O desafio lançado aos poetas da Casa da Poesia de Setúbal para colaborarem neste Entre a Poesia e a Vida - No Centenário de Sebastião da Gama passou por uma recomendação, ainda que não de cumprimento obrigatório: a inclusão de um verso do homenageado nos poemas apresentados. Assim, na quase totalidade dos poemas, há um verso emprestado pelos poemas de Sebastião da Gama, que, propositadamente, não surge assinalado de forma diferente do restante texto, para que se integre e continue a gerar poesia.
Todos os autores tiveram, assim, de se cruzar com Sebastião da Gama e de dele trazerem figuras, temas, recortes ou jogos de palavras — a necessidade da contemplação (que pode ser de um momento), o silêncio que ajuda a descobrir, o poeta como perscrutador, a presença do mar, a força da Natureza, o sonho, a espiritualidade da Arrábida, a força dos sentidos, a alegria do céu e do sol, o amor, o efeito do tempo, a procura da poesia, a condição humana...
Do leque de participantes fazem parte: António Canteiro (poeta convidado, que já foi vencedor dos Prémios Sebastião da Gama, em 2013, e Bocage, em 2018), com um poema em torno da atitude do poeta como sujeito de espera; Alexandrina Pereira e o papel do poeta (“Eles chegaram / vestidos de letras, / nas mãos um livro... / No olhar um sonho... / Os Poetas!”); Ana Netto e o equilíbrio com o mundo (“Se eu tivesse capacidade e inteligência / ... / iria partilhá-la com profunda clemência / ... / onde a onda de fazer melhor é consciência”); António Calado e a força e diversidade da Natureza (“No meu pouso já uma brisa fresca me invade, / mas fico mais um pouco meditando: // Como é bela e tranquila a natureza que contemplo!”); António Jacob Lopes, olhando o amor entre o desejo e a decepção (“Assim, quando concluímos, com dor, / que o nosso amor foi história sem beleza, / temos a certeza... não foi amor!”); Arnaldo Ruaz, reflectindo, por vezes com ironia, sobre a humana condição (“O homem vive a sonhar / em sonhos não se contém / e sonha que há de voar / só com a guita que tem...”); Bento Passinhas e a origem azeitonense do poeta (“Quando em Azeitão nasceu / o mundo em nada mudou / mas a terra enriqueceu / com o filho que abraçou.”); Eduarda Gonçalves e a energia da palavra (“Ficam palavras por aí / como clarins em festa. / ... / Elas hão-de apagar todos os silêncios.”); Isabel Melo e a fragilidade humana (“Reparo num ápice então / que o meu barro não é normal, / pois se Ele simplesmente quiser / não sou eu apenas eu, / mas o barro de que a vida me fizer.”), tema que é também de Linda Neto (“A falhar, tanto rico ou pobre / e sempre no meio dos demais, / que por mais que se desdobre / somos simples corpos humanos... banais.”); José-António Chocolate e o romance captado através da janela (“A janela aberta e a luz da lua / numa visita secreta e enamorada, / passos escondidos nas esquinas da rua, / o beijo roubado que pousa na vidraça.”); José Raposo e a mística do pôr-do-sol (“Todos os dias partes / sem dizer adeus / em silêncio te afastas / sem te despedires / ... / A tarde triste chora / pedindo à manhã / que te traga de volta”); Maria Celeste Gomes e expressão do eu (“Hoje o meu céu está cheio de nuvens / e o meu mar repleto de ondas. / Preciso de ficar a observá-las! / Já não me metem medo. / Já lhes consigo ver a beleza.”); Maria Helena Barata e a paixão pela paz da Arrábida (“Subi ao cimo da Serra / e não encontrei / queixumes, lágrimas, desgraças.”); Maurícia Teles e a evocação da serenidade estremocense do poeta (“Mora no largo soalheiro / o par ideal, anagrama de amor, / sobre a muralha o olhar pinta de verde / Alentejo, searas e vinhas”); Paulo Reis Simões e o fascínio da serra como ponto de entendimento do poeta consigo (“Arrábida, onde sem me perder me encontro.”). Dignos de atenção são também os desenhos assinados por Dália Vale Rego, retratos em tinta-da-china sobre o poeta, e os motivos e locais arrábidos que lhe trouxeram a poesia.
Pelas páginas desta antologia passa o duplo gosto de ler todos os que contribuíram para este livro e de sentir que Sebastião da Gama foi inspirador!
* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1310, 2024-05-29, pg. 10.
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