quinta-feira, 31 de março de 2011

Da contundência e da vitimização

Segundo António Barreto, o momento actual do país “corresponde à ideia do primeiro-ministro de provocar uma crise na qual ele possa, eventualmente, passar por vítima”. Há dias, na televisão, um político socialista dizia que era necessário deixarmos o discurso de agressividade que tem dominado a política. Não foi exactamente por estas palavras, mas a ideia era esta…
Não sei se agora há mais gente desmotivada com a política do que há uns anos atrás. Provavelmente haverá… Mas, por incrível que pareça, esse problema – porque é um problema – não parece preocupar os nossos políticos. Afinal, até é mais fácil ganhar eleições com elevado abstencionismo!...
José Sócrates não foge ao figurino que criou de si mesmo: o discurso contundente contra tudo e contra todos, por um lado, sempre dizendo que ninguém lhe dá lições, e a vitimização, depois. Desde há umas semanas, tem-se andado a tentar dar uma imagem do primeiro-ministro como homem que esteve à espera e disponível para outras soluções apresentadas pela oposição, um homem de consensos, afinal. E só podemos sorrir… talvez tenha sido assim, mas chegou tarde.
Provavelmente, a solução não passa por estas caras de que todos vamos andando fartos. Mas deverá passar por um governo que se empenhe com o país, que tenha representações alargadas, sem que haja maioria absoluta de um único partido. É difícil? É, mas a política não vive de coisas fáceis e quem a ela se dedica tem obrigação de saber isso. É fácil governar com maioria absoluta de um só partido; mais difícil é encontrar soluções e tomar decisões quando o poder tem de ser partilhado.
Escusávamos de ter chegado aqui. Mas o cansaço motivado por uns e a sede de poder de outros atirou-nos para esta eira. Lamentavelmente!

quarta-feira, 30 de março de 2011

Apresentação do "Diário" de Sebastião da Gama


A apresentação pública da nova edição do Diário, de Sebastião da Gama, ocorreu no sábado, 26 de Março, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal. Se quiser ver registos desses momentos, venha por aqui.

domingo, 27 de março de 2011

Memória: Ireneu Cruz (1937-2011)

Conheci Ireneu Cruz como médico, como amigo e como escritor estudioso e meticuloso. Sempre me comoveu a sua curiosidade pela História e o seu fascínio por D. João II, as narrativas de sabor histórico, o estudo dos casos clínicos de personalidades da literatura, o apego à bibliografia setubalenses que se relacionasse com o mar.
Desde Agosto que estava acamado em hospital. Na manhã de hoje, a Teresa, esposa de Ireneu Cruz e minha ex-colega na escola, telefonou-me a noticiar o desfecho desta narrativa que ele não pôde contar.
Da sua obra, redigida a par do exercício da medicina na área da gastrenterologia (tendo exercido funções no meio hospitalar na África do Sul, em Luanda, em Lisboa e em Setúbal), ficam títulos como O Caso Clínico de Eça de Queirós – Considerações de um Gastrenterologista (2004, que teve prefácio de Campos Matos na segunda edição, em 2006), Hemingway – O seu último legado (2005), Narração da Tormentosa Viagem dos Desterrados nos Mares da Índia (2006), O Ano de 1492 – o da Verdadeira Primeira Viagem (2007) e A crise dos Bragança – Considerações a propósito do reinado de D. Luís (2010, em coautoria com José Manuel Moreira e a cujo lançamento, em Outubro, Ireneu Cruz já não assistiu por estar hospitalizado). Paralelamente, foi publicando diversos artigos em revistas e, relativamente a Setúbal, foi doador à Câmara Municipal de um acervo constituído por cerca de 120 peças constituindo a exposição “Instrumentos de Ciência Náutica”, patente ao público na Casa do Corpo Santo e que teve catálogo com texto de sua autoria em 2004.
Pelo envolvimento que teve com a cidade e pela obra que desenvolveu, bem merece Ireneu Cruz ser perpetuado na memória sadina.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Convite

Luciano dos Santos, 100 anos

Luciano dos Santos - fresco no átrio da Escola Secundária Sebastião da Gama, em Setúbal (1955)

