sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Grandes entrevistas da História, com o "Expresso" (3)



Seis políticos, um cientista e três artistas constituem o leque de conversadores no quarto volume de Grandes Entrevistas da História (em publicação pelo semanário Expresso), cujas peças jornalísticas foram publicadas entre 1952 e 1970: António de Oliveira Salazar (Christine Garnier, Férias com Salazar, 1952), Albert Einstein (Bernardo Cohen, Scientific American Magazine, Julho de 1955), Alfred Hitchcock (Pete Martin, The Saturday Evening Post, 27-07-1957), Humberto Delgado (Artur Inez, República, 10-05-1958), Salvador Dalí (Ana Nadal de Sanjúan, La Vanguardia, 19-11-1958), Fidel Castro (Clark Hewitt Galloway, U.S. News & World Report, 1959), Francisco Franco (Luis de Galinsoga, La Vanguardia, 01-10-1959), Norman Mailer (Eve Auchincloss e Nancy Lybch, Mademoiselle, Fevereiro de 1961), Nelson Mandela (Brian Widlake, Independent Television News, Maio de 1961) e John F. Kennedy (Aleksei Adzhubei, Izvestia, 25-11-1961).
Os dois políticos portugueses, rivais, foram entrevistados com seis anos de diferença. A conversa com Salazar teve lugar em Santa Comba Dão e é extraída do final de obra publicada em França e em Portugal, que permitiu a sugestão de um romance entre o político e a jornalista Garnier. Comentando a visitante que de Portugal levava uma imagem de “excessiva calma”, de “entorpecimento”, Salazar responde: “Essa calma que a impressiona é intencional. Aplicamo-nos em protegê-la contra tudo o que a possa ferir, o que não impede o povo português, que não é inconsciente nem indiferente, de estar atento aos acontecimentos mundiais. (…) Considero esta calma como uma das características do povo português na época actual. A outra, é uma forte tendência para o humanismo.” Ao longo da conversa, Salazar vai passando uma imagem rústica e de relativa suavidade do povo português, de tal forma que Christine Garnier é levada a comentar: “Tal como os apresenta, Sr. Presidente, os portugueses parecem bastante maleáveis.” Esta observação servirá ao político para expor a relação dos lusitanos com a autoridade e com a obediência: “Só têm com a autoridade relações baseadas na desconfiança. A obediência é mais receosa que cívica e sempre discutida.” A questão do medo vai estar presente também na entrevista de Humberto Delgado, publicada um mês antes das eleições presidenciais cujos resultados exactos nunca se saberão e em que o general foi vencido. À pergunta, no final da entrevista, se tinha “mais alguma coisa a declarar ao país” o então candidato a presidente respondeu: “Sim. Que o país deixe de ter medo.” Já ao longo da conversa tinha criticado o regime vigente em Portugal, dizendo: “A Nação asfixiada, mutilada no que de mais belo Deus gerou – a alma dos homens – arrasta-se ignominiosamente brincando às eleições de quando em quando, numa soturna apatia, (…) escondendo dos países sob regime democrático o absolutismo em que nós vivemos sob o título jocoso e insultivo de ditadura paternal.” A solução política que defendia era a de uma democracia para Portugal, porque pensava ser ela, “adentro das imperfeições dos homens, o melhor compromisso para viver com dignidade e felicidade”. Nunca o general Delgado iria ver esse seu desejo cumprido no seu país, porquanto, em meados de Fevereiro de 1965, próximo de Badajoz, foi assassinado.
Outros dois entrevistados rivais na política, embora de países diferentes, são Fidel Castro e John Kennedy. A peça que nos traz a mensagem do presidente cubano mostra-nos uma personagem que balança no jogo para impressionar os Estados Unidos, insistindo não ser comunista, bem como outros países de onde possa chegar capital. Por outro lado, vai contornando aquelas que poderiam ser questões mais problemáticas, como a possível oferta de produtos a Cuba por parte de países comunistas ou a base naval americana de Guantánamo… Datada de cerca de dois anos depois da de Castro, a entrevista Kennedy é feita por um jornalista da União Soviética que era mais do que jornalista – a política, a militância partidária, o relacionamento familiar com dirigentes soviéticos, eis os ingredientes que formavam a personalidade de Adzhubei, o entrevistador, que se assume muito mais como um emissário dos pontos de vista do seu país até ao ponto de discordar das opiniões do político americano ou de lhe dizer: “Gostaríamos muito que o Sr. Presidente declarasse que a ingerência nos assuntos de Cuba foi um erro.” Pelo meio, houve as referências ao relacionamento entre as duas potências, à questão da Alemanha e de Berlim, à questão da NATO, com as derradeiras palavras de Kennedy a desejar que a entrevista pudesse contribuir “para melhorar o entendimento e para a paz”, sobretudo no interesse de ambas as frentes.
Em 1959, Franco, em Espanha, tinha como preocupações as dificuldades do povo espanhol e a recuperação que estava a ser feita, a luta contra o comunismo e a união da Europa “contra os perigos” que a ameaçavam. Muito embora a questão da União Soviética ocupe a maior parte da entrevista, é no final que Franco fala do esforço que o seu país está a fazer e dos resultados que estão a ser obtidos no plano do aumento da produção nas áreas da indústria e da agricultura.
O outro político entrevistado neste volume é Mandela, naquela que foi a sua primeira entrevista a um canal de televisão internacional e também a última entrevista que deu antes de ser preso. A conversa é curta e tem como linhas orientadoras a exigência do sufrágio universal, a convivialidade rácica, a possibilidade de organização de campanhas de não-cooperação e termina com uma questão: “Creio que chegou a hora de nos perguntarmos, à luz das nossas experiências (…), se os métodos utilizados até agora são os mais adequados”. Uma dúvida que respondia à pergunta sobre a possibilidade de ocorrerem na África do Sul actos de violência por parte do Congresso Nacional Africano, que, até ali, promovia campanhas de resistência pacífica.
O cinema e os recursos que usa são o tema da conversa com Hitchcock, um realizador cheio de imaginação e de humor. O que diz sobre os seus filmes é uma chave para um novo visionamento, tão calculadas são as situações e os métodos: “O segredo está no modo de articular a história. No meu caso, cada fragmento e cada situação da obra têm de estar planeados e decididos antes de começar a rodagem. Às vezes, planifico mais de seiscentas posições para a câmara antes de começar a filmar. Se tentasse improvisar uma estrutura para o enredo à medida que avançamos, não conseguiria os efeitos nem as reacções que pretendo.” De reacções e efeitos se fala também na entrevista com outro artista, o pintor espanhol Dalí. A jornalista antecipa na apresentação que “em Dalí tudo é pose, excepto o lado temperamental”. O diálogo comprovará a apreciação: “A única coisa que me interessa é que falem de mim”, afirma, considerando-se “o maior génio deste século”. E conta uma situação que comprova até à exaustão essa necessidade de se saber falado: “Tenho agentes em vários pontos de Espanha e do estrangeiro que recolhem tudo o que é publicado sobre mim. Enviam-mo e, quando recebo os envelopes, consigo perceber se as coisas correm bem ou mal. Quanto mais pesados e mais volumosos, mais propaganda contêm. Digo isto porque os atiro para a lareira sem os abrir.” O terceiro artista é escritor, Norman Mailer, que se assume na sua diferença de estilo e de forma de intervir, que se assume como “extremista”, ora falando da sua obra, ora da política. Ao autocaracterizar-se relativamente aos outros homens, diz: “Sou menos forte, mais inquieto, mais decidido, mais inepto, tenho mais sucesso. Não gosto de mim o suficiente para me deixar levar pelos meus instintos como deveria.”
A entrevista de Einstein foi a última que deu, tendo ocorrido duas semanas antes da sua morte, embora só tenha sido publicada posteriomente. Entendendo a dificuldade do jornalista para formular a primeira pergunta, o cientista confessa: “Há tantos problemas para resolver no campo da Física.. Há tantas coisas que não sabemos… As nossas teorias estão muito longe de ser suficientes.” Fala da importância de outros cientistas, como Newton ou Benjamin Franklin, sob o pretexto do conhecimento e do saber do entrevistador, chegando a confessar que “quem pior documenta a forma como se realizam as descobertas é o próprio descobridor”, pois “sempre se tinha considerado a si próprio uma má fonte de informação sobre a génese das suas ideias.” No final da conversa, Einstein ainda vai mostrar a Cohen a experiência para provar o princípio da equivalência a partir de uma oferta que lhe fizera um amigo, Eric Rogers. E o visitante sai comovido desta conversa pela afabilidade e simplicidade que Einstein demonstrara.

Sublinhados
Ciência – “A História é menos objectiva do que a Ciência. Por exemplo, se dois homens tivessem de estudar o mesmo tema histórico, cada um destacaria o aspecto que mais lhe interessa ou chama a atenção.” [Albert Einstein. Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific American Magazine (Julho de 1955). Grandes Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 30]
Coragem – “A coragem é algo que implica um enorme risco, sem se ter a certeza de que se vai sair vitorioso.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle (Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 106]
Democracia – “Adentro das imperfeições dos homens, penso que a Democracia é o melhor compromisso para viver com dignidade e felicidade.” [Humberto Delgado. Entrevista a Artur Inez, em República (10 de Maio de 1958). Grandes Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 58]
Vaidade – “Quem afirma que não é vaidoso demonstra também uma forma de vaidade, ao orgulhar-se da sua declaração.” [Albert Einstein. Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific American Magazine (Julho de 1955). Grandes Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 32]
Vontade – “A vontade sem ternura é uma das coisas mais perigosas do mundo. A vontade sem a capacidade de reconhecer nada para além da própria vontade é algo que deve ser erradicado.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle (Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 107]
[Com a próxima edição do Expresso sai o volume 5 desta obra]

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