O Governo português não esteve presente no evento, gesto que nem o facto de se saber que este é um período de férias para imensa gente desculpa, mesmo porque, é sabido, o centenário do nascimento de Miguel Torga estava anunciado desde 12 de Agosto de 1907, há cem anos, portanto.
O que esta ausência significa de um ponto de vista cultural e identitário é evidente… e é triste. O que esta ausência mostra quanto ao valor dado às referências socialistas por um governo que pertence a essa área política também é evidente, sobretudo se relembrarmos o que Mário Soares ainda recentemente escreveu no número que o JL dedicou ao poeta transmontano (“Um testemunho pessoal”, in JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 961, 1.Ago.2007, pp. 17-18): “Foi depois do 25 de Abril que comecei – por força das circunstâncias políticas da época – a conviver mais intimamente com Torga. Acho que nunca se inscreveu no Partido Socialista, mas tornou-se, rapidamente, a principal figura socialista de referência de Coimbra e da zona centro do país. Presidiu a inúmeros comícios realizados antes e depois das eleições para a Constituinte e interessava-se, ao pormenor, pela vida interna do Partido, com uma militância e um cuidado superiores aos da maioria dos nossos aderentes.”
Olhamos e não acreditamos, pois: é que mais valeu ganhar a Câmara de Lisboa (em cuja tomada de posse o Governo esteve presente em peso) do que patrocinar o respeito pela identidade que faz Portugal, como foi o caso do centenário torguiano (em cuja celebração o governo esteve ausente em peso)!
Miguel Torga visto por Francisco Simões (Oeiras, Parque dos Poetas)
Em 1992, os correspondentes da imprensa estrangeira em Portugal elegeram Torga como “Figura do Ano”. Em 8 de Julho, em discurso a esses mesmos correspondentes aquando da entrega do respectivo prémio, Torga assumia-se como o “repórter inquieto dum quotidiano sem fronteiras” e lançava-lhes o seguinte repto: “De mim, ireis naturalmente repetir o que consta, como pareço e me declaro. Acrescentai, por favor, que lutei, luto e lutarei até ao derradeiro alento pela preservação dessa identidade, última razão de ser de qualquer indivíduo ou colectividade, e que repudio com todas as veras da alma a irresponsabilidade da Europa que em Maastricht, sornamente, a tenta negar, trair-se e trair-nos. E que, além de no presente recusar assim radicalmente o cerceamento à minha expressão ocidental, me orgulho de no passado, sem compromisso de nenhuma ordem, e às claras, ter pensado sempre em termos de livre comunhão e desinteressada fraternidade o mundo redondo que proficientemente representais. Que sou, desde que me conheço, um seu devotado cidadão português.” (in Diário, vol. XVI, 1993, pg. 130). Que rica lição sobre identidade!
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