Em 25 de Março de 1911, nascia na freguesia de S. Sebastião, em Setúbal, Luciano dos Santos, que, em Agosto de 1929, faria a sua primeira exposição de pintura no setubalense Cine-Teatro Luísa Todi, início de um trajecto importante no domínio das belas-artes, em que não faltaram também diversos prémios atribuídos. Faleceu em Dezembro de 2006.
Em Setúbal são conhecidos várias das suas obras, como: medalhão “Centenário de Luísa Todi”, em bronze, na fachada da casa em que terá nascido a cantora lírica sadina (1953); fresco no átrio da actual Escola Secundária Sebastião da Gama (1955); tríptico dos setubalenses ilustres, na Câmara Municipal de Setúbal (1957); painel cerâmico (baixo relevo policromado) na entrada do Mercado Nossa Senhora da Conceição (1959); painel cerâmico (baixo relevo policromado) do Hotel Esperança (1964).

terça-feira, 22 de março de 2011

Memória: Artur Agostinho (1920-2011)

Artur Agostinho, o homem da rádio que atravessou gerações e também foi escritor, deixou-nos hoje. Habituei-me a ouvi-lo desde muito cedo e sempre me impressionou o seu saber estar, a sua conversa, o seu dizer. Depois, vi que, também por estas razões, mereceu a admiração de Sebastião da Gama, conforme um registo que entra no Diário com a data de 14 de Janeiro de 1949. Nesse dia, ao falar com os alunos sobre a leitura, destacou várias condições e assinalou as qualidades de comunicador de Artur Agostinho na rádio nos seguintes termos:
«Conveniências de ler bem. (Para que nos oiçam; para que nos compreendam; para que se convençam. — Quem é que vai perder tempo a ouvir, na rádio, alguém que diz coisas estupendas numa leitura péssima? Mas todos ouvem com gosto o Artur Agostinho... — Quem é que compreende o que eu digo, se o que eu digo é incompreensível por incolor ou baço, apesar de significar claridade? — A quem comunicarei o meu entusiasmo se não falar entusiasmado, a minha tristeza se parecer que estou alegre, a minha necessidade de chegar depressa se der a mostrar que tenho muito tempo? »
Jornalista desportivo, Artur Agostinho desde cedo se dedicou ao jornalismo radiofónico, tendo trabalhado na Emissora Nacional a partir de 1945. Passou também por vários programas televisivos de entretenimento e participou em alguns filmes. É autor de Até na prisão fui roubado (1976), Português sem Portugal (1977), Ficheiros indiscretos: memórias (2002), Ninguém morre duas vezes (2007) e Flash-back - Uma história da vida real (2011).

terça-feira, 15 de março de 2011

Mais indignação

Já há muito tempo que não falávamos. Nessa vez já distante, amargurado pelo sistema em que estava, confessava-me a sua indignação com a estrutura de ensino superior em que trabalhava, porque o andavam a pressionar para atribuir notas mais altas e para moderar a sua exigência. Chocava-o o facto de naquele nível de ensino os estudantes não terem preocupação de estudar e pretenderem apenas ter notas, boas notas, mesmo porque aquela disciplina não lhes era fundamental para a licenciatura e, portanto, não havia razão para que o professor não lhes "desse" boas notas, só boas notas. Estava indignado, claro!
Agora, voltados a falar, soube que tinha abandonado o sistema. E acrescentava, ele que já foi também professor do ensino secundário empenhado, dado à escola e a projectos: "Não sei como se sente, meu caro, mas vejo que, cada vez mais, os professores não têm motivação para ir além do cumprimento do necessário e estipulado... Esqueçam o ensino como projecto, como tarefa magna de civismo e de educação, de trabalho pedagógico e de preocupação social..." Largou mais umas farpas acutilantes sobre a forma como toda a sociedade tem vindo a sentir-se e estranhou: "Como é possível ainda haver quem queira ser professor?"
Percebi o que o movia. Entendi o retrato e o desabafo. Senti a tristeza de ouvir um amigo que colocara a educação, as humanidades e a participação cívica acima de tudo e, agora, anos passados, albergava o desencanto e a descrença. E o pior é que estas têm sido atitudes que vivem cada vez menos isoladas! E tudo isto dói...

domingo, 13 de março de 2011

Indignação

Há dias, uns jovens interromperam um discurso do Primeiro-Ministro Sócrates com megafones e sloganes contra a precariedade. Depois, sabe-se o que aconteceu. E o Primeiro-Ministro comentou que, em nome da tolerância e como era Carnaval, ninguém levava a mal.
O que saltou logo à vista foi a existência de dois mundos diferentes: um, aquele que tem sido apregoado; outro, aquele em que se vive duramente.
Em nome da mesma contestação dos jovens de há dias, na tarde de ontem, cerca de 280 mil saíram para as ruas para mostrar a vida dura e sem perspectivas. O Carnaval já não pode ser desculpa… e a indignação, o cansaço, a descrença... são grandes!
[foto retirada do Público em linha]

domingo, 6 de março de 2011

O número 100 da revista "Ler"

