segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Nos 150 anos do "Diário de Notícias": um suplemento a ler (e a guardar)



Há 150 anos, no dia de hoje, saía em Lisboa o primeiro número do Diário de Notícias, assinalando como proprietários os nomes de Tomás Quintino Antunes e de Eduardo Coelho, também redactor. Tinha quatro páginas, textos curtos e sem título e um editorial que ainda hoje tem todo o sentido no que à coerência a imprensa deve – pretendia “interessar a todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências”, queria afirmar-se por uma “compilação cuidadosa de todas as notícias do dia, de todos os países e de todas as especificidades, um noticiário universal” e prometia um “estilo fácil e com a maior concisão”, visando informar “o leitor de todas as ocorrências interessantes”. Na sua estrutura da primeira página, não fugia à tradicional supremacia da família real e da religião, os dois pólos que garantiam os primeiros textos – o primeiro, dizendo que “Suas Majestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes”, uma não notícia que sossegava as preocupações; os seguintes, informações de teor religioso, fossem informações ou registos de efemérides; depois, informação sobre as férias natalícias dos tribunais. A seguir, um pouco de tudo, com destaque para algo que constituía marca do tempo, como a aprovação de orçamento para apoio a construção de via férrea em França.
Olhando para a edição do Diário de Notícias de hoje, dirigido por André Macedo, as quatro páginas passaram a quarenta, isto é, dez vezes mais, e se repararmos no suplemento, com 144 páginas, a proporção vai para 36 vezes mais.
O suplemento que hoje é publicado é um documento histórico para guardar, não sendo por acaso que lhe é dado o título de capa de “150 anos de Portugal”. Com efeito, um diário com a idade de século e meio será um bom repositório do correspondente tempo da história do país, tal como, no final do editorial desta edição de aniversário, escreve André Macedo: o jornal, bem como o seu director, servem “para defender um património que pertence aos leitores e ao país, sem esquecer os accionistas, sem os quais nada disto pode acontecer”.
Um suplemento para guardar… porquê? É verdadeiramente um suplemento festivo, por onde passa a história, a criação, o retrato, assente sobre três vectores: o assinalar de 50 efemérides, com curto registo a propósito; os dias da História de quinze escritores portugueses contemporâneos; ensaios, reportagens e entrevistas de 15 áreas temáticas.
Relativamente às efemérides, registam-se: nascimento do Diário de Notícias (29-12-1864), carta de Vítor Hugo ao jornal a propósito da abolição da pena de morte para crimes civis em Portugal (10-07-1867), Comuna de Paris (27-05-1871), Ultimato inglês (13-01-1890), morte da rainha Vitória (22-01-1901), regicídio em Portugal (01-02-1908), exposição pública dos Painéis de S. Vicente depois de descobertos na igreja de S. Vicente de Fora (06-05-1910), implantação da República (05-10-1910), fim da Grande Guerra (11-11-1918), assassínio de Sidónio Pais (14-12-1918), chegada de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral aos rochedos de São Pedro e São Paulo (19-04-1922), golpe do 28 de Maio (28-05-1926), chegada de Oliveira Salazar a chefe de Governo (05-07-1932), revolta na Marinha Grande (18-01-1934), início da Segunda Grande Guerra (01-09-1939), inauguração da nova sede do Diário de Notícias na Avenida da Liberdade (24-04-1940), exposição do Mundo Português (23-06-1940), rendição da Alemanha (07-05-1945), bomba atómica (06-08-1945), entrada de Portugal na ONU (14-12-1955), ataque de nacionalistas angolanos à Casa de Reclusão e ao quartel da PSP em Luanda (04-02-1961), conquista da Taça dos Campeões Europeus pelo Benfica (31-05-1961), queda da Índia portuguesa depois da operação Vijay lançada por Nehru (18-12-1961), assassinato de Kennedy (22-11-1963), incêndio do Teatro D. Maria em Lisboa (02-12-1964), centenário do Diário de Notícias (29-12-1964), eliminação de Portugal do Mundial de 1966 e lágrimas de Eusébio (26-07-1966), inauguração da ponte sobre o Tejo em Lisboa (06-08-1966), presença de Paulo VI em Fátima no que foi a primeira visita papal ao santuário (13-05-1967), chegada de Marcelo Caetano a presidente do Conselho na sequência de avc sofrido por Salazar (26-09-1968), chegada do homem à Lua (20-07-1969), morte de Salazar (27-07-1970), revolução “dos Cravos” (25-04-1974), “fim” do processo revolucionário em Portugal (25-11-1975), morte do Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro em desastre aéreo (04-12-1980), Carlos Lopes com medalha de ouro em Los Angeles (12-08-1984), entrada de Portugal na CEE (12-06-1985), eleição de Mário Soares como Presidente da República (16-02-1986), primeira maioria absoluta em eleições obtida pelo PSD com Cavaco Silva (19-07-1987), incêndio no Chiado (25-08-1988), derrube do Muro de Berlim (09-11-1989), libertação de Nelson Mandela (11-02-1990), início da Expo 98 com publicação do “Diário da Expo” a cargo do Diário do Notícias (22-05-1998), atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago (08-10-1998), morte de Amália Rodrigues (06-10-1999), ataque às Torres Gémeas nova-iorquinas (11-09-2001), independência de Timor-Leste (20-05-2002), derrota de Portugal na final do Euro 2004 (04-07-2004), eleição de Barack Obama (04-11-2008) e morte de Eusébio (05-01-2014).
