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sexta-feira, 30 de abril de 2021

Diogo Ferreira: histórias de São Sebastião (Setúbal)


A história local é engrandecida pela proximidade, levando a forma muito própria de sentir a identidade. Essa marca tem o livro Breve História da Freguesia de São Sebastião, de Diogo Ferreira, editado pela respectiva Junta de Freguesia, procura do que já foi escrito sobre a freguesia e demanda nos arquivos e levantamento exaustivo do que pode ser marca histórica neste território. A freguesia mostra-se desde quando era arrabalde até à integração na área urbana e desde a origem rural à industrialização, processos lentos de transformação do território.

Causas dessa demora podem ser encontradas nos terrenos da freguesia inicialmente virados para o mundo rural e também na dificuldade de acessos de então. Mas terá havido outras razões importantes, como o pesadelo do terramoto de 1755 em termos de destruição na então paróquia ou os interesses que dominavam a sociedade - no relato de 1758, o pároco de São Sebastião, Manuel Pereira de Carvalho, apresentava a paróquia também dominada pelos fidalgos que ali tinham as suas segundas residências para evitarem grandes gastos na Corte, deles dizendo: “oxalá não houvera nenhum, porque semelhantes fidalgos nas terras fora da Corte se fazem régulos e absolutos intrometendo-se nos governos políticos, militares e, o que é mais, no espiritual, como a experiência assaz o tem demonstrado.” O prior de São Sebastião lá saberia a quem se queria referir, mas elucida quanto às influências e à construção social nesse século XVIII...

O leitor passa pelos bairros tradicionais que têm definido a freguesia desde a viragem do século XIX para o século XX, pelo seu património histórico-arquitectónico, cada uma das peças podendo contar uma ou muitas histórias, reais ou lendárias - afinal, é da freguesia de São Sebastião o mais antigo monumento da cidade de Setúbal, o geomonumento da Pedra Furada, com 2 a 4 milhões de anos, desde sempre ligado a histórias populares... Além desse monumento, sem intervenção humana, Diogo Ferreira menciona mais de meia centena de pontos de interesse histórico da freguesia, desde os seus mais antigos limites, num calendário entre o século XIV (portal da gafaria) e a contemporaneidade (Jardim Multissensorial das Energias, de 2018).

Sendo o elemento humano o mais importante na colectividade, também neste livro vivem espaços e tempos sociais como as festas, as feiras e os mercados (uma dezena de referências), as colectividades das mais diversas finalidades (mais de três dezenas e meia) e as pessoas, em curtas biografias de três dezenas de nomes ligados à freguesia, todos com histórias singulares, nas mais diversas áreas (política, comércio, cultura, desporto, trabalho), numa cronologia iniciada com Tomás António dos Santos e Silva (1751) e concluída com Vítor Baptista (1948). A memória passa ainda pelos dois fregueses de São Sebastião caídos na Primeira Grande Guerra e pelos dez que pereceram na Guerra Colonial. A obra conclui com um quadro cronológico da história da freguesia e com a listagem dos presidentes da Junta de Freguesia e respectivos mandatos, rol que fica cerceado em alguns pontos pois não foram encontrados documentos para diversas épocas.

As histórias ligadas à freguesia de São Sebastião têm andado dispersas, devido às diversas áreas que nela se cruzam com a história de Setúbal - as indústrias conserveira e naval, a actividade piscatória e portuária e os bairros têm sido campos de investigação de merecidos bons tratamentos descritivos e historiográficos. Diogo Ferreira reúne muitos outros pontos de que se pode partir para mais aprofundados estudos a propósito desta freguesia, que caminha para os seus 500 anos e é uma das mais antigas de Setúbal. 

