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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Matilde Rosa Araújo entre a verdade e a redenção (1)



Em 1943, surgia A Garrana, título de Matilde Rosa Araújo (1921-2010), primeiro prémio do concurso “Procura-se Novelista!”, organizado pelo “Século Ilustrado” e pelo Rádio Club Português, sob patrocínio do Grémio Nacional dos Editores e Livreiros. A história conta a vida solitária e desprezada de Garrana, mulher de um contrabandista, a quem retiraram os filhos depois de ter matado o marido, que, desesperado, quis morrer após ter levado um tiro na acção de contrabando a que se dedicava na zona raiana. Depois de cumprir a pena, voltou à aldeia, vivendo sozinha e ouvindo o insulto da criançada apelidando-a de “bruxa”, justamente a ela, que fora “a moça mais linda da terra”.

Matilde Rosa Araújo pensava na escrita jornalística para contar vidas, lá onde a narrativa literária e a reportagem se deixam contaminar. Com efeito, em 1946, concluía a tese de licenciatura em Letras sob o título A reportagem como género - Génese do jornalismo através do constante histórico-literário, trabalho que rompeu o horizonte de expectativas no meio jornalístico, como denotava o entusiasmo da primeira página do jornal República, em 28 de Julho de 1946, no seu longo título: “Caso raro - Pela primeira vez na nossa Faculdade de Letras se defende uma tese sobre reportagem e jornalismo e foi uma senhora que a defendeu, obtendo alta classificação”.

No ano seguinte, em 1947, Matilde publicaria Estrada sem nome (Portugália), conjunto de uma dezena de contos, em alguns deles retomando a vida da raia e do contrabando, em todos eles perpassando vidas difíceis resultantes de alterações das vidas das personagens.

O aparecimento de Estrada sem nome teve a necessária repercussão na imprensa, com Matilde Rosa Araújo a dizer o que entendia como sendo a missão da literatura. Foi no Século Ilustrado, de 19 de Abril de 1947, que o assunto veio à tona, naturalmente com referência ao tempo que se vivia, o pós-guerra, situação que passava por uma reaprendizagem do que era viver e para a qual a literatura deveria contribuir - “Neste rescaldo trágico da guerra, a literatura vai tomar o único rumo possível em arte: o da verdade! Verdade e redenção! E, para dar a verdade, não é preciso dizer: olhai! Basta estremecer com a brisa como a folha cansada.”

Na entrevista, Matilde avança com a sua (curta) experiência de escritora, assumindo-se como uma contadora de vidas: “O que me interessa é o lado fluido da vida no desejo intenso de a viver.” E, mais adiante: “Às vezes, vou na rua e uma vida toca-me como um chamamento. Passa um dia, depois esqueço. Mas outro dia vem em que a mesma vida fala dentro de mim e me faz contar.”

Logo após a conclusão da licenciatura, Matilde Rosa Araújo trabalhava já na organização de Estrada sem nome, que vinha a ser construído havia dois anos. Redacção de novos contos, publicação de alguns em revistas e hesitações na escolha de editor foram ocupando a jovem escritora de 25 anos.

Na Arrábida, Sebastião da Gama lia-a e aconselhava - foi ele um dos primeiros leitores dos contos deste livro, tal como percebemos em carta de 14 de Agosto de 1944 que Matilde escreve para a Arrábida - tinha acabado de publicar o conto “História de um cão”, o texto que abre Estrada sem nome, envia-o para Sebastião e pede: “Que acha? Seja sincero pois não há nada para nos ajudar a formar a nossa auto-opinião e formação como o juízo de pessoas literariamente conscientes. (...) Tenho mais novelas para publicar e não me esquecerei de si.”

