O Papa Francisco esteve cá igual
a si próprio. Como peregrino, como chefe de uma Igreja com crises e que ele
quer tornar mais afirmativa e mais autêntica, como inspirador de um optimismo
que todos podemos construir, como desafio para a fé e para o papel de cada um
como cidadão, como cristão e como católico.
Tenho uma enorme e profunda
admiração pelo Papa Francisco por muitas razões. Por ser diferente, por ser
autêntico, por ser um desafio contínuo, por nos levar a pensar com uma
linguagem que nos é próxima, pelo seu passado, por ser jesuíta e pelo nome que
adoptou - poderia ser o de Francisco Xavier, patrono da Companhia de Jesus (ordem religiosa de que é proveniente), mas
foi o de Francisco de Assis, patrono dos Franciscanos e exemplo maior da
ecologia humana.
Nesta vinda do Papa Francisco a
Portugal, senti a tristeza por muitos amigos meus das redes sociais o tratarem
como trataram. Lamento que a tolerância seja apenas um verbo de encher para
quando estão de acordo connosco. O respeito pela fé e pelas crenças do outro deveria
ser uma máxima, uma orientação de vida. E não é. Vi cenas caricatas e pungentes,
recortes de um humor “baixo” e perguntas de jornalistas absolutamente
ridículas, como se estivessem a transmitir a reportagem de um qualquer circo,
como se a vida fosse ela mesma um espectáculo. Tudo isto nos deve ficar na
fronteira do “para lá”, se é que queremos dar testemunho, se é que acreditamos
que a fé nos marca e define, se é que queremos que a coerência seja a nossa
marca. Mesmo porque o que se pôde ver foi a vivência da fé.
Quando, na sexta-feira, vi a
primeira página do jornal “O Setubalense” com a imagem do Papa, logo pensei que
os jornalistas teriam aproveitado um acontecimento nacional para o interpretar
ao nível regional e local. Não; a questão era a da tolerância dada pelo Governo
e não era a simbologia, a crença, a fé, a opinião e o desafio sentido por
setubalenses com a vinda do Papa ao nosso país. Uma questão absolutamente lateral, ainda que podendo ser discutida. Uma oportunidade de reflexão e de testemunho (de que bem precisa a nossa sociedade) desperdiçada!
Ainda hoje li no “Público” o
depoimento de um autor insuspeito - José Pacheco Pereira. E vale a pena
seguirmos as suas palavras: “O Papa fez
bem o seu papel de ‘bom Pastor’. Apelou aos cristãos para não deixarem sozinhos
os deserdados da história, os que vivem na periferia do mundo, os pobres, os
deficientes, os presos, os perseguidos. Isto é uma das coisas que este Papa faz
melhor porque é genuíno nesse apelo e coloca a Igreja no lugar certo
do seu papel no mundo. Ele não acha, como
alguns dos seus fiéis, que a pobreza seja um ‘efeito colateral’, justificado
por um hipotético e salvífico modelo
de desenvolvimento, que ele, certamente, entende ser cruel. Na mesma
altura em que ele estava
a falar em
Fátima, um Presidente americano, discursando num colégio evangélico, apelou
aos jovens recém-formados
para lutarem pelo sucesso
e perguntou-lhes quantos quereriam ser
Presidentes como ele, para levantarem a mão. Não
é ocasional, são de facto dois mundos e entre ambos eu prefiro o do Papa
Francisco.”
E, já agora, para que dúvidas não existam, leia-se a intervenção que
Francisco fez em Fátima ontem, disponível aqui. O desafio é tão forte que, no
regresso a Itália, em conversa com os jornalistas difundida pela imprensa,
disse apelar aos sacerdotes “para não serem clericais”, pois essa atitude “é
uma peste na Igreja”. Incomparavelmente mais corajoso do que aqueles que, a
pretexto de não serem crentes, o ridicularizaram!
Mantenho a forma como comecei: o Papa Francisco
esteve cá igual a si próprio. Com a honra da sua palavra, da sua convicção,
mostrando que a fé é também o que o move. Obrigado, Papa Francisco!