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 610, 2021-04-28, p. 5


sexta-feira, 19 de junho de 2009

Bocage: uma história para jovens leitores

A colecção “Chamo-me…” (Lisboa: Didáctica Editora), destinada a leitores a partir dos 9 anos, apresenta biografias de personalidades célebres, contadas na primeira pessoa. Recentemente, surgiu o título Bocage, com texto de J. M. Castro Pinto e ilustrações de Jorge Miguel.
A vantagem deste livrinho (para o seu público) é a de contextualizar o tempo de Bocage, assim sendo contada outra história para lá da que relata a vida da personagem. No entanto, sendo Bocage de Setúbal, onde viveu a infância e parte da adolescência, natural seria que houvesse alguma contextualização alusiva ao sítio, o que não acontece. O que é caracterizado é o ambiente de Lisboa, restando para a pátria sadina do poeta uma escassa e lacónica apresentação que informa ter sido Setúbal “um próspero porto de pesca e também importante pela exportação de sal e fruta que produzia”. Por outro lado, para caracterizar o ambiente do tempo, também poderia haver uma alusão a Luísa Todi, figura sadina da época, adolescente à data em que Bocage nasceu. E, já agora, na referência à Nova Arcádia, tertúlia frequentada pelo poeta, sendo feita referência a vários dos seus componentes, também teria sido útil que fosse mencionado o nome de Tomás António Santos Silva, árcade (com o pseudónimo de Tomino Sadino) e amigo de Bocage, setubalense como ele.
O percurso biográfico de Bocage é escasso neste livro, sendo possível um pouco mais de informação (mesmo tendo em conta o público a que se destina) e sendo imperioso que o capítulo “Ditos e anedotas” não tivesse sido integrado na biografia como se as anedotas contadas tivessem real fundamento… apesar de, na última página, constar a informação de que “é preciso ter cuidado (…) porque atribuíram-se a Bocage muitas anedotas ou poemas de mau gosto”.

sábado, 13 de setembro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 85
Lápide – Há uns anos que era desconhecido o rumo que a lápide em memória do escritor setubalense Tomás António dos Santos Silva (1751-1816) tinha tomado. Com efeito, em 1909 (quase há 100 anos!), o jornal sadino “A Mocidade” procedeu a uma subscrição pública para a colocação da dita lápide na casa em que o poeta nascera, situada no largo que tem o seu nome, mas obras levadas a cabo em prédios desse largo foram o marco para o desaparecimento da lápide. Felizmente, o jornal “O Setubalense”, a propósito de um outro assunto, descobriu o estado e a localização da lápide para os seus leitores (3 de Setembro) – um morador da zona em que houve as ditas obras, vendo, na altura, a pedra no chão, agarrou-a e guardou-a de ir parar a uma qualquer lixeira de entulho. Agora, o morador mostrou-a ao jornal e lamentou que ela não tivesse sido reposta no sítio. Está-se a tempo para que tal suceda, bastando haver convergência de vontades. A reposição da lápide seria um bom serviço à memória por várias razões: por ser uma forma de lembrar uma figura importante de Setúbal; por ter resultado de uma subscrição pública, logo, da vontade de muitos setubalenses; por conter em si uma dupla memória – a do homenageado e a do grupo de cidadãos que há um século teve a iniciativa. Oxalá haja, pois, vontades congregadas e decisões rápidas na reposição de uma inscrição da memória colectiva! Em 1 de Março do próximo ano, vai fazer um século que o jornal “A Mocidade” lançou a ideia da lápide. Oxalá nessa altura já possa estar respeitado o desejo dos nossos antepassados e cumprida a vontade do morador de ver a pedra no seu sítio!
Condecorações – Numa reunião recente da Câmara Municipal de Setúbal, foram aprovados os nomes dos cidadãos e entidades a serem contempladas com a medalha de mérito municipal no próximo feriado, em 15 de Setembro. Até aqui, tudo pareceria normal, independentemente de se concordar ou não com os nomes propostos. O estranho surgiu do facto de, publicamente, os nomes apresentados terem sido escrutinados individualmente na mesma sessão, tendo o executivo chegado à conclusão de que três desses nomes deveriam ser retirados da lista de condecorações a haver. Toda a gente ficou a saber que, a par de uns quantos nomes que vão ser contemplados, houve uns tantos que foram rejeitados, tendo os mesmos sido divulgados e publicadas notícias a propósito. Qual é o direito que protege um cidadão de se ver publicamente rejeitado por uma coisa que não pediu? Até que ponto pode o nome das pessoas ser assim jogado, entre aprovações e recusas, na apreciação pública de um prémio a que não se candidataram? Injusta, muito injusta, esta exposição não requerida!
Ano lectivo – Aqui está o 2008/2009. Seria bom que este ano lectivo corresse sem atropelos e sem demagogias (sejam elas dos números, dos princípios, das práticas ou das decisões) em favor da aprendizagem dos alunos e de um ambiente pacífico nas escolas. Seria bom! É que… “para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas”, porque “a toda a hora temos de tocar em flores” e “a toda a hora a Poesia nos visita”. É que o sublime é ser o professor “a lição em pessoa – que é isso mais importante e mais eficaz que sermos o papel onde a lição está escrita”! Quem disse estas verdades foi Sebastião da Gama, bem conferidas pela prática que no seu “Diário” regista. A todos cabe conceder alguma atenção a estes princípios.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Mistérios que o tempo resolve: a lápide que lembrava Tomás António Santos Silva, em Setúbal

