domingo, 30 de novembro de 2014
sábado, 29 de novembro de 2014
O cante alentejano, com parabéns e uma memória através dos "Ausentes do Alentejo"
O
cante alentejano integra o património imaterial da Humanidade desde anteontem,
27 de Novembro, conforme decisão divulgada pela UNESCO em Paris. Uma homenagem
à genuinidade, ao saber, ao património cultural de Portugal, chegado pela toada
alentejana. Com regozijo, com parabéns!
Recordo-me
de o ter ouvido, quase de repente, quando, em 1986, vivi em Beja e pela região
dei umas voltas. Aprendi a gostar do Alentejo (que mal conhecia) e convivi com
pessoas extraordinárias. Cinco anos depois, numa colaboração com o diário Público, noticiei sobre a existência do
grupo “Ausentes do Alentejo”, constituído em Palmela. Gostei de ter conhecido o
grupo e da forma como falaram do “seu” Alentejo. A peça saiu na edição de 30 de
Março de 1991, na página 35. Por lá passam as saudades e as marcas da terra, o
bulir e o cantar da terra, uma forma própria de ser. Também se falou do cante
alentejano.
Em jeito de lembrança – ou será de homenagem? – do que
fui aprendendo sobre este património e sobre o Alentejo e em jeito de saudação
ao grupo “Ausentes do Alentejo”, reproduzo o texto. Apenas uma errata: o
segundo parágrafo da segunda coluna foi amputado por lapso técnico, omitindo o
resto do texto e escondendo o sentido – aqui fica a correcção, à maneira de
adenda: «Mas a boca acabará por lhe fugir
para a verdade. “O grupo vai muitas vezes cantar ao Alentejo e, aí, sinto
saudades por não estar mais tempo a cantar lá.”»
Valter Hugo Mãe: a simplicidade dos afectos
“Reparo
desde pequena que os adultos vivem muito em casais. Mesmo que não sejam óbvios,
porque algumas pessoas têm par mas andam avulsas como as solteiras (…)” Assim
se inicia o recente livro de Valter Hugo Mãe, O Paraíso são os outros (Porto: Porto Editora, 2014).
E
as observações da menina narradora seguem o caminho da visão do amor,
acompanhado pelas ilustrações de Esgar Acelerado. A primeira frase convida-nos
para a seguinte, a seguinte, a seguinte. E cada uma delas revela-se pela beleza
da simplicidade, mostra-se repleta de sentido, dá um contributo para que o amor
se apresente, ondule nos gestos de vida. Um livro bonito sobre os afectos,
sobre a simplicidade dos afectos, sobre a vitória dos afectos. Entusiasma!
Sublinhados
Amar – “As pessoas que amam estão sempre com ar de urgência, porque têm
saudades quando não estão acompanhadas e sentem uma euforia bonita quando estão
juntas.”
Amor – “O amor é um sentimento que não obedece nem se garante. Precisa de
sorte e, depois, de empenho. Precisa de respeito. Respeito é saber deixar que
todos tenham vez. Ninguém pode ser esquecido.”
Feio – “Ser feio é complexo e pode ser apenas um problema de quem observa.”
Esperança – “A esperança parece inventada pela espera.”
Tristeza – “[A tristeza] é como algo descartável. Precisamos
de usar mas não é bom ficar guardada.”
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Valter Hugo Mãe
sexta-feira, 28 de novembro de 2014
Grandes entrevistas da História, com o "Expresso" (3)
Seis
políticos, um cientista e três artistas constituem o leque de conversadores no
quarto volume de Grandes Entrevistas da
História (em publicação pelo semanário Expresso), cujas peças jornalísticas foram publicadas entre 1952 e 1970:
António de Oliveira Salazar (Christine Garnier, Férias com Salazar, 1952), Albert Einstein (Bernardo Cohen, Scientific American Magazine, Julho de
1955), Alfred Hitchcock (Pete Martin, The
Saturday Evening Post, 27-07-1957), Humberto Delgado (Artur Inez, República, 10-05-1958), Salvador Dalí
(Ana Nadal de Sanjúan, La Vanguardia,
19-11-1958), Fidel Castro (Clark Hewitt Galloway, U.S. News & World Report, 1959), Francisco Franco (Luis de
Galinsoga, La Vanguardia,
01-10-1959), Norman Mailer (Eve Auchincloss e Nancy Lybch, Mademoiselle, Fevereiro de 1961), Nelson Mandela (Brian Widlake,
Independent Television News, Maio de 1961) e John F. Kennedy (Aleksei Adzhubei,
Izvestia, 25-11-1961).