Já está nas bancas o número 100 da revista Ler (da Fundação Círculo de Leitores) correspondendo à sua 101ª edição, uma vez que da colecção faz parte o número 0 (zero), saído no Outono / Inverno de 1987, com a indicação “fora do mercado” (o número 1 corresponderia ao Inverno de 1988, já ao preço de 300$00, algo como 1,50 €).
Em torno do número 100 andam as recolhas que esta edição apresenta: “100 capas”, “100 imagens de páginas”, “100 livros”, “100 figuras”, “100 ideias para o futuro” e “100 citações”, antologias a partir das colaborações e das entradas na revista ao longo da sua história. Depois, vários dos seus cronistas dissertam sobre essa simbologia do centésimo número ou sobre o que foram as 100 saídas da publicação, com destaque para o nome que é colaborador desta revista desde o seu número zero: José Guardado Moreira.
Por falar no número zero, dirigido por António Mega Ferreira, algumas ligações a Setúbal eram nele evidentes: o grafismo era devido ao setubalense José Teófilo Duarte; era anunciada a obra Março Desavindo, de Mário Ventura (nome ligado a Setúbal e à criação do Festróia).
E, neste número 100, dirigido por Francisco José Viegas, também passam diversos nomes que cruzaram a sua história com a região de Setúbal, a saber: nas “100 figuras”, Manuel da Fonseca (de Santiago do Cacém), Pedro Tamen (a viver nas terras de Palmela), Al Berto (de Sines), António Osório (ligado a Azeitão), Luiz Pacheco (que por Setúbal peregrinou), Fernando Campos (que incluiu a Arrábida no seu romance histórico); na rubrica “100 citações”, uma reflexão de António Osório sobre a palavra – “Mas eu entendo que as palavras precisam de ser limpas do sarro que as envolve. Do sarro, do lixo comum. E assim as palavras podem purificar-nos.”
O leitor confronta-se também com uma entrevista a George Steiner conduzida por Beata Cieszynska e José Eduardo Franco. O ensino, o papel necessário das Humanidades, a supremacia da economia ou a corporação multinacional, a crise europeia, a história, a necessidade de ler, as redes sociais e a cultura portuguesa são temas por que passa este académico de Cambridge. Conhece bem Fernando Pessoa, José Saramago, António Lobo Antunes e gostaria de conhecer Camões – “Precisamos de Camões – falta à nossa cultura europeia o conhecimento do génio de Camões”, diz. E, já agora, mais uma achega, que é um bonito elogio à leitura: “Eu sou muito velho, mas tento, todos os dias, ou quase todos, aprender um poema, ou fragmentos de um poema, de cor, porque é assim que se agradece uma bela obra. Que outra maneira tenho eu de agradecer a Dante, a Cervantes, a Lope de Veja ou a Shakespeare?”
Com estes nomes grandes da literatura se cruza ainda o texto assinado por Harold Bloom, “O cânone do génio”, justificação de uma obra, Genius, cuja tradução para língua portuguesa é anunciada para este ano. A problemática em torno daquilo que define um génio é o eixo deste ensaio: a sua vitalidade, a sua sabedoria, o facto de alimentarem civilizações, a sua indispensabilidade. O texto termina com um aviso para os tempos em que somos protagonistas: “Não podemos enfrentar o século XXI sem esperar que ele nos traga um Stravisnki ou um Louis Armstrong, um Picasso ou um Matisse, um Proust ou um James Joyce. Desejar um Dante ou um Shakespeare, um J. S. Bach ou um Mozart, um Miguel Ângelo ou um Leonardo é pedir demais, uma vez que os talentos de tal magnitude são muito raros. Contudo, desejamos, necessitamos de algo que esteja acima do século XXI, seja lá o que for.”
A Ler tem sido assim: múltipla, surpreendente, englobando no seu recheio escritores, cientistas, pensadores, livreiros, leitores, livros, escritas e muito mais. Um acervo de tal forma importante que bem se justificaria a publicação de um índice, tal como é justificada a curiosidade perante cada número que sai para as bancas.
Concluo como Guardado Moreira no final da sua crónica evocativa que entra neste número 100: “e agora, pouco dado a nostalgias, aguardo”, lendo, “a próxima chegada do nº 200”!