Em 28 de Fevereiro de 2001, o Jornal da Região (na sua edição de Setúbal e Palmela) publicou um texto meu sobre o poeta Santos Silva, que se iniciava da forma seguinte: «O nome de Tomás António dos Santos e Silva não dirá muito à maioria dos setubalenses, apesar de constar na toponímia da cidade. O jornal A Mocidade, de 1 de Março de 1909, disse ter sido este poeta cruelmente perseguido pela fatalidade e, se isso foi verdade em vida, não foi menos verdade depois da sua morte. Com efeito, a memória tem tido tendência para apagar o nome de Santos e Silva: por um lado, o largo que tem o seu nome e onde se localizava a casa em que nasceu é incaracterístico e de escassa circulação; por outro lado, a casa foi demolida há anos, surgindo no seu lugar um edifício de vários andares; a acrescer, houve ainda o facto de a lápide que estava no exterior da casa que foi berço do poeta ter sido removida com a demolição e não ter havido a iniciativa de assinalar a ligação do poeta ao dito arruamento; finalmente, a sua obra não está divulgada, tendo o poeta sido remetido para o rol dos esquecidos.»
O tempo desvenda-nos sempre alguns mistérios e a edição de O Setubalense de hoje mostra aos leitores o destino da dita lápide numa reportagem sobre alguns sem-abrigo que usam a divisão de um prédio renovado, na Rua Francisco José da Mota. Segundo o jornal, as obras de recuperação terão abrangido também o prédio traseiro, onde nasceu, em 1751, o poeta setubalense Tomás António dos Santos e Silva, amigo de Bocage. A lápide que existia nessa casa, alusiva ao poeta ali nascido, terá ficado abandonada no chão e um morador arrecadou-a e preservou-a, “devido ao seu significado histórico”. O mesmo morador lamenta ao jornal que a lápide “não tenha sido devidamente conservada e afixada na fachada da renovada casa”.
Pois ainda se está a tempo, assim haja conjugação de vontades! A memória desta terra agradeceria o gesto da reposição.
Aqui reproduzo a fotografia de O Setubalense com a lápide encontrada, cuja inscrição é a seguinte: "N'esta casa nasceu em 12 de Abril de 1751 o distincto Poeta Thomaz Antonio dos Santos Silva na Arcadia Thomino Sadino /A redacção de A Mocidade por subscripção publica mandou collocar esta lapide no anno de 1909".
Uma lápide pela memória, em 1919
Foi no seu número centenário, em 1 de Março de 1909, que o quinzenário sadino A Mocidade, em artigo sobre o poeta Santos e Silva, lançou o seguinte repto aos leitores e à população de Setúbal: "sendo hoje conhecida a casa onde este poeta nasceu, bom seria tratar-se da colocação de uma lápide comemorativa de tal facto, para que de futuro se não perca a indicação desta casa célebre".
A ideia teve logo adeptos e, ao longo de vários números, o jornal foi publicando listas de subscritores, informando, no número do início de Abril, que já obtivera de António João Guerreiro, proprietário da casa, autorização para a colocação da lápide. Tal manifestação aconteceu em 30 de Dezembro de 1909, tendo a lápide sido descerrada por José Maria da Rosa Albino, vereador representante da Câmara Municipal, com os seguintes dizeres: "Nesta casa nasceu em 12 de Abril de 1751 o distinto poeta Tomás António dos Santos e Silva - na Arcádia, Tomino Sadino. A redacção de 'A Mocidade' por subscrição pública mandou colocar esta lápide no ano de 1909".
O trabalho de cantaria foi da responsabilidade de João Gomes e a colocação da lápide deveu-se ao mestre de obras Francisco Augusto Martins, que ofereceu os trabalhos. Na subscrição, foi conseguida a verba de vinte mil e quinhentos réis, de que foram gastos dezoito mil réis para pagar a pedra e o trabalho de cantaria. Quanto aos dois mil e quinhentos réis sobrantes, por iniciativa do jornal, foram parar direitinhos "ao estimado poeta popular Sr. António Maria Eusébio, o Cantador de Setúbal", como referia a edição do jornal do dia 15 de Janeiro de 1910.
Tomás António Santos Silva:
notas para uma biografia
Em 12 de Abril de 1751, nasceu numa casa que se situava no Largo do Cemitério, mesmo em frente da porta do Cemitério da Misericórdia, o filho de Manuel António dos Santos e de Francisca Inácia. A criança recebeu o nome de Tomás António dos Santos e Silva.