Os
dois políticos portugueses, rivais, foram entrevistados com seis anos de
diferença. A conversa com Salazar teve lugar em Santa Comba Dão e é extraída do
final de obra publicada em França e em Portugal, que permitiu a sugestão de um
romance entre o político e a jornalista Garnier. Comentando a visitante que de
Portugal levava uma imagem de “excessiva calma”, de “entorpecimento”, Salazar
responde: “Essa calma que a impressiona é intencional. Aplicamo-nos em
protegê-la contra tudo o que a possa ferir, o que não impede o povo português,
que não é inconsciente nem indiferente, de estar atento aos acontecimentos
mundiais. (…) Considero esta calma como uma das características do povo
português na época actual. A outra, é uma forte tendência para o humanismo.” Ao
longo da conversa, Salazar vai passando uma imagem rústica e de relativa
suavidade do povo português, de tal forma que Christine Garnier é levada a
comentar: “Tal como os apresenta, Sr. Presidente, os portugueses parecem
bastante maleáveis.” Esta observação servirá ao político para expor a relação
dos lusitanos com a autoridade e com a obediência: “Só têm com a autoridade
relações baseadas na desconfiança. A obediência é mais receosa que cívica e
sempre discutida.” A questão do medo vai estar presente também na entrevista de
Humberto Delgado, publicada um mês antes das eleições presidenciais cujos
resultados exactos nunca se saberão e em que o general foi vencido. À pergunta,
no final da entrevista, se tinha “mais alguma coisa a declarar ao país” o então
candidato a presidente respondeu: “Sim. Que o país deixe de ter medo.” Já ao
longo da conversa tinha criticado o regime vigente em Portugal, dizendo: “A
Nação asfixiada, mutilada no que de mais belo Deus gerou – a alma dos homens –
arrasta-se ignominiosamente brincando às eleições de quando em quando, numa
soturna apatia, (…) escondendo dos países sob regime democrático o absolutismo
em que nós vivemos sob o título jocoso e insultivo de ditadura paternal.” A
solução política que defendia era a de uma democracia para Portugal, porque
pensava ser ela, “adentro das imperfeições dos homens, o melhor compromisso
para viver com dignidade e felicidade”. Nunca o general Delgado iria ver esse
seu desejo cumprido no seu país, porquanto, em meados de Fevereiro de 1965,
próximo de Badajoz, foi assassinado.
Outros
dois entrevistados rivais na política, embora de países diferentes, são Fidel
Castro e John Kennedy. A peça que nos traz a mensagem do presidente cubano mostra-nos
uma personagem que balança no jogo para impressionar os Estados Unidos, insistindo
não ser comunista, bem como outros países de onde possa chegar capital. Por
outro lado, vai contornando aquelas que poderiam ser questões mais problemáticas,
como a possível oferta de produtos a Cuba por parte de países comunistas ou a
base naval americana de Guantánamo… Datada de cerca de dois anos depois da de
Castro, a entrevista Kennedy é feita por um jornalista da União Soviética que
era mais do que jornalista – a política, a militância partidária, o
relacionamento familiar com dirigentes soviéticos, eis os ingredientes que
formavam a personalidade de Adzhubei, o entrevistador, que se assume muito mais
como um emissário dos pontos de vista do seu país até ao ponto de discordar das
opiniões do político americano ou de lhe dizer: “Gostaríamos muito que o Sr.
Presidente declarasse que a ingerência nos assuntos de Cuba foi um erro.” Pelo
meio, houve as referências ao relacionamento entre as duas potências, à questão
da Alemanha e de Berlim, à questão da NATO, com as derradeiras palavras de
Kennedy a desejar que a entrevista pudesse contribuir “para melhorar o
entendimento e para a paz”, sobretudo no interesse de ambas as frentes.
Em
1959, Franco, em Espanha, tinha como preocupações as dificuldades do povo
espanhol e a recuperação que estava a ser feita, a luta contra o comunismo e a
união da Europa “contra os perigos” que a ameaçavam. Muito embora a questão da
União Soviética ocupe a maior parte da entrevista, é no final que Franco fala
do esforço que o seu país está a fazer e dos resultados que estão a ser obtidos
no plano do aumento da produção nas áreas da indústria e da agricultura.
O
outro político entrevistado neste volume é Mandela, naquela que foi a sua
primeira entrevista a um canal de televisão internacional e também a última
entrevista que deu antes de ser preso. A conversa é curta e tem como linhas
orientadoras a exigência do sufrágio universal, a convivialidade rácica, a
possibilidade de organização de campanhas de não-cooperação e termina com uma
questão: “Creio que chegou a hora de nos perguntarmos, à luz das nossas
experiências (…), se os métodos utilizados até agora são os mais adequados”.
Uma dúvida que respondia à pergunta sobre a possibilidade de ocorrerem na África
do Sul actos de violência por parte do Congresso Nacional Africano, que, até
ali, promovia campanhas de resistência pacífica.
O
cinema e os recursos que usa são o tema da conversa com Hitchcock, um
realizador cheio de imaginação e de humor. O que diz sobre os seus filmes é uma
chave para um novo visionamento, tão calculadas são as situações e os métodos: “O
segredo está no modo de articular a história. No meu caso, cada fragmento e
cada situação da obra têm de estar planeados e decididos antes de começar a
rodagem. Às vezes, planifico mais de seiscentas posições para a câmara antes de
começar a filmar. Se tentasse improvisar uma estrutura para o enredo à medida
que avançamos, não conseguiria os efeitos nem as reacções que pretendo.” De
reacções e efeitos se fala também na entrevista com outro artista, o pintor
espanhol Dalí. A jornalista antecipa na apresentação que “em Dalí tudo é pose,
excepto o lado temperamental”. O diálogo comprovará a apreciação: “A única
coisa que me interessa é que falem de mim”, afirma, considerando-se “o maior
génio deste século”. E conta uma situação que comprova até à exaustão essa
necessidade de se saber falado: “Tenho agentes em vários pontos de Espanha e do
estrangeiro que recolhem tudo o que é publicado sobre mim. Enviam-mo e, quando
recebo os envelopes, consigo perceber se as coisas correm bem ou mal. Quanto
mais pesados e mais volumosos, mais propaganda contêm. Digo isto porque os
atiro para a lareira sem os abrir.” O terceiro artista é escritor, Norman
Mailer, que se assume na sua diferença de estilo e de forma de intervir, que se
assume como “extremista”, ora falando da sua obra, ora da política. Ao
autocaracterizar-se relativamente aos outros homens, diz: “Sou menos forte,
mais inquieto, mais decidido, mais inepto, tenho mais sucesso. Não gosto de mim
o suficiente para me deixar levar pelos meus instintos como deveria.”
