Retábulo das Matérias, de Pedro Tamen (n. 1934), constrói-se sobre o altar das palavras e dos títulos de livros de 45 anos de poesia, desde que, em 1956, saiu o Poema para todos os Dias. É, aliás, nesse primeiro livro que Tamen apresenta a escrita da poesia como elemento fixador e memorizador - "Ontem / (ainda ontem) / aconteciam verdadeiras coisas, / aconteciam muitas e sérias coisas. / E, agora, neste seco papel, / tudo volta, e eu vejo." Neste retábulo, torna-se evidente a força da palavra - "Não há montanhas se não há palavras" -, a capacidade de surpreender o leitor pela palavra intrometida - "Não penso, faço, / não estrada, sigo" -, o apelo aos jogos de sonoridades - "e o dia perto, porto, parto ferido" - e mesmo o engenho de (re)inventar a palavra - "aleluia-se um gesto".
Presentes também estão os temas do amor - "em ti não busco mais do que pensar-te" - e do tempo - "o tempo todo corre num cigarro, / no suor a cair, e no ficar." Interessantes são ainda as marcas de autor, num processo quase hitchcockiano de assinatura da obra, aqui e ali saltando para o poema - "formado em direito e em solidão" ou "Sentidos frios de pesadas frases / Ai Pedro, Pedro, tu que frases fazes?" Finalmente, assinalarei a subtileza na forma de apresentar, de visitar e de escrever a poesia: "Em segredo, como quem vai ao armário de si próprio, / rodo a fechadura (range) e abro."
Depois de reunir a obra completa neste Retábulo das Matérias (Lisboa: Gótica, 2001), de Pedro Tamen foi editado Analogia e Dedos (Lisboa: Oceanos, 2006), quando passavam os seus 50 anos de vida literária (em poesia).
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