sábado, 25 de agosto de 2007

Memória: Eduardo Prado Coelho (1944-2007)

"Lisboa - 5.1.92 - Com o tempo, as viagens, a sedução do entardecer, o gosto do chá, a linha de luz na Place des Vosges, o silêncio dos barcos deslizando na água, a minha relação com aquilo a que se chama literatura transformou-se. Poderia talvez dizer que se des-criticizou, que se des-teorizou. E, de certo modo, tornei-me inapto para o ensino. Ou talvez seja exactamente o contrário. Isto é, talvez a minha capacidade para falar daquilo de que gosto se tenha apurado nesta mistura desordenada de leituras, experiências, deambulações, vagabundagens, nomadismos. Perdi pouco a pouco o fervor das teorizações austeras. Desinteressei-me da erudição sistemática. Tornei-me um marginal da história e da teoria literária - o que sempre tinha sido, mas dissimuladamente. Numa palavra, hoje sou incapaz de me interessar por aquilo que me não interessa (...)." (Eduardo Prado Coelho. Tudo o que não escrevi (Diário I). Porto: Edições ASA, 1992, pp. 250-251)
"Bruxelas - 18.9.91 - Paisagem estranha, oblíqua, lívida. Caminho sobre a terra de ninguém, como numa cidade esvaziada por uma obscura catástrofe nocturna. Tantos portugueses por aí tresmalhados e não encontro nenhum. Apetecia-me que alguém aparecesse, e houvesse o halo de um encontro. E apetecia-me exactamente o contrário: atravessar assim, passo a passo, como quem comprova a solidão, as ruas de uma cidade deserta. Sinto-as como se as tropas inimigas tivessem misteriosamente retirado, e apenas existissem alguns fogos trémulos - sinais precários de uma conjura longínqua." (id., id., pg. 26)

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