domingo, 10 de junho de 2012

O discurso de António Nóvoa no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas



António Sampaio da Nóvoa, presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, discursou hoje, mostrando a necessidade de conciliar o presente com todos nós e com Portugal, povoando a sua intervenção com vários nomes grados da cultura portuguesa, sobretudo ligados ao pensamento. Desse discurso, que pode ser lido na íntegra aqui, ficam excertos:
«Começa a haver demasiados “portugais” dentro de Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade fragmentada é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização. Façamos um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo está a mudar à nossa volta. E nós também. (…)
Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin D. Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades; emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos. (…)
No final do século XIX, um homem da Geração de 70, Alberto Sampaio, explica que as nossas faculdades se atrofiaram para tudo que não fosse viajar e mercadejar. Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem com a indústria, nem com a ciência, nem com as belas-artes. As riquezas que fomos tendo “mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma indústria que as fixasse”, e o património da comunidade, esse, “em vez de enriquecer, empobrecia”. Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas questões fundamentais: o trabalho e o ensino. Nos momentos de crise é tarde: fundas economias na administração aumentariam os desempregados, e para a reorganização do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate à porta do pobre. Então a emigração é o único expediente: silenciosa e resignadamente cada um vai partindo, sem talvez uma palavra de amargura. Este texto foi escrito há 120 anos. O meu discurso poderia acabar aqui. Em silêncio. (…)
É esta fragilidade endémica que devemos superar. O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples – oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal, assente no trabalho e no ensino. Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado ao longo da história. (…)
Nas últimas décadas, realizámos um esforço notável no campo da educação (da escola pública), das universidades e da ciência. Pela primeira vez na nossa história, começamos a ter a base necessária para um novo modelo de desenvolvimento, para um novo modelo de organização da sociedade. É uma base necessária, mas não é ainda uma base suficiente. (…)
Existe conhecimento. Existe ciência. Existe tecnologia. Mas não estamos a conseguir aproveitar este potencial para reorganizar a nossa estrutura social e produtiva, para transformar as nossas instituições e empresas, para integrar uma geração qualificada que, assim, se vê empurrada para a precariedade e para o desemprego. (…)
25 anos depois, não esqueço José Afonso: Enquanto há força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos alguém, cantai também. Cantemos todos. Por um país solidário. Por um país que assegura o direito às coisas básicas e simples. Por um país que se transforma a partir do conhecimento. Não podemos ser ingénuos. Mas denunciar as ingenuidades não significa pôr de lado as ilusões, não significa renunciar à busca de um país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo (Sophia).
Foi esta busca que me trouxe ao Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.»

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