Mostrar mensagens com a etiqueta Salgueiro Maia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Salgueiro Maia. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Abril, cravos e poesia (1)



São cem poemas (tantos assinados por homens como por mulheres) que celebram o cinquentenário do 25 de Abril. São cem vozes que cantam as marcas de um mês que ficou como o “lugar onde a imaginação se fez maior que o medo”, como o definiu Conceição Brandão. São Cravos, diz o título desta antologia, coordenada por um também poeta, Luís Aguiar (editora Labirinto, 2024), que apenas apresenta poesia, sem introduções ou apresentações, porque cada poema justifica o ideário (ou o imaginário) de um Abril que se deseja sempre novo, apesar de cinquentenário.

Muitos são os versos que falam do cravo e da sua magia, assim conferindo poder ao título do livro, um quase vaso de poemas, metáfora apoiada nos dizeres de Alberto Pereira, o autor que abre a antologia, quando afirma que, naquele dia, se “transformaram espingardas em vasos”, imagem intensa porque “nunca se esquecem armas que declamam pétalas”.

Abril surge, assim, como o canto da esperança e da força da poesia, arte que permite o dizer mais intenso e absoluto, fortalecendo a palavra, dando asas à liberdade, uma certeza que Ana Maria Puga assinalou ao dizer que aquela manhã “logo fez cantar ruas e casas” e que o soneto de Maria Teresa Dias Furtado enalteceu como momento de suma importância histórica ao estabelecer: “A terra abriu-se de repente / Separou o passado do presente”.

Inevitavelmente, um símbolo de Abril como Salgueiro Maia não podia estar ausente deste universo, pelo carisma que alcançou e pelo que a memória dele fez — Isabel Cristina Mateus salvaguarda a imagem do capitão como “memória de Abril”; José Viale Moutinho constrói-lhe um busto de palavras ao defini-lo como “um capitão de bravura, que cultivava cravos vermelhos e sonhos, apeou os sacerdotes do medo e da maldade”; Nuno Sousa celebra-o como detentor de “genuinidade humilde de herói sem lugar / de deus sem altar”; Paula Banazol de Carvalho faz do poema um agradecimento à figura que trouxe “a liberdade em poemas de futuro”.

As palavras de esperança realçam também, por vezes, a soturnidade do passado, lembrando ora a guerra (António Salvado, num poema de 1974, ou Letícia da Mota), ora a prisão interiormente rejeitada pela crença num futuro melhor (Eugénia Soares Lopes) ou o medo militarizado e policiado (Miguel Marques), ora o esforço de anteriores gerações para que o futuro acontecesse (Daniel Gonçalves conclui o seu poema com o reconhecimento: “Mas se te mereço, Abril, / Por pouco que seja / É porque o meu pai / por ti lutou”), ora a força trazida pelos baladeiros e pelos poetas “que do mundo ergueram Verbo e voz clara e justa” (Marília Miranda Lopes).

Contudo, por alguns textos perpassa também uma certa reserva quanto ao cumprimento da esperança que Abril fez despontar — Carlos Nuno Granja denuncia com dose irónica: “Claro que animamos a malta com os foguetes da festa, / enquanto continua por cumprir a revolução, a sua plenitude”; Fernando Cabrita, nos passos de Paul Éluard (que, aliás, também é trazido por Yvette K. Centeno), afirma ser “preciso de novo escrever o teu nome / Liberdade / nas paredes que pensávamos esquecidas”; Isabel Cristina Pires lembra que “o futuro se enroscou”, enquanto “a espiral dos cravos / rodopiou no país, cada vez mais lentamente”; Teresa Tudela, em versos curtos, verbaliza a angústia de um Abril a acontecer: “Abril é já ali / ao virar da esquina / e não é ainda / (...) / Abril foi ontem / era outra coisa / era alegria”. Pela voz de João Pedro Mésseder, no entanto, há o esforço da conciliação, da urgência e do reforço de Abril: “Que em Abril, em todo o Abril / a vida em multidão venha para a rua. / (...) / Mas não me venhas falar de liberdade, / não me venhas falar de paz, democracia / se de justiça social me não falares, / pois sem ela tudo o resto é letra morta.”

