domingo, 16 de setembro de 2012

Bonfim, estádio do Vitória Futebol Club, 50 anos


Crachá alusivo ao Estádio do Bonfim, vendido no dia da inauguração, em 1962

Inaugurado em 16 de Setembro de 1962, o Estádio do Bonfim, em Setúbal, constituiu para a cidade e para o Vitória Futebol Clube um momento histórico. Na primeira página de O Setubalense do dia seguinte, passava o entusiasmo sentido na cidade que vestira as cores do clube local: "Foi ontem que a cidade mais plenamente se identificou com o Vitória que seu nome tem, saindo para a rua mal desperto o sol, numa sinfonia de verde-e-branco, pura, espontânea, quente; foi ontem que nesta terra, subitamente, toda a população não entendia outra linguagem que não fosse a linguagem vitoriana, que só o Vitória e o seu Estádio do Bonfim contaram, que nada, naquelas horas, maior importância tinha. Música, foguetes, vivas, abraços, lágrimas e risos, bandeiras e bandeirinhas, balões, pombos, orgulho, Vitória-Vitória, verde-branco, verde-branco, verde-branco, Estádio, festa, homens, mulheres, crianças, aplausos, aplausos, mais aplausos... Foi ontem a Festa do Vitória, a Festa do Estádio. Ai, se ela pudesse ser de novo!..." O cronista prosseguia, levado pela sua costela vitoriana, dizendo que a multidão estava "delirante, ébria de felicidade, louca de alegria, fantasticamente rendida".
O Estádio do Bonfim surgiu numa época áurea da história do clube sadino e coroou o envolvimento de várias equipas de dirigentes, de diversas figuras locais, dos adeptos vitorianos de várias gerações e de uma cidade que, em massa, aderiu à ideia da construção daquele parque de jogos.

PRÓ-ESTÁDIO  DO  VITÓRIA

Em Novembro de 1952, a Comissão Administrativa do Vitória tocou a reunir pelas 22 horas de uma quarta-feira. Segundo O Setubalense, de 8 desse mês, o convite fora extensivo a "todos os Presidentes das Direcções e da Assembleia Geral que pelo Clube [tinham] passado nos seus 42 anos de existência". O motivo de tal encontro estava relacionado com as obras da primeira fase, que deveriam ter início brevemente, havendo a insistência na necessidade da colaboração de todos - o curto texto terminava, de resto, com um apelo dirigido a um público-alvo muito vasto, que implicava o envolvimento do próprio jornal: "é preciso, pois, e desde já que todos, sem excepção, se vão habituando à ideia de que o Estádio só será possível se todos nos unirmos em torno da Comissão Administrativa do Vitória, para, no momento oportuno, podermos afirmar sem hesitações que 'Estamos Prontos'!"
Cerca de uma semana depois, no dia 14, a Comissão Administrativa, presidida por Mário Ledo, foi recebida pelo Ministro do Interior, Trigo de Negreiros, que prometeu colaborar na concretização do "desejado" parque de jogos sadino logo através da publicação de uma portaria, que sairia no dia 20, a conceder a cedência do terreno para tal efeito. Começava assim uma onda de entusiasmo que levaria o clube a divulgar, na edição de O Setubalense de 22, juntamente com a reprodução do ante-projecto do estádio, um público "reconhecimento" ao Governo: "O momento grandioso que em breve se irá construir - o parque de jogos do VFC - ficará, no futuro, a assinalar o esforço dos setubalenses, como padrão de glória e afirmação concreta ao Governo, de que o representante de Setúbal no Futebol Nacional saberá honrar e dignificar através dos tempos a confiança nele agora depositada". Dois dias depois, como se ainda fossem precisos mais argumentos para envolver a cidade, António Alves da Mota assinava um artigo de opinião no mesmo jornal, lembrando: "Quem faz ainda melhor a propaganda da nossa cidade? É o Vitória, quando alcança com denodo e fulgor os seus triunfos!"
A marcha em prol da construção do estádio já começara e, nessa mesma edição do dia 24, O Setubalense noticiava o "içar da bandeira do Vitória nos terrenos do futuro Parque de Jogos", perante uma multidão que engrossara ao longo de um desfile que passara pela Rua de Bocage e Avenida 22 de Dezembro. Para içar a bandeira foi convidado "o mais antigo Presidente das Direcções do clube, Mariano Coelho, o qual desempenhou fielmente, no meio da maior comoção e das lágrimas que lhe corriam pelo rosto". A partir daqui, todo o tipo de ajuda foi chegando, fosse através da oferta e transporte de materiais, fosse por meio de disponibilização de trabalho, fosse por via dos potes-mealheiros espalhados pela cidade para angariação de fundos "pró-estádio do Vitória", tudo pelo apego ao clube, no respeito pela mensagem que constava em faixas de cortejos de ofertas - "Se tens amor a Setúbal ajuda o Vitória".