A casa tinha, no princípio do século XIX, o nº 2 sobre a porta e o largo tem hoje o nome de Santos e Silva e apresenta uma configuração incaracterística, estando reduzido a dois becos, ambos a sair da Avenida Jaime Cortesão, com circulação restrita. Tendo a casa sido demolida, hoje pode ser vista através de postais que circulavam no início do século XX ou por meio de reproduções fotográficas.
Os pais de Santos e Silva eram pobres e a criança apresentava deficiências nos pés logo à nascença. A família cedo reparou que Tomás tinha inclinação para as letras e, graças à protecção do seu padrinho, o desembargador Tomás da Costa de Almeida Castelo Branco, o jovem estudou, tendo chegado a frequentar a Faculdade de Medicina coimbrã. No entanto, devido ao falecimento do seu protector, os estudos foram abandonados e o jovem dedicou-se à escrita, pois já versificava desde os 15 anos e dominava várias línguas. A marca do desgosto não o largou e a morte roubou-lhe a mulher com quem estava para casar.
Com cerca de 30 anos, vivia já em Lisboa, onde se dedicava à literatura dramática. Integrou a academia "Nova Arcádia", onde escolheu o nome de Tomino Sadino, numa evocação da sua terra, tal como o fizera Bocage, conterrâneo com o qual Santos Silva privou e de quem foi amigo. Com 45 anos, adveio-lhe a cegueira e passou a viver no Hospital de S.José, graças à protecção dos enfermeiros-mores D.Lourenço de Lencastre e D.Francisco de Almeida Melo e Castro. Porém, a administração seguinte retirou-lhe os privilégios e não lhe deu abrigo. Santos e Silva voltaria para o hospital, em 1814, já aniquilado pela doença, falecendo em 19 de Janeiro de 1816.
Depois de ter cegado, Santos e Silva não parou na escrita e socorreu-se de amanuenses que lhe preparavam os seus textos e com quem repartia o pouco que tinha. Num texto com cunho autobiográfico, que serve como introdução à sua epopeia Brasilíada ou Portugal Imune e Salvo (1815), Santos e Silva fez alusão às circunstâncias em que escrevia, considerando que muita gente não as supunha: "Nesta Casa [o Hospital], eu entrei totalmente cego, estropiado, em uma idade já provecta; e nela eu me conservo sem outro auxílio mais que o proveniente de meus tais ou quais escritos, de pouco ou nenhum momento em dias tão calamitosos, e a Caridade, que diariamente recebo, da qual me vejo comummente obrigado a repartir com os meus amanuenses, aproveitando-me dos primeiros que me aparecem, qualquer que seja o seu préstimo". Para Santos e Silva, a urgência era escrever e tal desejo e as suas possibilidades não eram compatíveis com grandes escolhas quanto aos amanuenses. Aliás, noutro passo do mesmo texto, referiu não ter possibilidades de grande revisão, publicando o poema a partir "do seu primeiro borrão".
Nessa mesma memória, Santos e Silva revela profundos conhecimentos sobre autores clássicos e sobre as mais recentes sumidades e sobre as características da epopeia, antecipando uma defesa quanto a eventuais críticas ao poema épico de uma dúzia de cantos que editava.
Os antecedentes do poema Brasilíada (que teve 314 subscritores, conforme lista apresentada no final do volume) são curiosos e reflectem o sentir do início do século XIX. Santos e Silva era admirador de Napoleão e, depois da batalha de Austerlitz (ocorrida em Dezembro de 1805), iniciara um poema em honra do corso, intitulado "Napolíada". Mas, em 1807, devido à primeira invasão francesa com Junot, Santos e Silva rasgou o poema e compôs Brasilíada com o objectivo de manifestar o seu "zelo e amor da Pátria".
Entre outras obras, Santos e Silva deixou Écloga de Tomino e Laura (1781), Estro de Tomás António dos Santos e Silva Cetobricense (1792), Por Ocasião do Sempre Deplorável Falecimento do Excelentíssimo Senhor D.Pedro Caro e Sureda (1806), Silveira (1809) e El-Rei D.Sebastião em África (póstumo, 1817). Um dos seus poemas mais conhecidos, com várias edições, é "Sepultura de Lésbia - Poema em 12 Prantos", em memória da noiva falecida.
João Reis Ribeiro. Histórias da região de Setúbal e Arrábida (vol. 1).
Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003, pp. 72-76.
[Fotos: Lápide na actualidade (trissemanário O Setubalense, de 03.Set.2008); Tomás António Santos Silva, por Luís Resende e F. T. de Almeida (1815); rostos de Poesias Originais e Traduções (1806) e de Brasilíada (1815)]