segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Grandes entrevistas da História, com o "Expresso" (5)



Entrevistas realizadas na última década do século XX e no primeiro lustro do século XXI constituem o sexto volume de Grandes Entrevistas da História, que o semanário Expresso está a publicar, sendo protagonistas desta série: José Saramago (Clara Ferreira Alves, Expresso, 02-11-1991), João Havelange (Andrés Mercé Varela, La Vanguardia, 17-04-1994), António de Spínola (José Pedro Castanheira, Expresso, 30-04-1994), Osama Bin Laden (Robert Fisk, The Independent, 22-03-1997), Michael Jackson (Edna Gundersen, USA Today, 14-12-2001), Gilberto Gil (Joaquim Ibarz, La Vanguardia, 05-01-2003), Hugh Hefner (Lluís Amiguet, Magazine, 13-04-2003), Bansky (Simon Hattnestone, The Guardian, 17-07-2003), Dalai Lama (Luke Harding, The Guardian, 05-09-2003) e Tony Blair (Jeremy Webb, New Scientist, 01-11-2006).
A entrevista de José Saramago tem como pretexto a publicação do seu romance (que gerou polémica) O Evangelho segundo Jesus Cristo e serve para o autor falar de cristianismo, de comunismo, de ideologia e da história do mundo. Na conversa, Saramago explica-se: “A tese escondida é a de que eu digo, em primeiro lugar, que o cristianismo não valeu a pena; e em segundo, que se não tivesse havido cristianismo, se tivéssemos continuado com os velhos deuses, não seríamos muito diferentes daquilo que somos”. Se se justifica quanto ao livro e quanto às ideias feitas sobre a religião, também se afirma relativamente ao Partido Comunista e à ideologia – “a União Soviética não é nem nunca foi, para mim, uma referência política ou ideológica”, chegando a afirmar que sairá do partido “se um dia se sentir mal”. A questão da sua escrita no que se relaciona com a dimensão histórica, do tempo, também lhe merece aprofundamento: “Agrada-me pensar que o tempo não é essa diacronia, essa sucessão de momentos, agrada-me pensar no tempo como uma espécie de imensa tela onde se projectam e se fixam os acontecimentos.”
O outro português sentado nesta mesa das entrevistas é António Spínola, o homem que povoou as primeiras páginas dos jornais durante muito tempo, sobretudo a propósito dos acontecimentos decorrentes  do 25 de Abril de 1974. É uma entrevista de memórias quanto ao que se passara anos antes, oscilando entre a dedicação ao 25 de Abril e um certo ajuste de contas com políticos e sectores, como o MFA (Movimento das Forças Armadas) e o PCP. Nem tudo é pormenorizado ao ponto de o leitor poder avaliar as posições. Certo é que o militar se sobrepõe ao político. Não escondendo a razão de ser do monóculo (algo que usava por tradição recebida dos oficiais de cavalaria), explica-se quanto ao que viveu na Guiné e quanto à emergência que era a independência daquele território. Personalidades como Costa Gomes, Rosa Coutinho ou Vasco Gonçalves não são poupadas e, na história política que viveu, não esqueceu a parte do MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal). Ao seleccionar o seu maior sucesso político, optou: “ter colaborado abertamente nos objectivos previstos no 25 de Abril, que, em última análise, se resumiram à restituição da liberdade e da democracia ao povo português”. E quanto ao sucesso militar, destaca, a fechar a entrevista: “ter participado como voluntário na Guerra do Ultramar, onde tive o privilégio de correr riscos ao lado dos nossos extraordinários soldados, lídimos representantes do ancestral patriotismo do povo português”.
Do Brasil, foram convocados também dois nomes: primeiro, o de João Havelange, fluminense que presidiu à FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) entre 1974 e 1998, numa conversa que passa pelo vasto mundo do futebol a nível mundial, com ideias sobre inovações, com responsabilidades, tocando, entre outros, os problemas da massificação e da arbitragem. A fechar o encontro, Havelange refere: “penso no futebol, que é a grande paixão do mundo actual, e tento dar o equilíbrio para que esta paixão seja um elemento civilizador da nossa sociedade”. O outro entrevistado é Gilberto Gil, músico e político do governo de Lula da Silva (em que interveio como Ministro da Cultura), em conversa tida com o jornalista no dia em que tomou posse no cargo. A conversa ficará marcada por esse momento, uma vez que o tema foi a política cultural a implementar, com destaque para o fomento da criatividade, uma vez que “a política cultural não pode deixar todos os seus trunfos à mercê de ventos, sabores e caprichos do deus Mercado”.
