quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto IV

* “Como a estaca de madeira que marca um limite importante, a lucidez é uma qualidade que modera os movimentos.” (est. 3)
* “O desespero vê, no metro quadrado onde está, o metro quadrado que tem ao seu dispor; o de olhos optimistas vê, do metro quadrado onde está, o restante mundo, o vasto mundo.” (est. 14)
* “Um fracasso excelente produz inumeráveis formas de um homem se levantar.” (est. 22)
* “A mulher é certamente um elemento humano fora do comum: as casas só não envelhecem porque ela existe. Um cuidado feminino suporta a construção (como o cimento). Uma casa só não cai, se dentro dela existir alguma delicadeza.” (est. 27)
* “Os caixões existem porque são requisitados, e em tempo de guerra o número de pedidos transforma a própria terra num caixão natural.” (est. 36)
* “Todos os vencidos amaldiçoam a guerra, mas os vencedores sensatos também. (…) A conclusão é evidente: a guerra foi inventada por insensatos ou distraídos.” (est. 44)
* “A vida é um objecto rudimentar, tosco, disforme, que nunca os homens entenderam como agarrar. Ainda nem sequer perceberam qual o lado de cima desse estranho objecto. Ainda mal pousaste as mãos sobre a vida e já a vida pousou fortemente as mãos sobre ti.” (est. 50)
* “As folhas caem das árvores altas mais lentamente que um avião, de bem mais alto, num desastre.” (est. 53)
* “Um homem quando dorme está mais próximo da astronomia que da sua cama propriamente dita.” (est. 67)
* “Em qualquer ponto do mundo a velhice mete dó, mas a compaixão provocada nos outros varia de acordo com o hemisfério.” (est. 71)
* “Para deixar de sentir frio não basta olhar para o céu ou para a fotografia de um incêndio: o Inverno prossegue e é independente do local para onde direccionamos os olhos.” (est. 75)
* “Deve chegar-se cansado ao sítio onde se quer envelhecer, pois se chegarmos fortes ainda, e impacientes, arrancaremos de novo. E falharemos o destino.” (est. 80)
* “Um homem não conhece a sua verdadeira ambição até passar por uma tragédia forte, uma tragédia individual. Só se sabe olhar, depois de se aprender.” (est. 97)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

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