A
entrevista de Einstein foi a última que deu, tendo ocorrido duas semanas antes
da sua morte, embora só tenha sido publicada posteriomente. Entendendo a
dificuldade do jornalista para formular a primeira pergunta, o cientista
confessa: “Há tantos problemas para resolver no campo da Física.. Há tantas
coisas que não sabemos… As nossas teorias estão muito longe de ser suficientes.”
Fala da importância de outros cientistas, como Newton ou Benjamin Franklin, sob
o pretexto do conhecimento e do saber do entrevistador, chegando a confessar
que “quem pior documenta a forma como se realizam as descobertas é o próprio
descobridor”, pois “sempre se tinha considerado a si próprio uma má fonte de
informação sobre a génese das suas ideias.” No final da conversa, Einstein
ainda vai mostrar a Cohen a experiência para provar o princípio da equivalência
a partir de uma oferta que lhe fizera um amigo, Eric Rogers. E o visitante sai
comovido desta conversa pela afabilidade e simplicidade que Einstein
demonstrara.
Sublinhados
Ciência – “A História é menos objectiva do que a Ciência. Por
exemplo, se dois homens tivessem de estudar o mesmo tema histórico, cada um
destacaria o aspecto que mais lhe interessa ou chama a atenção.” [Albert
Einstein. Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific
American Magazine (Julho de 1955). Grandes
Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 30]
Coragem – “A coragem é algo que implica um enorme risco, sem
se ter a certeza de que se vai sair vitorioso.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve
Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle
(Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História
1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 106]
Democracia – “Adentro das imperfeições dos homens, penso que a
Democracia é o melhor compromisso para viver com dignidade e felicidade.” [Humberto
Delgado. Entrevista a Artur Inez, em República
(10 de Maio de 1958). Grandes Entrevistas
da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 58]
Vaidade – “Quem afirma que não é vaidoso demonstra também uma
forma de vaidade, ao orgulhar-se da sua declaração.” [Albert Einstein.
Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific
American Magazine (Julho de 1955). Grandes
Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 32]
Vontade – “A vontade sem ternura é uma das coisas mais
perigosas do mundo. A vontade sem a capacidade de reconhecer nada para além da
própria vontade é algo que deve ser erradicado.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve
Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle
(Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História
1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 107]
[Com a próxima edição do Expresso sai o volume 5 desta obra]
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Para a agenda - Edição em Portugal nos anos de Salazar
"Os livros, os editores e os livreiros nos anos da ditadura de Salazar" é o título da conferência de Nuno Medeiros, estudioso na área da edição em Portugal, com trabalho publicado e premiado. Organização do Centro de Estudos Bocageanos, na Casa da Cultura, em Setúbal, em 29 de Novembro. Para a agenda.
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terça-feira, 25 de novembro de 2014
Para a agenda - António Rego, em Setúbal
Mais uma actividade da Culsete, em Setúbal. A apresentação de "Eterno Agora", de António Rego, com a leitura de Artur Goulart. Em 29 de Novembro, pelas 16h00. Para a agenda!
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Para a agenda - Fernando Pessoa em Setúbal
Fernando Pessoa em Setúbal, pela mão de Synapsis. No Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, em 28 de Novembro, pelas 21h30. Sessão animada por António Marrachinho, Sara Loureiro e Filipe Faustino. E por Pessoa, claro! Para a agenda!
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Para a agenda - Casas religiosas em Setúbal e Azeitão
Um colóquio que promete ser bem interessante! "Casas religiosas de Setúbal e Azeitão" ocorrerá de 26 a 28 de Novembro, numa organização da LASA (Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão). Um programa bem diversificado. Para a agenda!
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sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Para a agenda - Eduardo Paz Ferreira, Soromenho-Marques e Pinto Ribeiro
Mais uma tarde com a chancela da Culsete, em Setúbal. Um livro - Da Europa de Schuman à não Europa de Merkel - e um trio de luxo - Eduardo Paz Ferreira, o autor, Viriato Soromenho-Marques e José António Pinto Ribeiro. No sábado, às 16h00. Para a agenda.
Para a agenda - Natal na Baixa, Natal em Setúbal
A animação na "baixa" de Setúbal por ocasião do Natal. A partir de 22 de Novembro. Um Natal em Setúbal, um Natal na Baixa. Para a agenda.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Para a agenda - Carlos Santana e fotografia
Até 7 de Dezembro, a fotografia de Carlos Santana ainda estará disponível para ser vista. Reexposição. Para a agenda.