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1502, 2025-04-02, pg. 10.


domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril: Portugal como "razão de esperança", diz Presidente da República

Do discurso do Presidente da República Cavaco Silva, pronunciado na Assembleia da República hoje:
SALGUEIRO MAIA – “(…) Como o retratou Sophia de Mello Breyner, Salgueiro Maia foi 'aquele que deu tudo e não pediu a paga'. Um exemplo notável para muitos Portugueses dos nossos dias, que tantas vezes cedem às seduções vazias e efémeras da sociedade de consumo e outras tantas vezes medem o valor dos homens pelo dinheiro ou pelos bens que ostentam. (…)”
36 ANOS SOBRE O 25 DE ABRIL – “(…) Neste dia, devemos ter presente um facto muito singelo: em 2010 completam 36 anos aqueles que nasceram em 1974. São mais de três milhões os Portugueses que não possuem qualquer recordação do que foi o 25 de Abril de 1974 porque, pura e simplesmente, não tinham nascido na altura. Vêem a democracia como um dado adquirido. (…)”
MEMÓRIA – “(…) Temos, pois, um dever de memória para com aqueles que nasceram já depois de 1974. Devemos ensinar-lhes o que custou conquistar a liberdade e que a defesa da liberdade deve ser um princípio de acção para os agentes políticos e para todos os cidadãos. (…)”
DESIGUALDADES - “(…) A sociedade portuguesa é hoje mais justa do que aquela que existia há 36 anos. No entanto, persistem desigualdades sociais e, sobretudo, situações de pobreza e de exclusão que são indignas da memória dos que fizeram a revolução de Abril. A sensação de injustiça é tanto maior quanto, ao lado de situações de privação e de grandes dificuldades, deparamos quase todos os dias com casos de riqueza imerecida que nos chocam. Na minha mensagem, no primeiro dia do ano de 2008, disse: “sem pôr em causa o princípio da valorização do mérito e da necessidade de captar os melhores talentos, interrogo-me sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”. Embora este meu alerta não tenha então sido bem acolhido por alguns, não me surpreende que agora sejam muitos os que se mostram indignados face aos salários, compensações e prémios que, segundo a comunicação social, são concedidos a gestores de empresas que beneficiam de situações vantajosas no mercado interno. (…)”
DÚVIDAS – “(…) Deixámos o império, abraçámos a democracia, escolhemos a Europa, alcançámos a moeda única, o Euro. Mas duvidamos de nós próprios. Os Portugueses perguntam-se todos os dias: para onde é que estão a conduzir o País? Em nome de quê se fazem todos estes sacrifícios? (…)”
PERIFERIA – “(…) No mundo actual, a periferia está onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade, em suma, a periferia está onde mora o atraso competitivo. (…)”
MAR – “(…) Que justificação pode existir para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa? (…) Temos de repensar a nossa relação com o mar. Repensar o modo como exploramos as oportunidades que ele nos oferece. Importa afirmar a ideia de que o mar é um activo económico maior do nosso futuro. Setenta por cento da riqueza gerada no Mundo transita por mar. Devemos pois apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos. Mas também no desenvolvimento de fontes marinhas de energia, de equipamentos para a exploração subaquática de alta tecnologia, de produtos vivos do mar para a biotecnologia ou das indústrias de equipamento, de reparação e de construção navais. Temos de incentivar a prospecção e exploração da nossa plataforma continental, cujo projecto de levantamento se encontra em apreciação nas Nações Unidas. (…) É essencial que criemos condições e incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam economicamente Portugal ao mar. (…) Sem querer transmitir a ideia de que o mar é a panaceia para todos os nossos problemas, entendo que o mar deve tornar-se uma verdadeira prioridade da política nacional. (…)”
PORTO, OUTRO PÓLO – “(…) Além da capital do País, o Porto é uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas, ligadas às artes plásticas, à moda, à publicidade, ao design, ao cinema, ao teatro, à música e à dança, mas também à informática, à comunicação e ao digital. Não é de hoje a vitalidade cultural portuense, como não é de hoje a capacidade empreendedora das gentes do Norte. O Porto sempre se orgulhou da sua vida intelectual e esse orgulho é legítimo: das letras às artes plásticas, passando pela arquitectura, aí existe muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas. Uma aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade já demonstrada pela sociedade civil relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação. Aí existe um tecido humano feito de gente activa e dinâmica, um espírito de inovação e de risco, um culto do que é novo e diferente. Há capital humano de excelência, há estabelecimentos de ensino e equipamentos de qualidade. Só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política. (…)”
ASSUMIR O PAÍS, ACREDITAR – “(…) É nosso o País. Temos florestas e temos o mar. Temos jovens talentosos que aqui querem viver. Temos cidades e regiões à espera de se afirmarem. É desta matéria-prima que se fazem os sonhos. No dia de hoje, celebramos a esperança dos que acreditaram, sobretudo em si próprios. Sem ilusões nem falsas utopias, devemos acreditar porque temos razões para isso. Há uma razão, acima de todas. Motivo de ser como somos, ela é a nossa maior razão de esperança. Connosco a temos, há muitos séculos, com ela vivemos desde que nascemos. Essa razão de esperança tem um nome: chama-se Portugal.”