Da área da política aparecem mais três nomes: Dalai Lama, Tony Blair e Osama Bin Laden. Quanto ao primeiro, o décimo-quarto Dalai Lama do Tibete, um monarca que perdeu o reino por imposição do governo chinês, deixa uma entrevista pincelada pela amargura do exílio forçado e pela dúvida quanto ao futuro no que toca ao sucessor. Apesar destes traços, o discurso é apaziguador – “a melhor solução para um problema consegue-se através do diálogo”. No caso de Tony Blair, a conversa, atendendo à publicação que a reproduziu, toca um tema candente como seja a ligação da política com a ciência, defendendo Blair a necessidade de a política britânica ter de considerar “a ciência tão importante como a estabilidade económica”, assim como a urgência de académicos e empresários irem à escola com o objectivo de despertarem “entusiasmo nos alunos, não só pelas descobertas científicas, mas também pela infinidade de oportunidades laborais” existentes na área. O tema vinha a propósito de acontecimentos ocorridos no tempo da governação de Blair – a clonagem, as culturas transgénicas e as recusas por parte da população na administração de algumas vacinas. O terceiro entrevistado, Bin Laden, faz girar a conversa em torno da guerra santa contra os Estados Unidos, quase único inimigo, bem como a dose de ameaças relativamente à América, que o entrevistador não sublinhou convenientemente, só a tendo valorizado após o 11 de Setembro. A peça jornalística, cujo autor chegou três vezes à fala com Bin Laden, oscila entre os géneros entrevista e reportagem, já que também narra, com algum pormenor, a viagem ao encontro do dirigente fundamentalista.
Do mundo do espectáculo e da arte são os outros três entrevistados: Michael Jackson, Hugh Hefner e Bansky. O encontro com Jackson resulta numa entrevista fortemente condicionada, já que a conversa teve a presença de assessores do artista, que impediram que algumas perguntas fossem feitas ou desviaram a atenção das respostas, sobretudo quando relacionadas com a vida privada do artista ou com os escândalos que o acompanharam. Jackson aceitou apenas falar de música, de “show”, ainda que se deslumbre a falar dos filhos e que tenha confessado ter tido uma infância perdida. A razão de entrevista tão condicionada é exposta por Jackson: “se aceitasse entrar na esfera pessoal, seria o único assunto de que as pessoas falariam”. Assim, forte é a paixão pela música e pelo reviver de alguns momentos em palco e com os seus fãs. Hugh Hefner surge entrevistado sem ser para a publicação que fundou e com que alcançou fama e sucesso, apesar de o pretexto da entrevista serem os 50 anos sobre a fundação dessa revista, a Playboy. Assim, o diálogo versa sobre as vitórias e dificuldades do projecto, visando uma nova ideia do homem moderno, em muito criado e vivido na própria personalidade do fundador Hefner. Com o ar mais solene, o entrevistado comenta: “Sempre disse que a Playboy não é uma revista de sexo, mas sim uma publicação sobre estilos de vida que dedica especial atenção ao sexo, porque o sexo é uma parte importante da vida”. E uma curiosidade: a revelação de que o primeiro número da publicação não teve data registada porque, por razões económicas, não havia a certeza de vir a ser feito um segundo número…
O último entrevistado deste lote é Banksy, o artista de paredes que ninguém identifica. Sem fotografia, Banksy ajuda a construir o seu próprio anonimato, tomando posições contra marcas e códigos, comprazendo-se com o viver no fio da navalha para não ser descoberto. Com orgulho, afirma: “a lista dos trabalhos que recusei é muito mais extensa do que a dos trabalhos que fiz. É como um currículo ao contrário, é estranho.” Depois, é o desenrolar de histórias sobre os desenhos em paredes, seguindo o princípio do graffiti quanto à efemeridade, mas com a eficácia da crítica e do fazer pensar, porque “a graça está em dedicar menos tempo a fazer o desenho do que as pessoas a observá-lo”.
Tempos de crise, de mudanças, de reflexão sobre o tempo e a forma de se estar constituem esta dezena de entrevistas, que acentua a quantidade de questões que o século XXI tem ainda para resolver, se é que essa vai ser uma preocupação…

Sublinhados
Música – “A música é um mantra que alivia a alma. É terapêutica. É algo necessário para o corpo, como o alimento. É muito importante compreender o poder da música. Seja onde for, num elevador ou numa loja, a música influencia a forma de comprar ou a forma como tratamos a pessoa que temos a nosso lado.” [Michael Jackson. Entrevista a Edna Gundersen, em USA Today (14.Dezembro.2001). Grandes Entrevistas da História 1991-2006. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 70]

Religião – “As religiões tanto servem para sobreviver às perseguições como para fazer perseguições, e os perseguidos vão por seu turno refugiar-se noutra religião que fará outros perseguidos.” [José Saramago. Entrevista a Clara Ferreira Alves, em Expresso (02.Novembro.1991). Grandes Entrevistas da História 1991-2006. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 17]

[Com a próxima edição do Expresso, o último volume da série, o nº 7]


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