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Grandes entrevistas da História, com o "Expresso" (2)
Constituem
o terceiro volume da obra Grandes
Entrevistas da História (Lisboa: “Expresso”, 2014, em publicação) as
entrevistas feitas no período 1931-1951 a George Bernard Shaw (Hayden Church, Liberty, 07-02-1931), Al Capone
(Cornelius Vanderbilt Jr., Liberty,
17-10-1931), Adolf Hitler (George Sylvester Viereck, Liberty, 07-1932), Josef Estaline (H. G. Wells, The New Statesman and Nation,
27-10-1934), Fernando Pessoa (Artur Portela, Diário de Lisboa, 14-12-1934), Federico García Lorca (Luis Bagaría,
El Sol, 10-06-1936), Mao Tsé-Tung
(James Munro Bertram, Jiefang Ribao,
23-11-1937), Walt Disney (S. J. Woolf, The
New York Times, 10-07-1938), Mahatma Gandhi (H. N. Brailsford, Harijan, 14-04-1946) e Egas Moniz
(Armindo Blanco, O Século Ilustrado,
05-11-1949).
Se
começarmos pelos entrevistados portugueses, veremos que Egas Moniz, tendo tido
a atribuição do Nobel da Medicina em 27 de Outubro, era o homem do momento – só
tinham passado nove dias até à publicação da entrevista e, além disso, era o
primeiro português nobelizado, ponto cimeiro de um percurso que já tinha levado
o nome deste médico a ser proposto para o galardão noutras ocasiões. Nesta fase
da sua vida, aos 75 anos, o entrevistador deixa-se entusiasmar com o ritmo de
vida do seu interlocutor, entre as consultas públicas e privadas, a escrita, a
investigação, a ida ao cinema e a leitura, simultaneidade que conduzirá à
questão do tempo e à explicação: “É necessário colocar um pouco de método nos
nossos hábitos, para que o excesso de tempo de que dispomos possa dar para
tudo.” O outro português da lista é Fernando Pessoa, numa curta conversa que
sucedeu à publicação da sua única obra em português editada em vida, Mensagem, que tinha acontecido em 1 de
Dezembro de 1934, duas semanas antes da divulgação da entrevista. A rápida
conversa de Pessoa com Artur Portela no “Martinho da Arcada” evidencia a
capacidade descritiva do jornalista e a enigmática personagem que o poeta é. O
texto inicia-se com o retrato do entrevistado: “A calva socrática, os olhos de
corvo de Edgar Poe, e um bigode risível, chaplinesco – eis a traços tão fortes
como precisos a máscara de Fernando Pessoa.” Tal entrada será porventura o eco
das próprias respostas do escritor, com uma dose de mistério apreciável, talvez
na linha do “fingimento”: sobre Mensagem,
dirá que “é um livro escrito em mim há muito tempo”; sobre a sua escrita,
reflectirá que tem “várias maneiras de escrever, nunca uma”. O resultado sobre
Portela é uma apresentação de Pessoa como um poeta que fala “como as cavernas,
com boca de mistério”, e que, no final, “desaparece à nossa vista, num céu
constelado de enigmas e de belas imagens”.
Mais
dois escritores povoam este grupo de entrevistados: Shaw e Lorca. Nos seus 75
anos, o escritor irlandês fala sobre a sua obra e as leituras dela feitas e
sobre a sociedade, não escondendo a sua veia de crítico social que também foi e
o seu tom humorístico, dando, por vezes, a volta às perguntas. Quando inquirido
sobre o futuro económico da Inglaterra, interroga-se se “conseguirá a
civilização safar-se” e responde: “A lista de civilizações extintas está sempre
a aumentar, tal como a lista de estrelas escuras descobertas pelos astrónomos.
Qualquer estudioso do tema sabe que a estabilidade de uma civilização depende,
em última instância, da sabedoria com que esta partilha a sua riqueza e
distribui a carga de trabalho, bem como da veracidade da educação que ministra
às crianças.” No final da entrevista, a propósito de pergunta sobre a razão de
ser das “recentes derrotas que as mulheres infligem aos homens em todas as
frentes”, espanta-se com a surpresa, considera a mulher tão apta e inteligente
para lidar com qualquer máquina como o homem e desafia: “Se consultar os
jornais de ontem, verá que várias mulheres tiveram filhos sem a ajuda de
qualquer máquina. Mostre-me um homem que tenha levado a cabo uma proeza tão
assombrosa e árdua e sentar-me-ei a debater consigo com toda a seriedade o
significado de tamanho triunfo.” Já a entrevista de García Lorca é sobretudo
uma conversa entre dois poetas, ambos tratando-se por “tu”, ambos recorrendo a
uma linguagem metafórica, mais do domínio da poesia, chegando-se ao ponto de, a
meio da entrevista, o rumo da conversa mudar e passar Lorca a entrevistador e
Bagaría a entrevistado. No decurso, fala-se da construção poética, do papel da
poesia, do afecto à Espanha, de música e do canto cigano, da literatura
espanhola (em que Lorca manifesta admiração por Antonio Machado e por Ramón
Jimenez). Cerca de dois meses depois desta publicação, em 18 de Agosto, o poeta
granadino terá sido fuzilado.
