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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Memória: D. Manuel Martins (1927-2017)




Dos 90 anos de D. Manuel Martins se poderá dizer que integraram uma vida repleta, pelo menos no que a nós nos foi permitido observar. Mas foi sobretudo uma vida de compromisso e de dedicação, de boa e oportuna provocação e inquietação. Dir-se-á que não fez mais do que aquilo que devia. É verdade, mas os homens homenageiam-se porque fazem o que devem (e a isso se dão) e, por isso mesmo, devem ser lembrados como exemplo.
Partiu anteontem, desceu hoje à terra e as saudades do tempo em que o ouvíamos ou em que com ele pudemos privar são já muitas. Estou grato por o ter conhecido e por ter sido o “meu” bispo. Pelas histórias de que foi protagonista, sempre mostrando o lado bom e sempre questionando o nosso estar; pelas verdades que apregoou, comentou e ensinou; pelas tomadas de posição abertas, claras (recordo de imediato e de memória a entrevista em que, estando o caso de Timor ao rubro, dizia ao jornalista Armando Pires: “Se Timor morrer como povo, será por nossa culpa, por nossa tão grande culpa”); pela igreja que quis que a comunidade sadina fosse e pela universalidade por que sempre pugnou; pelos textos que escreveu, cheios de uma simplicidade transbordante e em torno de verdades fundamentais. E ainda, a título pessoal: pela confiança que demonstrou ao convidar-me para ser correspondente da Renascença para a vida da Igreja da diocese (cargo que desempenhei durante quase dois anos), pela amizade com que me distinguiu, pelas conversas (poucas) que tivemos, pelo incentivo ao trabalho em projectos em que me envolvi (foi insistente o entusiasmo de D. Manuel em acompanhar o que se ia fazendo a propósito de Sebastião da Gama). Tenho de terminar como comecei: estou-lhe grato pelo que com ele aprendi. Obrigado, D. Manuel Martins!