FESTA  EM  VERDE-BRANCO

Ao longo de uma década, a cidade de Setúbal trabalhou para o estádio. Como referia Machado Pinto num artigo publicado em Junho de 1962, na revista Portugal d'Aquém e d'Além-Mar, tinha havido um primeiro grupo, constituído por Mário Ledo, Manuel Antunes, Leitão Ferreira, Ramos da Costa e Júlio Mourato, que promoveu "a aquisição dos terrenos, a elaboração dos projectos, os aterros, as drenagens, o arrelvamento e a construção das instalações dos chamados desportos pobres", enquanto uma outra comissão, composta por Magalhães Mexia, Humberto Ferreira da Cunha, Jorge Sequeira, Gonçalo Vaz Pinto e Marc Velge, "removeu os obstáculos de ordem vária que protelavam o acabamento, ergueu as bancadas e tornaram o estádio naquela feliz e bela realidade".
O ano de 1962 viu o Vitória ser finalista da Taça de Portugal, tal como já acontecera nas épocas de 1942/43 e de 1953/54. A festa dos resultados inebriava os adeptos de uma equipa que, coordenada por Fernando Vaz, tinha no plantel Galaz, Pompeu, Mateus, Herculano, Quim, Jaime Graça, Suarez, Mourinho, Carriço, Dimas, Alfredo, Manuel Joaquim, Emídio Graça, Polido e Faustino. O técnico Fernando Vaz levara a equipa à 1ª Divisão e, em entrevista a O Setubalense, de 25 de Julho, dizia: "Devo aos jogadores mais que um simples aceno de simpatia, devo-lhes o respeito pelo esforço generoso que realizaram". Simultaneamente, o Presidente da Direcção, Virgílio Saraiva Fernandes, informava que os associados eram dois milhares e meio, um número que, dizia, "não se ajusta nem às necessidades nem à categoria do Vitória".
O grande dia desse ano de 1962 aproximava-se. Por meados de Agosto, o clube divulgou um comunicado anunciando os preços a serem praticados no novo estádio - para lugares cativos (cuja procura estava a ser grande), uma quota mensal de 30$00 e um cartão anual de 200$00; para o topo sul, a quota era de 15$00 mensais.
Finalmente, no dia 16 de Setembro, a cidade vestia-se de verde-branco para inaugurar o estádio, com a presença do Presidente da República, Américo Tomás, e dos ministros das Obras Públicas, Arantes Oliveira, e da Educação Nacional, Lopes de Oliveira. "Mais de 300 mastros com bandeiras davam um ar verdadeiramente de festa, naquele estádio, cuja grandeza é a prova mais evidente do bairrismo de todos os vitorianos", escrevia O Setubalense do dia seguinte. O festival de inauguração rendeu cerca de 200 contos e, no desfile, participaram cerca de milhar e meio de atletas de vários clubes, destacando-se os da região, como Clube de Amadores de Pesca de Setúbal, Clube de Futebol "Os Sadinos", Clube Naval Setubalense, Grupo Desportivo de Palhavã, Clube Boavista de Setúbal, Grupo Desportivo Setubalense "Os 13", Juventude Azeitonense, Palmelense Futebol Clube, Comércio e Indústria e as secções do Vitória, além de agremiações nacionais como o Sporting, o Benfica, o Porto, o Farense e o Olhanense, encerrando com "um grupo constituído pelo respectivo empreiteiro e todos os operários que construíram o estádio".
O jogo da inauguração pôs frente a frente a equipa vitoriana e a Académica, tendo o visitante vencido a partida por 1-0, com golo marcado por Jorge no segundo minuto do encontro. "Não foi a equipa da casa que venceu o jogo da inauguração", escrevia O Setubalense. A desforra vitoriana aconteceria poucos anos depois, quando, no final da "Taça de Portugal" de 1966/67, os setubalenses venceram a Académica por 3-2, assim se sagrando vencedores da "Taça" pela segunda vez.
in Histórias da região de Setúbal e Arrábida
(Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003)
[foto: António Cunha Bento]

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