Ainda
no campo das artes, surge a voz de Walt Disney, que, aos 37 anos, era já um nome
de sucesso no mundo do cinema (depois de ter distribuído jornais, de ter sido
carteiro, de ter conduzido ambulâncias da Cruz Vermelha na Grande Guerra, de
ter trabalhado em publicidade), respondendo a uma questão sobre “o que é a
arte” de forma quase desconcertante: “O que é a arte? Eu sei lá! Somos apenas
produtores cinematográficos. O nosso objectivo é divertir. Se conseguimos,
sentimos que cumprimos o nosso objectivo e, se o público gosta do que
mostramos, simplesmente erguemos os polegares e consideramo-nos afortunados.” O
que estava em causa para Disney era a capacidade de aliar a engenharia e a
comoção: “Se o homem o conseguir fazer, será um artista, mas, se não souber
desenhar, se não conhecer a gramática da sua arte, não acredito que consiga
expressar a sua emoção.”
A
figura de Al Capone, chefe de organização criminosa, convive nesta mesa de
entrevistados através da entrevista que saiu a público justamente no dia em que
foi julgado e condenado a onze anos de prisão. O discurso do entrevistado
assume-se como um discurso político, apelando à abertura “dos cordões à bolsa”
porque eram necessários “fundos para combater a fome”. E o jornalista vai-se
surpreendendo de intervenção em intervenção. “Nos dias que correm, as pessoas
não respeitam nada. Antes, púnhamos num pedestal a virtude, a honra, a verdade
e a lei. Veja só o caos em que transformámos a nossa vida!”. E mais adiante:
“Todas as nossas principais prioridades estão invertidas. Os banqueiros
corruptos que aceitam o dinheiro dos clientes, que estes ganham com o suor do
rosto, em troca de acções que sabem não ter valor seriam inquilinos muito mais
adequados das instituições penitenciárias do que o pobre homem que rouba para
alimentar a mulher e os filhos.” Tal candura e tal convicção vão adensando a
entrevista ao ponto de o seu remate ser tão solitário quanto isto: “A porta de
ferro do gabinete fechou-se. A minha entrevista mais surpreendente de sempre
chegou ao fim.” Quase fica Vanderbilt sem palavras…
Os
quatro restantes entrevistados são oriundos do mundo da política: Josef Estaline,
Mao Tsé-Tung, Adolf Hitler e Mahatma Gandhi. No caso dos dois primeiros, o
discurso não deixa que os jornalistas atravessem as muralhas que blindam os
entrevistados; na mente dos entrevistadores ficam admirações e uma adesão à
figura com quem acabaram de falar. H. G. Wells manifestará mesmo a Estaline um
agradecimento no final da entrevista, declarando: “Actualmente, só existem dois
homens no mundo cujas opiniões, cujas palavras merecem a atenção de milhões de
pessoas: o senhor e Roosevelt.” Mas, logo a seguir, usa alguma cautela, dizendo
a Estaline: “Ainda não pude apreciar o que fizeram no seu país, porque acabei
de chegar ontem. Mas já tive ocasião de ver rostos felizes de homens e mulheres
saudáveis e estou convencido de que aqui está a acontecer algo de proporções
consideráveis.” Wells completamente rendido a Estaline! Com a entrevista de Mao
acontece um pouco a mesma coisa: estando num menos bom momento político, o
chefe chinês não sai do domínio da política e tenta justificar toda a sua acção
e contra-atacar os adversários, fortemente apoiado pela explicação do que se
passa no seu país e do modo de funcionamento da política e das instituições.
Semelhante fascínio exerceu Hitler sobre Viereck, que, regressado aos Estados
Unidos, tornou-se militante pró-alemão e chegou a ser activista da Alemanha
nazi. Refugiando-se num discurso anti-marxista e profundamente germânico,
Hitler defende os seus ideais e chega a encolerizar-se – “As veias da fronte de
Hitler incharam ameaçadoramente. A sua voz enchia a divisão” foi o registo
final do jornalista. Pelo caminho, muitos apelos, condensados num só: “Queremos
uma grande Alemanha que unifique todas as tribos germânicas. (…) É imperativo
despertar o espírito alemão. (…) Na minha visão do Estado alemão, não haverá
lugar para o estrangeiro, o esbanjador, o agiota ou o especulador, nem para
ninguém que seja incapaz de levar a cabo um trabalho produtivo.” Já a
entrevista de Gandhi é a procura de consenso, uma busca de entendimento com a
Grã-Bretanha para que a Índia seguisse o seu caminho: “Quando a Índia desfrutar
do calor da independência, provavelmente aderirá a um acordo [de carácter
defensivo], de livre e espontânea vontade. A amizade espontânea entre a
Grã-Bretanha e a Índia estender-se-ia então a outras potências e entre todas
manteriam o equilíbrio, visto que apenas elas deteriam a força moral para o
fazer. Desejaria viver mais vinte e cinco anos para ver esta visão tornar-se
realidade.” Infelizmente, assim não aconteceu e, ainda não eram passados dois
anos sobre esta entrevista, em Janeiro de 1948, um extremista hindu assassinou
Gandhi.
Entrevistas
de formas de ser, de análises pessoais, de disfarce, de sonhos, de afirmação
perante os outros, de sedução perante os jornalistas, independentemente da sua
experiência, de tudo acontece neste lote de dez momentos em que o jornalismo se
encontrou com a História e em que o mundo foi sendo construído…
Sublinhados
Audácia – “Quando alguém se propõe ir além do poder, tem de o
fazer com audácia.” [Mahatma Gandhi. Entrevista a H. N. Brailsford, em Harijan (14-04-1946). Grandes Entrevistas da História 1931-1951.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 106]
Personagem – “Só a História dirá até que ponto foi importante
esta personagem ou aquela.” [Josef Estaline. Entrevista a H. G. Wells, em The New Statesman and Nation (27-10-1934).
