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domingo, 14 de maio de 2017

Sobre a vinda do Papa Francisco a Portugal



O Papa Francisco esteve cá igual a si próprio. Como peregrino, como chefe de uma Igreja com crises e que ele quer tornar mais afirmativa e mais autêntica, como inspirador de um optimismo que todos podemos construir, como desafio para a fé e para o papel de cada um como cidadão, como cristão e como católico.
Tenho uma enorme e profunda admiração pelo Papa Francisco por muitas razões. Por ser diferente, por ser autêntico, por ser um desafio contínuo, por nos levar a pensar com uma linguagem que nos é próxima, pelo seu passado, por ser jesuíta e pelo nome que adoptou - poderia ser o de Francisco Xavier, patrono da Companhia de Jesus (ordem religiosa de que é proveniente), mas foi o de Francisco de Assis, patrono dos Franciscanos e exemplo maior da ecologia humana.
Nesta vinda do Papa Francisco a Portugal, senti a tristeza por muitos amigos meus das redes sociais o tratarem como trataram. Lamento que a tolerância seja apenas um verbo de encher para quando estão de acordo connosco. O respeito pela fé e pelas crenças do outro deveria ser uma máxima, uma orientação de vida. E não é. Vi cenas caricatas e pungentes, recortes de um humor “baixo” e perguntas de jornalistas absolutamente ridículas, como se estivessem a transmitir a reportagem de um qualquer circo, como se a vida fosse ela mesma um espectáculo. Tudo isto nos deve ficar na fronteira do “para lá”, se é que queremos dar testemunho, se é que acreditamos que a fé nos marca e define, se é que queremos que a coerência seja a nossa marca. Mesmo porque o que se pôde ver foi a vivência da fé.
Quando, na sexta-feira, vi a primeira página do jornal “O Setubalense” com a imagem do Papa, logo pensei que os jornalistas teriam aproveitado um acontecimento nacional para o interpretar ao nível regional e local. Não; a questão era a da tolerância dada pelo Governo e não era a simbologia, a crença, a fé, a opinião e o desafio sentido por setubalenses com a vinda do Papa ao nosso país. Uma questão absolutamente lateral, ainda que podendo ser discutida. Uma oportunidade de reflexão e de testemunho (de que bem precisa a nossa sociedade) desperdiçada!
Ainda hoje li no “Público” o depoimento de um autor insuspeito - José Pacheco Pereira. E vale a pena seguirmos as suas palavras: “O Papa fez bem o seu papel de ‘bom Pastor’. Apelou aos cristãos para não deixarem sozinhos os deserdados da história, os que vivem na periferia do mundo, os pobres, os deficientes, os presos, os perseguidos. Isto é uma das coisas que este Papa faz melhor porque é genuíno nesse apelo e coloca a Igreja no lugar certodo seu papel no mundo. Ele não acha, como alguns dos seus fiéis, que a pobreza seja um ‘efeito colateral’, justificado por um hipotético e salvífico modelode desenvolvimento, que ele, certamente, entende ser cruel. Na mesma altura em que ele estavaa falar em Fátima, um Presidente americano, discursando num colégio evangélico, apelouaos jovens recém-formadospara lutarem pelo sucessoe perguntou-lhes quantos quereriam ser Presidentes como ele, para levantarem a mão. Nãoé ocasional, são de facto dois mundos e entre ambos eu prefiro o do Papa Francisco.”
E, já agora, para que dúvidas não existam, leia-se a intervenção que Francisco fez em Fátima ontem, disponível aqui. O desafio é tão forte que, no regresso a Itália, em conversa com os jornalistas difundida pela imprensa, disse apelar aos sacerdotes “para não serem clericais”, pois essa atitude “é uma peste na Igreja”. Incomparavelmente mais corajoso do que aqueles que, a pretexto de não serem crentes, o ridicularizaram!
Mantenho a forma como comecei: o Papa Francisco esteve cá igual a si próprio. Com a honra da sua palavra, da sua convicção, mostrando que a fé é também o que o move. Obrigado, Papa Francisco!

sábado, 6 de julho de 2013

José Pacheco Pereira na "Ler"



A revista Ler, de Julho-Agosto (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, nº 126), traz, pela mão de Ana Sousa Dias, uma entrevista com José Pacheco Pereira, peça que vale bem a pena ler por estarmos perante uma reflexão humanista, culta, que vai muito além do papel de comentador. Aqui ficam alguns excertos pela ordem por que surgem na conversa.

