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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Sublinhados - José Rodrigues Miguéis, "O Espelho Poliédrico"



O Espelho Poliédrico, de José Rodrigues Miguéis (Lisboa: Estúdios Cor, 1972), é um conjunto de textos em que o cronista se assume como “simples narrador de histórias reais e experiências inventadas” (como refere no intitulado “O galo, o estudante e o professor”), embora algumas vezes povoando esses mesmos textos com uma dose de memorialismo, mesmo que tenha registado algo como: “Não escrevo memórias, talvez nunca as escreva: a não ser transpostas em ficção, ou quando um flash de lembrança, como agora, me ilumina.” (em “O Corcundinha”). No final da obra, lá vem a “nota do autor” a explicar que as crónicas são um conjunto vasto e diversificado de “memórias, comentários e ficções” e a indicar a origem - publicadas no Diário de Lisboa, na sua maioria, entre 1968 e 1971, algumas inéditas e outras surgidas em várias publicações periódicas.

Sublinhados
Automóvel - “O automóvel é também um prolongamento mórbido da personalidade e da sensibilidade: ao mais leve contacto, risco ou amolgadela no verniz da carroçaria ou nos niquelados, pior que insultos ou facadas; se alguém se me atravessa no caminho, me obriga a desacelerar a marcha, me ultrapassa ou me rouba o precioso parking - eu pulo fora do carro, espumante e de punhos em riste, pronto a insultar, a agredir, a matar até, como é frequente, o transgressor dos meus sacratíssimos ‘direitos’. O carro fez dos homens autênticos artrópodes metalomecânicos, lavagantes desmiolados, impessoais, isolados entre si pela carapaça de duas toneladas de aço-lata com motor e quatro rodas, capaz de esmigalhar ossos, carnes e nervos, na qual andam metidos e conduzem (ou são conduzidos) sem verem os seus semelhantes: com a mesma anarquia de sentimentos, a mesma fúria, indiferença ou hostilidade com que andariam entre inimigos ou em terra conquistada.” (“Sua Majestade o Automóvel”)
Eternidade - “A Eternidade não é feita da soma dos dias, dos instantes, mas do aprofundamento de cada instante, de cada átomo, de cada ser, em que a própria matéria se dissolve.” (“Enterro de um Poeta”)
Homem - “É nas mínimas circunstâncias do quotidiano que os homens, por vezes, melhor revelam a sua têmpera.” (“O galo, o estudante e o professor”)
Juventude - “O tempo da mocidade é curto, mas denso de afectos e actividades.”  (“Levanta-te e Caminha”)
Mudança - “As coisas, quando mudam, é: a) para melhor; b) para pior; c) para ficarem na mesma. Esta saída é mais frequente do que se imagina.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Ódio - “Os ódios e rancores não se calam nem à beira do túmulo.” (“Requiem para Junqueiro”)
Palavra - “Vale mais um pensamento lúcido, embora sem palavras, do que a verborreia a mascarar o vácuo ou pobreza das ideias.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Política - “O a-politismo é quase sempre uma política de sinal contrário (ou resulta nela).” (“Levanta-te e Caminha”)
Vida - “A vida é feita de tanta coisa! E nem toda a sabedoria se aprende nos livros.” (“A garrafa de conhaque”)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Não é certo que o burro tenha morrido do acidente...

Na edição online do jornal A Bola, António Simões assina o texto “Porque o Fiat do Infante D. Afonso chegou em segundo mas ficou em primeiro...”, crónica com curiosidades sobre o advento do automóvel em Portugal, dizendo, a dada altura, sobre o Panhard et Levassor que o Conde de Avilez fez importar de França em 1895 – o que lhe confere o estatuto de o primeiro automóvel no nosso país –, que “os Avilez tinham palácio em Santiago do Cacém – e na primeira viagem, de Cacilhas para lá, o primeiro acidente: um burro atropelado e morto.”
Com efeito, Alfredo Duro, ao relatar a História do primeiro automóvel entrado em Portugal (Lisboa: 1955), conta que, na viagem, iniciada em Lisboa, o Conde Avilez veio até Palmela sem incidentes; “porém, na passagem daquela vila, se não fossem os bons travões do carro e o sangue frio do sr. Conde de Avilez (Jorge) para evitar matar um burro, o auto ter-se-ia voltado”, acrescentando em rodapé que quem evitou maior desastre foi o burro, que fez parar o carro que descia embalado, e remata: “Claro que o burro morreu e o sr. Conde de Avilez pagou ao dono, a Família Folque, de Palmela, o melhor de dezoito mil réis, quando um burro naqueles tempos custava apenas cinco mil réis!”
Não é seguro que o desfecho tenha sido esse, ainda que a versão relatada pelo jornal setubalense O Districto, de 20 de Outubro de 1895, tenha algumas coincidências. Nesse semanário é reportado: “Esteve na terça-feira nesta cidade o novo trem movido a petróleo. Veio numa hora do Barreiro a Setúbal por Palmela, onde foi enganado no trajecto a seguir, tendo de descer a calçada de Palmela, que é muito íngreme. O trem, ao chegar ao fim da calçada, involuntariamente atropelou um burro, molestando-o levemente.” E, mais adiante, conta o desfecho do atropelamento: “diversos sujeitos fizeram com que o sr. Conde de Avilez depositasse quarenta mil réis, aliás não o deixariam seguir. Resolveu aquele cavalheiro depositar o referido dinheiro com a condição de trazerem o burro no dia seguinte à cidade para ser inspeccionado, o que se fez, sendo o prejuízo avaliado apenas em dois mil réis, devolvendo o dono do burro o resto do dinheiro.”
É, pois, o que se sabe do primeiro acidente com um automóvel em Portugal. E, a acreditar no repórter local, o burro não morreu do acidente. Quanto ao carro, foi um sucesso nas ruas de Setúbal. Escrevia o repórter do jornal sadino O Elmano, na edição de 16 de Outubro, que “o trem caminha perfeitamente e dá as voltas muito bem” e que, “na praça de Bocage, juntaram-se mais de mil e quinhentas pessoas para assistir à partida do senhor Conde”.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Tróia fica mais longe...