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 648, 2021-06-23, p. 9.


sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Castelo do Neiva - A comunidade piscatória retratada por Abel Coentrão



Há reportagens que nos surpreendem pela positiva. Aliás, deviam sempre surpreender, pois a reportagem é o caminho entre o jornalismo e a literatura, assim ficando sempre o desejo de que uma reportagem seja uma obra de arte, mesmo se pequena...
Hoje, ao ler uma reportagem do Público, de imediato me veio o nome de Raul Brandão por causa da sua obra Os Pescadores (1923). Estou a referir-me à peça que Abel Coentrão assina no “P2” de hoje, entre as páginas 1 e 3, intitulada “Em Castelo do Neiva há um barco chamado Esperança”.
A delicadeza e o conhecimento com que o repórter entra na peça é inebriante e denota uma boa preparação e sensibilidade. Fala-se das pessoas, dos seus problemas, da pesca, do papel das entidades, dos receios, da vida, daqueles que olham o mar tentando adivinhar-lhe a emoção, oscilando o vocabulário ligado ao mar com o sentimento, a descrição e o discurso reproduzido. Fala-se de um modo de viver, acreditando na esperança, jogando metaforicamente com o nome da embarcação.
É lindo de ler este texto de Abel Coentrão. E assalta logo a vontade de ir até à Pedra Alta, ali em Castelo do Neiva, olhar o rio (Neiva, claro) e o Atlântico, correr a memórias da infância em que, da praia da Amorosa, íamos à do Castelo para ver o movimento dos barcos e dos pescadores.
Creio que Raul Brandão, na sua obra Os Pescadores, não fala de Castelo do Neiva (não posso agora confirmar), muito embora escreva sobre a costa norte entre Caminha e Póvoa de Varzim. Mas, se fosse possível, Brandão iria agora ao Castelo, mesmo que fosse apenas para ver se Coentrão não o teria lido...

domingo, 10 de novembro de 2013

Fernando Madrinha e o negócio do ensino (a propósito de uma reportagem da TVI)


A reportagem da TVI transmitida na semana passada, assinada por Ana Leal e por Gonçalo Prego, sobre o financiamento do Estado ao ensino particular não pode deixar ninguém indiferente. Absolutamente ninguém. Quer pelo que se fica a saber, quer pelas injustiças cometidas, quer pelas questões ideológicas subjacentes ao que está a acontecer, quer pela pobreza de argumentos de muitos dos envolvidos (dados assim como quem assobia para o lado), quer por todos nós, por este Portugal que é o meu país.
Fernando Madrinha, colunista do Expresso, na edição de ontem, acentuou a tónica da "promiscuidade". Vale a pena ler.


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Encontro com o Padre João Felgueiras




Há meia dúzia de meses, encontrei na net a referência ao livro Nossas memórias de vida em Timor, testemunho dos padres jesuítas João Felgueiras e José Alves Martins sobre a sua experiência dura e histórica naquele país (Apostolado da Oração, 2010 – 2ª ed.).
Era um reencontro com o padre Felgueiras (n. 1921, na zona de Guimarães), que conheci em Cernache, onde, em 1969/70, foi meu professor de Latim. Por pouco tempo, pois, ainda nesse ano lectivo, rumou para Timor.
Nunca mais nos cruzámos. Ficou-me sempre a saudade de um homem bom, extraordinariamente bom, atento, dedicado, sereno. Ao longo dos anos, várias vezes o recordei e me questionei sobre o que lhe poderia acontecer, mesmo tendo em conta o que se passava em Timor. O encontro com esse livro de memórias foi uma alegria, quer pelo reencontro, quer pelo facto de saber que o padre Felgueiras continua a espalhar imagem igual àquela que me deixou gravada.
Duas amigas minhas estão em Timor há pouco tempo. A ambas recomendei que conhecessem o padre Felgueiras e pedi-lhes que lhe dissessem desta admiração e afecto que mantenho por ele, apesar de saber que não se lembrará do jovem estudante impressionado porque éramos muitos e o tempo de convívio foi curto.
Hoje, a Cristina enviou-me uma mensagem a dizer que tinha conhecido João Felgueiras e a manifestar o seu deslumbramento. Simultaneamente, deu-me as coordenadas de uma reportagem disponível na net, produzida no ano passado, com realização de Carlos Narciso, intitulada “Padre João Felgueiras – Breve peregrinação”. São 21 minutos de testemunho, de encontro com o passado de Timor e com a liberdade, de lembrança e de lição de vida. Aqui fica o testemunho.