Saber - "Há uma certa hostilidade em relação ao saber, mesmo [ao] tipo de saber que é um saber de amador, no verdadeiro sentido do termo. Há mais defesa da ignorância, particularmente da parte daqueles que acham que sabem."
Prosápia - "A prosápia tem uma proporção inversa com a sabedoria."
Álvaro Cunhal - "É um homem muito corajoso (...). É claramente um intelectual, até naquilo em que se sente mal por ser intelectual, a tentativa de forçar uma proximidade com o mundo operário que ele na realidade nunca teve. (...) Ele teve a fé do século XX, o comunismo, uma fé que tem uma componente religiosa, uma determinação identitária que também existe no comportamento religioso, de tal maneira que ele morre com uma grande amargura. (...) É um homem que reconstrói a sua própria identidade a partir do que acha que deve ser, não a partir do que é. (...) Ele é um dos grandes portugueses do século XX e molda de uma forma importante a História portuguesa e a História do mundo. A sua influência no movimento comunista mundial não é despicienda (...)."
Europa - "Os grandes desafios têm a ver com a dificuldade que a Europa tem em entrar no mundo global. Quer as vantagens e não quer os inconvenientes, as vantagens de ser uma zona de paz e prosperidade, e não quer mudar os seus erros económicos históricos, não quer ter Forças Armadas, não quer ter Defesa, portanto não quer ser autónoma nas relações internacionais, que são dominadas desde sempre pela paz e pela guerra. Quem não seja credível nessa área não tem papel na política mundial. Isso é preocupante."
Liberdade - "Há muito tempo que as pessoas fizeram um trade off que é muito perigoso entre a liberdade e a segurança. Aceitam. Aceitam que haja câmaras na rua e que os filmem, aceitam que os Governos proponham a divulgação dos nomes dos mais pobres que recebem casas nos bairros sociais, aceitam que os Governos queiram controlar a velocidade através das horas a que se entra e se sai da autoestrada, aceitam que o fisco possa saber tudo o que se compra. Só ainda não aceitaram pôr um chip como os cães, porque ainda parece muito intrusivo, mas na verdade a nossa sociedade caminha para que as pessoas aceitem um sistema de vigilância total."
Crise - "Vamos sair da crise com um Estado disforme, não mais pequeno mas disforme, um Estado mais autoritário, mais intrusivo. Numa sociedade em que o tónus é dado pela classe média, o único processo dinâmico é o empobrecimento, a passagem da classe média para a pobreza."
Decência - "As pessoas sabem distinguir o que é decente e o que é indecente. Uma das razões por que a linguagem política à esquerda é muito pouco eficaz para exprimir o que se passa nos dias de hoje é que ela substituiu um elemento de indignação que é moral por um discurso político que é restritivo."
Revolta moral - "O tipo de desafios que se coloca hoje, em que muita gente é maltratada, muita gente está a ser conduzida à miséria por incompetência, ignorância e por experimentalismo social, exige uma revolta moral que está muito para além da esquerda e da direita."

sábado, 10 de novembro de 2007

Pacheco Pereira e o Museu Salazar

No Público de hoje, José Pacheco Pereira escreve "Uma história de dois museus", tomando como objecto o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, e o pensado e controverso Museu Salazar, em Santa Comba Dão. Eis o final da reflexão de Pacheco Pereira: "O Museu Salazar desejado em Santa Comba Dão é uma má política de valorização da autarquia, que ganhava muito mais em preservar esses bens e a casa de Salazar e tentar integrá-los num tratamento histórico e científico distanciado. Ou será que a autarquia se pensa a si própria no "espírito" de pobreza do seu homenageado? Quererá o mesmo país pobre e rural, atrasado e limpinho, com altas taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil e toneladas de ouro no Banco de Portugal, que Salazar preferia aos riscos da revolução social que significava a industrialização e o "progresso"? Seguirá o senhor presidente da câmara o exemplo austero de Salazar e porá uma mantinha nos seus joelhos e dos vereadores para poupar à autarquia umas despesas suplementares desnecessárias? Que mal tem a mantinha se o dinheiro poupado dá para um fontanário? Se Santa Comba Dão se pretende valorizar como terra de futuro pelo culto de Salazar, dá de si uma péssima imagem, como daria a sua congénere de Vila Franca de Xira se se ficasse pela nostalgia dos meninos dos esteiros e dos trolhas de Pomar. Pensem nisso."
[foto: casa de Salazar em Vimieiro (Santa Comba Dão)]