Correio de Setúbal: 13.Março.2009

sábado, 22 de novembro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da auto-estima – 90
Sinistrados I – Em vários pontos do distrito de Lisboa, estão em exibição na praça pública automóveis sinistrados. Dizem os passantes que isto os impressiona, porque a visão de um carro destruído significa um encontro com a morte ou, pelo menos, a possibilidade de a morte ter andado próxima; significa também a necessidade de atenção, de cuidado e de responsabilidade que todos devem sentir e partilhar; significa, finalmente, que alguns já partiram, levados por um acidente que os colheu. Na verdade, tudo isto impressiona, sobretudo porque a fragilidade da vida também mexe connosco. Não podemos deixar de pensar no choque sentido quando nos confrontamos com um acidente. E, sobretudo, quando vemos corpos espalhados pelo alcatrão, em consequência de um embate. A frieza que se apodera de nós nesses momentos deixa-nos a oscilar nas nossas certezas e na nossa força. Mas esta ideia dos carros sinistrados em exposição pública vale por isso mesmo. Cada vez mais povoada, a estrada exige que o nosso cuidado, a nossa reflexão, a nossa participação e o nosso gosto pela vida estejam sempre em primeiro lugar.
Sinistrados II – Mas a ideia das viaturas sinistradas em exposição sugere também imagens de ciclos. Há muito tempo, as exposições eram apenas de viaturas novas, cativando pela novidade, associada ao conforto, ao luxo e à autonomia. Depois, vieram as exposições dos clássicos, com a intenção de fazer lembrar outros tempos, os mais antigos, e de levar as pessoas a visitarem a história dos transportes ou a reviverem o tempo de alguns modelos que se tornaram ícones. Seguiu-se a exposição de usados ou em segunda mão, surgida em espaços fechados ou, como agora se vê, em qualquer canto, com letreirinhos a anunciar a procura de novo dono. E, para fechar o ciclo, aparecem as exposições de viaturas sinistradas. Pode ser pós-moderno este gesto. Talvez simbolicamente se esteja perante o fim desta vida dependente do carro ou, pelo menos, a notar que ele também incomoda muito e que, muitas vezes, não é sinal de qualidade de vida mas da sua falta.
Escola I – No momento em que escrevo, a vida das escolas continua agitada e a ser motivo de discussão pública. É lamentável que as coisas tenham chegado a este ponto, com posições extremadas e com argumentos em defesa de verdades que parecem unilaterais, mas que o não são. Uma profissão não pode estar vocacionada para o martírio ou para o heroísmo, da mesma forma que não pode passar pela humilhação pública de ser penalizada por decisões políticas que têm feito a história da educação no país. Muitas das opiniões veiculadas revelam que não é de educação que querem falar, mas de contestação pura e simples; que ignoram o que tem sido pedido à escola no tempo das duas últimas décadas; que há desconhecimento de várias questões responsáveis por um estado não muito positivo da educação, passando para os professores, em exclusivo, a responsabilidade do que anda menos bem e ignorando o papel fundamental que questões como o desenho curricular, os programas das disciplinas ou os manuais escolares desempenham na qualidade da escola. Têm-se discutido ódios de estimação, sem se favorecer a escola, por vezes com argumentos falaciosos (o de que os professores não querem ser avaliados é um deles).
Escola II Quando se fala dos resultados dos alunos no final de ciclo, e com isso se pretende dar a imagem de que uma escola é melhor do que a sua vizinha por os seus alunos terem obtido mais altas médias, já se pensou que muito desse esforço se deve à escola e aos alunos mas também às aprendizagens fora da escola, nomeadamente ao regime de explicações que existe e que as famílias pagam, na mira de um atendimento mais personalizado e de um caminhar ao encontro das dúvidas de cada um? Provavelmente, este pormenor tem sido esquecido… Mas também tem contribuído para os rankings, assim como contribuirá para a avaliação dos professores se os critérios se mantiverem…