Grandes
Entrevistas da História 1931-1951.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 50]
[com a edição do próximo sábado do Expresso, o nº 4 desta obra]
terça-feira, 18 de novembro de 2014
Rostos (195)
James Joyce, em Dublin
Anda a gente pelas ruas de Dublin e... eis que encontra Joyce, o de Ulisses ou de Gente de Dublin. Um dos mais importantes escritores universais, um dos grandes escritores irlandeses.
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Grandes entrevistas da História, com o "Expresso" (1)
A
obra Grandes Entrevistas da História,
que o semanário Expresso começou a
publicar no início de Novembro e que é constituída por sete volumes, torna-se
interessante a vários títulos: pelo período histórico abrangido (desde 1865),
pelos testemunhos que traz até ao leitor de hoje, por se poder assistir ao que
foi a história do género jornalístico que é a entrevista, por entrarmos na
esfera de convivência de diversas personalidades hoje consideradas referências
para a Humanidade, por não faltarem alguns nomes representativos portugueses
(seja como entrevistados, seja como entrevistadores). Para lá do que cada entrevista
possa transmitir como mensagem, o leitor é levado a abordá-las diacronicamente
e na sua relação com a História, uma vez que todas são antecedidas de um texto
introdutório, que contextualiza o momento da entrevista e os antecedentes
relativos ao entrevistado, e de um epílogo, que informa sobre o que foi o
futuro dessas mesmas personagens ou sobre as consequências do que foi dito na
entrevista.
É
assim que, no primeiro volume, apanhando o período entre 1865 e 1899,
convivemos com as ideias de Abraham Lincoln (Goldwin Smith, Macmillan’s Magazine, 07-02-1865), Karl
Marx (R. Landor, The New York World,
18-07-1871), D. Pedro II (pelo correspondente do The New York Herald, 1871), Louis Pasteur (D’Alberty, em M. Pasteur & la Rage, 1882),
Theodore Roosevelt (pelo correspondente do The
Pall Mall Gazette, 09-12-1886), Thomas Edison (R. H. Sherard, The Pall Mall Gazette, 19-08-1889), Mark
Twain (Rudyard Kipling, From Sea to Sea,
1889), Papa Leão XIII (Séverine, Le
Figaro, 03-08-1892) e Nikola Tesla (S. E. Solly, The New York Herald, 12-11-1899).
Parte
significativa destas entrevistas impressiona pela imagem que os entrevistados
deixam nos entrevistadores, constituindo o corpo dessas entrevistas pouco mais
do que isso mesmo – o autor do texto vai partilhando algumas respostas, mais
excertos de conversa do que entrevista como a concebemos hoje, e vai construindo
o retrato do entrevistado.
Por
este palco passam políticos e dirigentes como Lincoln, Marx, D. Pedro II,
Roosevelt e o Papa Leão XIII, sempre advindo deles uma imagem forte. É assim
que Smith conclui o seu texto sobre o presidente Lincoln dizendo: “Poderá ou
não ser um grande homem, mas, pelo menos, é um homem honesto e responsável. A
sua reeleição era desejável, não só pelo bem do seu país, mas também pela paz
no mundo. Já na entrevista a Marx, assinada por Landor, efectuada quando o
filósofo era líder da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores) e quando
estava candente a questão da Comuna de Paris, nos passa a imagem de um chefe em
posição confortável que impressiona fortemente o entrevistador, levando-o a
deixar uma leitura para o mundo – “Expus aqui, tanto quanto a minha memória mo
permitiu, os momentos mais importantes da minha conversa com este homem
notável. Deixarei que o leitor tire as suas próprias conclusões. Por muito que
se possa dizer a favor ou contra a possibilidade da sua participação no
movimento da Comuna, podemos ter a certeza de que a Associação Internacional é
um novo poder no seio do mundo civilizado com o qual este muito em breve terá
de ajustar contas, para o bem ou para o mal.” Mais parca em ideias sobre o
entrevistado é a intervenção do correspondente do The New York Herald quando
entrevista D. Pedro II – a conversa é frugal, quase de acaso, e, mesmo assim, o
jornalista disponibiliza-se para submeter ao secretário régio o texto a
redigir, visando algumas correcções; todavia, o imperador, que estava em
passeio pelo Egipto, rejeita a oferta e argumenta: “Toda a minha vida foi uma
constante entrevista e, consequentemente, nunca digo nada que não deseje que se
torne público.” Roosevelt apresenta-se como um forte ganhador, analisando
criteriosamente a política e afirmando: “Nós, os norte-americanos, somos
demasiado empreendedores para aceitar restrições”. Leão XIII, o primeiro Papa
entrevistado por uma mulher que se deixa deslumbrar pelo Vaticano, marca pela
sua análise do que é a igreja e pelo destino que sente, enquanto chefe
católico, de conduzir o seu povo para um caminho de “doçura e fraternidade”. A
entrevista surge como uma voz em prol da doutrina social da Igreja. Conte-se o
tempo decorrido entre 1892 e 2014, ano em que um Papa voltou a ser entrevistado
por outra mulher…
Na
área da ciência e dos inventos, a presença é a de Pasteur, Edison e Tesla. De
Louis Pasteur, então na apoteose da carreira, a ideia que ressalta é a da
visita do jornalista ao laboratório onde o investigador pesquisava a vacina
para a raiva, momento em que o entrevistador comenta, depois de assemelhar um
galo a uma coruja, de confrontar as reacções de uma ovelha com as de um macaco:
“Era uma cena impressionante. (…) Se os animais pudessem partilhar o que
pensam, como gostaria de compreender a sua linguagem. Que entrevista fascinante
não faria aos hóspedes do Sr. Pasteur!” Edison é apresentado como um inventor,
de cuja conversa não está ausente a animosidade com Tesla, antevisionando um
futuro em que “fábricas enormes funcionam dia e noite”, numa “luta do homem
contra o metal”. Nikola Tesla é o centro de uma entrevista que gira em torno de
um laboratório, de uma estação experimental; por isso, a primazia dada pelo
autor da peça jornalística vai para a descrição do espaço e de toda a maravilha
com que se confronta, muito mais do que para a conversa. O que estava em causa
no momento era a possibilidade de serem transmitidas mensagens para qualquer
parte do mundo.