terça-feira, 29 de novembro de 2016

José António Cabrita - "Na Lonjura de Timor" apresentado ontem em Pinhal Novo



De Timor dizia o Livro de Leitura da 4ª Classe, com aprovação oficial e de seguimento universal, que era “a mais distante província portuguesa”, entrando por indicações curtas sobre a paisagem, a agricultura, o clima e as produções, tudo lavrado em meia página. Esta ideia da distância pretendia afirmar a extensão geográfica do que era o Portugal de então, bem para fora dos seus limites europeus da actualidade, passando por África e pela Ásia, uma distância que Camões, dirigindo-se ao rei, perifrasticamente registou como o tamanho de um “império” que “o Sol, logo em nascendo, vê primeiro”.
Estas duas dimensões, da distância e da poesia, afloraram logo que vi o título da obra de José António Cabrita que aqui nos traz hoje - Na Lonjura de Timor (Díli: Crocodilo Azul, 2016). Contudo, a ideia da “lonjura” como distância foi a que se impôs, ainda que eivada de travos de sonho, que foi o ingrediente que continuou a animar muitas das personagens que povoam este livro, independentemente das circunstâncias que as contornaram.
A distância, que pode ser medida por aquilo que há para percorrer, foi conveniente para as situações relatadas nesta obra - porque a lonjura é meio caminho andado para o afastamento e o esquecimento, porque a lonjura foi usada como castigo imposto por quaisquer deuses, muitas vezes ignorando-se o porquê da pena.
Do que trata o livro é-nos dito pelo seu autor logo na abertura - “Este texto é sobre certos acontecimentos passados na lonjura de Timor. É sobre uma parte dolorosa dessa maneira de ser e de fazer que, em sons lusos espalhados por esse mundo, se expressa. É sobre desterros de pessoas.” Umas frases adiante, alinha-se o método e confirma-se o assunto, dizendo-se que este livro é o conjunto de “umas tantas nótulas inacabadas, para certas cogitações sobre um tempo que foi de deportados em Timor, quando colónia portuguesa”.
“Nótulas”, diz o autor, usando um termo que vai repetir ao longo das duas centenas de páginas, como a lembrar ao leitor que se está perante um trabalho aberto, em curso. “Nótulas”, que vão dando conta de uma investigação, materializada em procura aturada, com recurso a jornais, escritos memorialísticos, estudos, arquivos, testemunhos orais e também conjecturas, numa tentativa de estabelecer caminhos e de resolver o jogo de descoberta e de lembrança de protagonistas que foram heróis das suas vidas e, em vários casos, referências para os outros.
E, quanto ao assunto, lá está a afirmação e a conveniência da distância - Timor como terra de deportados, lá bem longe, recolhendo aqueles a quem as ordens mandaram que saíssem do seu porto, do seu círculo de convivência e de vida, lá bem longe, em terra pouco conhecida e mesmo desamparada, fosse pelo desconhecimento dela, fosse pela distância.
Recua José António Cabrita até meados do século XIX, quando, em 1857, o governador de Timor Luís Augusto de Almeida Macedo enviou ao reino uma “relação dos degredados” que ali cumpriam sentença, pouco mais de uma dúzia, condenados com o argumento de serem ladrões ou vadios ou “resistentes a uma escolta”, de vários não se sabendo “a culpa que lhes fora imputada”. Eram estes homens provenientes maioritariamente de Portugal (uns condenados em Macau, outros em Goa), outros de Macau, um “africano”, um de Timor, sendo que de vários não consta a origem. O mesmo governador oficiaria ainda achando a “terra imprópria para degredados, uma vez que se mostravam muito fáceis os caminhos de fuga”.
Este mais recuado caso referido alimenta logo o estatuto colado ao deportado: alguém indesejado, alguém a ser proscrito da sociedade, alguém a quem não deve ser dada hipótese de regresso, um prisioneiro da distância e do isolamento, afinal.
Por Timor foram estando degredados militares, degredados de oposição ao poder e uma série de indesejados. Por lá passaram companheiros de Gungunhana, “índios ingleses” que se tinham revoltado contra o governo das Índias e outros revoltosos da Índia. Por Timor foram estando sobretudo opositores aos governos, pessoas que pensavam diferente - em 1896, uma lei da responsabilidade de João Franco estabelecia a deportação para as colónias para os “acusados de professar doutrinas de anarquismo conducentes à prática desses actos”.
E é por histórias da vida de algumas destas personagens que o livro de José António Cabrita se deixa levar. Ao mesmo tempo que o leitor vai tendo a noção dos exageros da decisão de deportação, vai-se também confrontando com as histórias de homens proibidos dentro de uma história maior que foi a da censura e do controlo das ideias, independentemente da cor do poder.
De alguns desses homens, pelo que significaram, este livro avança com percursos biográficos feitos palmo a palmo, muito numa prática de reconstituição assumida como difícil por falta de meios, seja por escassez de informações de pormenor, seja por desaparecimento ou destruição de arquivos, seja por desgaste da memória, ausências que dificultam o trabalho do investigador.
