos de 100 volumes, num total de 10000 páginas e 4000 desenhos? Há qualquer coisa de fantástico nesta transformação de algarismos em realidades muito concretas e onde ao mesmo tempo os matemáticos descobrem verdadeira poesia!”
Estes textos de Maria Isabel Mendonça Soares interessam pelo assunto (a experiência e o exemplo do biografado), mas relevam também um conjunto de valores importantes para a formação e educação do público preferencial da colecção (e não só). Daí que possam constituir uma boa pista para o alargamento das leituras e para o trabalho (e prazer) que a leitura dá.

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