Finalmente,
um homem das artes, o autor de aventuras protagonizadas por Huckleberry Finn e
por Tom Sawyer. Mark Twain, escritor entrevistado por outro escritor, Kipling,
fala da sua obra, enfatizando o herói Sawyer – “Ele é todos os meninos que
conheci ou recordo” – e da presença autobiográfica na literatura, no romance,
concluindo a sua entrevista com um discurso sobre a leitura de ciência e sobre
uma abordagem dos factos que justificava a própria literatura – “Primeiro
pegamos nos factos, e depois podemos distorcê-los à vontade”.
O
segundo volume abrange o período temporal entre 1900 e 1930, com entrevistas a
Júlio Verne (Gordon Jones, Temple Bar,
Junho de 1904), Harry Houdini (Edha Ferber, Appleton
Crescent, 23-07-1904), Guglielmo Marconi (Kate Carew, New York Tribune, 14-04-1912), Sacadura Cabral e Gago Coutinho
(Thomaz Ribeiro Colaço, O Dia,
07-06-1922), Marie Curie (Marie Mattingly Meloney, no livro Pierre Curie, 1923), Benito Mussolini
(António Ferro, A Capital,
02-12-1923), Charles Lindbergh (Carlyle MacDonald, The New York Times, 22-05-1927), Georges Clemenceau (George
Sylvester Viereck, Liberty,
07-07-1928), Henry Ford (M. K. Wisehart, Modern
Mechanics, Dezembro de 1929) e Sigmund Freud (George Sylvester Viereck, em Glimpses of the Great, 1930).
Lemos
a entrevista com Júlio Verne, feita um ano antes da sua morte, e percebe-se o
porquê de este continuar a ser um autor de eleição, pelos mundos que imaginou
ou que antecipou, chegando mesmo a confessar, em jeito de explicação e sem
pretensão de superioridade: “O máximo que posso dizer é que talvez tenha olhado
um pouco mais além no futuro do que a maioria daqueles que me criticaram”.
Depois, a entrevista é ainda rica pelo respeito e admiração que consagra aos
outros, seja quando fala de autores já desaparecidos, como Dickens, seja quando
aprecia obras de seus contemporâneos, como H. G. Wells. Ainda no domínio das
artes, é-nos dado seguir alguns passos do ilusionista Harry Houdini, que
impressiona a entrevistadora pela maneira como não explica os seus truques ou
pela forma como se refere à sua família, particularmente aos pais – “nestes
dias de vertigem e loucura e frequente falta de respeito para com os mais
velhos, é agradável ouvir estas palavras da boca de um filho”, escrevia a
jornalista nesse 1904.
No
domínio da ciência, Marconi é o primeiro conversador deste volume,
desenrolando-se a entrevista com fluência e com o registo caricato da presença intimidatória
do secretário do cientista, que desespera por não conseguir controlar a duração
da conversa. No ramo da ciência, há ainda lugar para uma entrevista a Marie
Curie, que deixa que perpasse o seu papel de investigadora, mas também o do contributo
que a ciência tem de dar para uma causa humanitária, veiculando a mensagem de
que os recursos de que o mundo dispõe são de todos os que o habitam. A secção
da ciência fecha com Freud, à data o patrono da psicologia, que chega a ser comparado
com outro grande mestre da ciência: “Freud representa para a psicologia o que
Galileu representou para a astronomia.” E Freud fala das correntes, das
divergências e da sua paixão do momento: “Felizmente, as plantas não têm
temperamento ou complexidades. Adoro as minhas flores. E não me sinto infeliz.
Pelo menos, não mais do que os outros."
À
política chega o leitor pelas palavras de Mussolini, entrevistado pelo
português António Ferro, que se deixa fascinar pelo chefe italiano, inclusive
com a oferta que este lhe faz de uma sua fotografia autografada. Surpreende o
pendor rigoroso do entrevistado, quase contando ao pormenor o tempo disponível
por achar que não tempo a perder: “O deputado, que se limita a repetir o que os
jornais já me disseram, só me faz perder tempo”, dirá. Outro nome da esfera da
política é o de Georges Clemenceau, em entrevista no ano anterior à sua morte,
de 1928. Perguntado sobre o estado geral do mundo e da França, responde,
recorrendo ao seu saber e ao que vira até uma década antes: “As condições serão
satisfatórias enquanto na Europa continental se mantiver o actual equilíbrio de
forças. Se esse equilíbrio for alterado por um renascimento do imperialismo alemão, a Europa ver-se-á mergulhada noutra contenda
generalizada.” Clemenceau não chegou a esse patamar, mas sabia o porquê de o
estar a dizer…”.