As biografias de deportação constantes nesta obra assentam em figuras que acabaram por ser emblemáticas pelo seu protagonismo, chegam recheadas de muitas outras pequenas histórias, numa “escrita de volteios”, como, quase no final, qualifica o investigador o seu trabalho. Mencionem-se então os casos: Antero Tavares de Carvalho, de Côja (Arganil), deportado para Timor em 1896 “por anarquismo”, que ascendeu a vários lugares da administração, tendo, quando findou o seu estatuto de deportado, chegado a presidente da Câmara de Luanda e, depois, a Governador-Geral interino de Angola (como nota de história local: um António Tavares de Carvalho, irmão deste Antero, exerceu as funções de tabelião em Lisboa, tendo sido, em 1909, aquele que certificou o testamento de José Maria dos Santos, homem bem ligado a Pinhal Novo); Joaquim António Pereira, conhecido como “Bela Kun”, de Sesimbra, várias vezes preso e acusado de envolvimento em atentado contra Ferreira do Amaral, comandante da polícia, e de ser “anarquista perigoso, comunista”, deportado para Guiné em 1925 e, dois anos depois, para Timor, onde viria a morrer em 1929; António Augusto Dias Antunes (que fora Governador da Província de Angola), Fernando Pais Teles de Utra Machado (que fora Governador de Angola e participara na Primeira Grande Guerra e fora Ministro das Colónias) e Helder Armando dos Santos Ribeiro (participante da Primeira Grande Guerra, ministro em diversas ocasiões e deputado), três militares acusados de envolvimento no movimento revolucionário de 26 de Agosto de 1931, deportados para Timor no início de Setembro; Manuel Viegas Carrascalão, de S. Brás de Alportel, tipógrafo, activista sindical, várias vezes preso, deportado em 1927, vindo a tornar-se numa figura influente do ponto de vista económico, social e político em Timor; Carlos Cal Brandão, advogado portuense, preso por se ter recusado a pagar multa aplicada por ter presidido a encontro das academias de três centros universitários, deportado em 1931 para Cabo Verde e, depois, para Timor, chegando a merecer prestígio mesmo entre adeptos do Governo e participando contra a invasão japonesa de 1945; Mário Lopes da Silva, são-tomense, opositor do regime, deportado em 1947, com residência fixada em Ataúro, depois de também ter sido expulso da Guiné, vindo a ser nome importante na economia timorense.
De todos os deportados, são estes oito que mais páginas enchem neste Na Lonjura de Timor. E o leitor vai sendo conduzido no desvendar dos passos destes protagonistas em avanço lento, cruzando histórias, em avanços e recuos, com olhares para o lado (por onde passam a política, as relações pessoais, a família, as tomadas de posição e intervenientes secundários). As biografias traçadas suscitam a curiosidade porque são um desfiar de histórias, numa reconstrução que o próprio investigador frequentes vezes assume como uma ousadia, afinal outra forma de dar conta das dificuldades sentidas no processo de investigação.
Por estas páginas vão correndo momentos da história de Timor também, particularmente quanto às formas de vida e a diversas etapas do seu desenvolvimento ou quanto à acção japonesa sobre Timor em 1945, tempo de sofrimento, opressão e destruição. Por estas páginas vai deslizando também uma corrente de afecto a Timor – o narrador (que o investigador também é) revela-se assiduamente, chamando a atenção ao leitor ou mostrando as suas dúvidas e descobertas, tornando-se presente num diálogo com o tempo e com a história, não escondendo uma verdade para si essencial, revelada a cerca de duas dezenas de páginas do final: a existência de “uma espécie de elo de ligação que é próprio do fascínio das coisas humanas, da construção e da reconstrução do espaço social onde essas coisas se realizam”.
Também podemos falar de ensinamentos colhidos nesta obra, como sejam: a reflexão sobre a efemeridade do poder, sobretudo se assente em questões de arbitrariedade; a reflexão sobre o poder em si próprio, não esquecendo a relação entre os pequenos poderes e o poder acima dos outros poderes; a reflexão sobre a responsabilidade da atribuição do castigo ou da pena, no caminho da separação de poderes e de competências (a política e a justiça não se podem corromper mutuamente); a reflexão sobre a liberdade de pensamento e sobre o contributo que a diversidade de convicções e de ideias pode prestar para o espaço e tempo comuns. Este é um livro que se aproxima também de um documento humano, mostrando a perfídia do rancor, muitas vezes disfarçada de poder, mostrando que os heróis rapidamente são transformados em vilões e vice-versa, mostrando o predomínio da vontade e a capacidade do ser humano em se adaptar e em ser agente de transformação.
Todas estas razões nos levam a considerar este Na Lonjura de Timor como um bom mergulho na memória, pondo a descoberto razões de fundo para uma tão percepcionada e tão presente imagem da distância em relação a Timor e dando a descobrir momentos de uma história que poderá ajudar a construir identidades e aproximações entre povos que têm vários elementos comuns, a começar nesta língua que, como disse um poeta que nunca foi a Timor, também é a nossa pátria.
(Na apresentação do livro, em Pinhal Novo, ontem,
data em que passaram 41 anos sobre a declaração de independência em Timor)