Os quinze escritores portugueses convidados a participar no dossiê intitulado “A que dia é que eu queria regressar?”, coordenado por João Céu e Silva, foram: António Lobo Antunes (n. 1942), sobre o dia em que soube do nascimento da sua primeira filha (22-06-1971); Afonso Cruz (n. 1971), sobre “hoje”; António Mega Ferreira (n. 1949), sobre o 5 de Outubro de 1910; Gonçalo M. Tavares (n. 1970), sobre o dia do assassinato do arquiduque austro-húngaro por Gavrilo Princip, que deu início à Grande Guerra; Hélia Correia (n. 1949), sobre a estreia de “Ballets Russes”; J. Rentes de Carvalho (n. 1930), sobre o dia do fim da Segunda Guerra Mundial (08-05-1945); Lídai Jorge (n.1946), sobre uma memória da infância, em 1954, 3m dia de nevão; Luísa Costa Gomes (n. 1954), sobre a inauguração do monumento a Cristo Rei (17-05-1959); Manuel Alegre (n. 1936), sobre a campanha de Humberto Delgado (31-05-1958); Maria Teresa Horta (n. 1937), sobre várias datas relacionadas com o feminismo; Mário de Carvalho (n. 1944), sobre a campanha de Humberto Delgado em Lisboa (16-05-1958); Mário Cláudio (n. 1941), sobre a sua data de nascimento (06-11-1941); Miguel de Sousa Tavares (n. 1952), sobre o desembarque dos Aliados na Normandia, em texto epistolar usando a assinatura de Salazar (07-06-1944); Nuno Júdice (n. 1949), sobre o dia da morte de Fernando Pessoa (02-12-1935); Valter Hugo Mãe (n. 1971), sobre o dia que constou como sendo o do fim do mundo (12-08-1978).
Relativamente à terceira área, em que se destacam alguns ensaios relacionados com a história e com o espólio do Diário de Notícias, é preenchida com os textos: “Um país de emigração maciça e baixa literacia”, de Manuel Villaverde Cabral; “Do censo dos 5 réis a um futuro com chips no bolso”, de Patrícia Jesus; “Antigos, porcos e maus: retrato passado menos que perfeito”, de Fernanda Câncio; “Quando o submarino Hunley afundou um navio da União e acabou a inspirar Júlio Verne”, de Leonídio Paulo Ferreira; “Eduardo Coelho, a vida dele dava um jornal”, de Ferreira Fernandes; “A caixa-forte dos seis milhões de mistérios”, de Artur Cassiano; “Títulos diários mais do que centenários”, de Abel Coelho de Morais; “A língua portuguesa como princípio e fim, numa universidade aberta ao mundo”, de Rui Marques Simões, incluindo entrevista com João Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra; “’Do prémio que lhe sair por sorte na extracção da loteria’ à crise que atinge a classe média”, de Miguel Marujo, com entrevista a Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas; “Torre do Tombo: Quase cem quilómetros para contar a nossa história”, de Maria João Caetano, com entrevista a Silvestre Lacerda, director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo; “Um ‘excesso de natureza’ talhado pelo homem com vista para o mundo”, de David Mandim, com entrevista a Manuel Cabral, presidente do Instituto dos Vinhos Douro e Porto; “A associação para funcionários, famílias e ‘credores de gratidão’ que se tornou o sexto maior banco”, de Céu Neves, com entrevista a Paula Guimarães, directora do Gabinete de Responsabilidade Social do Montepio Geral; “Eça de Queirós – De Port Said a Suez”, com reprodução das quatro crónicas ecianas de  1870 a propósito da viagem para assistir à inauguração do canal de Suez; “Caça à entrevista de Hitler pelas cervejarias de Munique”, de Ferreira Fernandes, com reprodução da entrevista de António Ferro a Hitler; desenhos de André Carrilho sobre o que será o mundo em 2164.
O suplemento finda com a reprodução do número inaugural do Diário de Notícias, que acrescenta mais uma razão às oitenta anteriormente indicadas para um assinalar interessante de uma efeméride que, mais do que marcar a longevidade, destaca o a função do jornalismo e da informação.

Sem comentários: