Santareno e o "Setúbal"
Pelos idos de 1957 e de 1958, o médico António Martinho do Rosário (1924-1980) acompanhou a frota bacalhoeira portuguesa, primeiro nos arrastões “David Melgueiro” e “Senhora do Mar” e, depois, no navio-hospital “Gil Eanes” (este último construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, de onde saiu em 1955). Depois desta experiência a bordo, logo em 1959, saía um livro com crónicas sobre as vidas conhecidas no alto-mar, pondo almas a nu, revelando caracteres, deixando passar princípios humanísticos – era Nos mares do fim do mundo (Lisboa: Ática), assinado por Bernardo Santareno, nada mais nada menos do que o pseudónimo literário do médico de que já falei, autor português mais conhecido pelo contributo literário para o género dramático.
A dedicatória desse livro é longa, mas reproduzo o seu final: “A todos os pescadores bacalhoeiros portugueses, que têm o riso claro e feroz, que sempre ocultam nos olhos um aceno da morte, que todos os dias, naturalmente, fazem milagres de força, que, se a pesca adrega de ser boa, cantam e bailam sozinhos, como os meninos e os loucos… que são tipos perfeitos da raça.”
Pelas páginas desta humana epopeia passa a figura do “Setúbal”, um tipo que parece saído das páginas de Victor Hugo pelo seu aspecto quasimodiano (de resto, o narrador invoca essa referência), com uma história trágica no seu percurso de vida, que suscita a simpatia do narrador, que chega mesmo a solidarizar-se com a personagem. O texto vale pela história, é certo, mas também pelo retrato do “Setúbal”, moço no “Maria do Mar”, numa escrita que pinta o essencial e que regista um percurso de 40 anos desembocados numa situação de miséria humana, lá onde cabem os “azarados” da vida, numa caracterização forte, matizada pelas cores do sofrimento. E fica para o leitor a última imagem que marcou o narrador: “Estou a vê-lo: no corpo deformado, a roupa oleada e suja de sangue; na cabeça, um chapéu clownesco de pala ao lado; as mãos sempre feridas e entrapadas; toda a miséria do mundo, na voz roufenha e entaramelada; a podridão da carne, no rosto vermelho e tumefeito…”
A dedicatória desse livro é longa, mas reproduzo o seu final: “A todos os pescadores bacalhoeiros portugueses, que têm o riso claro e feroz, que sempre ocultam nos olhos um aceno da morte, que todos os dias, naturalmente, fazem milagres de força, que, se a pesca adrega de ser boa, cantam e bailam sozinhos, como os meninos e os loucos… que são tipos perfeitos da raça.”
Pelas páginas desta humana epopeia passa a figura do “Setúbal”, um tipo que parece saído das páginas de Victor Hugo pelo seu aspecto quasimodiano (de resto, o narrador invoca essa referência), com uma história trágica no seu percurso de vida, que suscita a simpatia do narrador, que chega mesmo a solidarizar-se com a personagem. O texto vale pela história, é certo, mas também pelo retrato do “Setúbal”, moço no “Maria do Mar”, numa escrita que pinta o essencial e que regista um percurso de 40 anos desembocados numa situação de miséria humana, lá onde cabem os “azarados” da vida, numa caracterização forte, matizada pelas cores do sofrimento. E fica para o leitor a última imagem que marcou o narrador: “Estou a vê-lo: no corpo deformado, a roupa oleada e suja de sangue; na cabeça, um chapéu clownesco de pala ao lado; as mãos sempre feridas e entrapadas; toda a miséria do mundo, na voz roufenha e entaramelada; a podridão da carne, no rosto vermelho e tumefeito…”
1 comentário:
AMIGO JOÃO,
FICO FELIZ EM RECEBER OS CONVITES DESSE BLOG. FICO TAMBÉM FELIZ, POR PERCEBER O SEU INCASÁVEL TRABALHO PARA DIVULGAR OS EVANGELHOS DA PALAVRA POÉTICA, DA BELEZA, DA SENSIBILIDADE. CÍLIA PASSOU POR AQUI, AINDA ESTÁ NO BRASIL. ELA ESTÁ LEVANDO, ENFIM, O SEU "TURBILHÃO". OBRIGADO PELO LIVRO E PELO CARINHO. ABRAÇOS DE ALÉM MAR.
ROBSON TADEU.
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