domingo, 27 de novembro de 2016

Para a agenda - Lições de Timor, por José António Cabrita



O José António Cabrita escreveu um livro muito interessante sobre os deportados em Timor no século XX, com um título que contém algo de poético, Na Lonjura de Timor. Amanhã é a apresentação da obra em Pinhal Novo, no Auditório Municipal, tarefa em que participarei a título de amigo do autor e como leitor. Para já... gostei do livro e da escrita. O suficiente para me comprometer. Estão convidados, porque o autor merece e porque precisamos - oh, se precisamos! - de saber estas (e outras) histórias sobre Timor. Para a agenda!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Encontro com o Padre João Felgueiras




Há meia dúzia de meses, encontrei na net a referência ao livro Nossas memórias de vida em Timor, testemunho dos padres jesuítas João Felgueiras e José Alves Martins sobre a sua experiência dura e histórica naquele país (Apostolado da Oração, 2010 – 2ª ed.).
Era um reencontro com o padre Felgueiras (n. 1921, na zona de Guimarães), que conheci em Cernache, onde, em 1969/70, foi meu professor de Latim. Por pouco tempo, pois, ainda nesse ano lectivo, rumou para Timor.
Nunca mais nos cruzámos. Ficou-me sempre a saudade de um homem bom, extraordinariamente bom, atento, dedicado, sereno. Ao longo dos anos, várias vezes o recordei e me questionei sobre o que lhe poderia acontecer, mesmo tendo em conta o que se passava em Timor. O encontro com esse livro de memórias foi uma alegria, quer pelo reencontro, quer pelo facto de saber que o padre Felgueiras continua a espalhar imagem igual àquela que me deixou gravada.
Duas amigas minhas estão em Timor há pouco tempo. A ambas recomendei que conhecessem o padre Felgueiras e pedi-lhes que lhe dissessem desta admiração e afecto que mantenho por ele, apesar de saber que não se lembrará do jovem estudante impressionado porque éramos muitos e o tempo de convívio foi curto.
Hoje, a Cristina enviou-me uma mensagem a dizer que tinha conhecido João Felgueiras e a manifestar o seu deslumbramento. Simultaneamente, deu-me as coordenadas de uma reportagem disponível na net, produzida no ano passado, com realização de Carlos Narciso, intitulada “Padre João Felgueiras – Breve peregrinação”. São 21 minutos de testemunho, de encontro com o passado de Timor e com a liberdade, de lembrança e de lição de vida. Aqui fica o testemunho.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O Português, entre os Estados Unidos e Timor

O Diário de Notícias de hoje conta que “o ensino do português como segunda língua nos EUA foi tomado como exemplo por George W. Bush para a forma como o Congresso desbarata o dinheiro dos contribuintes”, informando que, estando Bush a discursar no estado de Indiana, disse: “Alguns dos projectos esbanjadores incluem um museu das prisões, uma escola de vela de ensino a bordo de um catamarã, e um programa de 'português como segunda língua'. O Congresso deve aos contribuintes esforços melhores. E por isso hoje, na Sala Oval, vetei esta proposta de lei”. Em causa estava a proposta de um congressista para a atribuição de uma verba ao Rhode Island College para um Programa de Estudos Lusófonos.
Ora, esta posição do senhor Bush não é para admirar, depois de tantos exemplos caricatos de que tem sido protagonista. A verdade é que existe mais de um milhão de portugueses nos Estados Unidos; a verdade é que Portugal tem dado jeito ao senhor Bush em diversos momentos; a verdade é que a língua portuguesa é uma das mais faladas no mundo, sustenta uma história cultural grande e parece ganhar mais influência; a verdade é que, geograficamente, o senhor Bush está muito próximo de países de línguas latinas, aí incluindo o português; a verdade é que o senhor Bush… tem um respeito que se circunscreve ao umbigo.
Mais destemidos somos nós, que investimos no ensino do inglês logo desde os primeiros anos de estudo. Obviamente, não por respeito para com o senhor Bush, mas por respeito para com nós próprios e por respeitarmos a necessidade de comunicação com o outro, vectores que ao senhor Bush dizem… nada.
Mais corajosos e inteligentes são os timorenses, porque, mesmo lá no canto onde estão, com o Pacífico a separá-los da América e meio mundo a distanciá-los de Portugal, respeitam a sua história e, como refere o Público de hoje, estão apostados no “enraizamento” da língua portuguesa, citando o presidente Ramos-Horta, ainda que isso possa demorar o tempo de duas gerações. A distância entre as duas atitudes tem razões históricas, eu sei; mas também tem respeito pelas identidades e pelo outro. Para Bush, é mais interessante o campo de batalha; para Ramos-Horta, mais importante é o “enraizamento” (belas conotações) do seu país!