Noutro
grupo está Henry Ford, o homem que ligou
a sua memória ao automóvel e à descoberta de regras para cidades e para
práticas do seu tempo. O seu visionarismo torna-se extraordinário, chegando a
idealizar: “Provavelmente, no futuro, o aquecimento nas cidades
norte-americanas será eléctrico. Ou seja,
as nossas casas terão de ser construídas de uma forma diferente, melhor.
Temos de descobrir qual é a melhor forma de as isolar. Desse modo, serão mais
frescas no verão e com um aquecimento mais uniforme no inverno.”
Da
área da navegação aérea e dos feitos grandiosos são os entrevistados Sacadura
Cabral e Gago Coutinho, especialmente o primeiro, já que o segundo, estando presente,
só intervém ocasionalmente. Interessante o pormenor de Sacadura Cabral ter lido
a entrevista previamente e lhe ter acrescentado, por seu punho, muita
informação, sobretudo no respeitante a pormenores da travessia do Atlântico Sul.
O registo da conversa não perde em humor, tendo o jornalista comentado, quando
Sacadura Cabral lamentou uma menor graça nesta travessia por a viagem não ter usado
apenas um avião mas sim três: “Se um globe-trotter desse a volta ao mundo
mudando dez vezes de botas, não deixaria por isso de dar a volta ao mundo. E se
conservasse sempre o mesmo calçado, metade da admiração iria para as botas…” O
outro viajante é Charles Lindbergh, o piloto que fez a primeira viagem sem
escalas entre Nova Iorque e Paris, cujos receios quase minimizou: “Na verdade,
pilotar um bom avião não exige nem de perto a atenção que é necessária para
conduzir um automóvel. Saí de Nova Iorque com quatro sanduíches. Só comi uma e
meia durante a travessia e bebi um pouco de água. Não creio que tivesse tido
tempo de comer mais nada, porque fiquei surpreendido ao dar-me conta de quão
curta é a distância entre Nova Iorque e a Europa.”
O
que se nota no leque dos dez entrevistados das três primeiras décadas do século
XX é que todos eles acompanham a vertigem do tempo em que se situavam. Homens e
mulheres do seu tempo, sem dúvida, todos nos ajudando a perceber esse mesmo tempo.
Sublinhados
Alianças – “As alianças internacionais não acabam com as
rivalidades internacionais.” [Georges Clemenceau. Entrevista a George Sylvester
Viereck, em Liberty (07.Julho.1928). Grandes Entrevistas da História 1900-1930.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 92]
Autobiografia – “Uma autobiografia [é] a única obra na qual um
homem, mesmo contra a sua vontade e apesar de tentar denodadamente fazer o
contrário, se revela ao mundo tal como é na realidade. (…) Mas nuna
autobiografia autêntica é impossível que um homem conte a verdade sobre si
mesmo, assim como é impossível que consiga impedir que o leitor perceba essa
verdade.” [Mark Twain. Entrevista a Rudyard Kipling, em From Sea to Sea (1923). Grandes Entrevistas da História 1865-1899. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 86-87]
Citações – “Provavelmente, algumas das melhores frases
atribuídas aos grandes homens nunca foram proferidas, pelo menos por eles. A
imaginação do mundo inventa a palavra certa quando a imaginação falha ao herói.”
[Georges Clemenceau. Entrevista a George Sylvester Viereck, em Liberty (07.Julho.1928). Grandes Entrevistas da História 1900-1930.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 95]
Homem – “O homem jamais será suplantado por algo que seja inferior a ele. E
não há nada à face da Terra que seja superior ao ser humano. Partindo do
princípio de que a mais alta manifestação da vida no nosso planeta será sempre
o ser humano e dado que os humanos parecem ser seres progressivos, deduz-se que
a nossa raça continuará indefinidamente, a menos que uma catástrofe de
dimensões cósmicas a varra do planeta. O homem superará o seu nível evolutivo
actual. Por acaso não é o homem de hoje sobre-humano em comparação com o homem
primitivo?” [Georges Clemenceau. Entrevista a George Sylvester Viereck, em Liberty (07.Julho.1928). Grandes Entrevistas da História 1900-1930.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 102]
Igreja – “A tarefa da Igreja é doçura e fraternidade. Deve aproximar-se do
que está errado, esforçar-se por erradica-lo, mas qualquer tipo de violência
contra as pessoas é contrário à vontade de Deus, aos seus ensinamentos.” [Leão
XIII. Entrevista a Séverine, em Le Figaro
(03.Agosto.1892). Grandes Entrevistas da
História 1865-1899. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 102]
Popular – “A popularização conduz a uma aceitação superficial
sem levar a uma investigação séria. As pessoas limitam-se a repetir frases que
ouvem no teatro ou na imprensa.” [Sigmund Freud. Entrevista a George Sylvester Viereck,
em Glimpses of the Great (1930). Grandes
Entrevistas da História 1900-1930.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 129]
Trabalho – “Se eu tivesse um trabalho demasiado pesado para
mim, esforçar-me-ia para descobrir uma forma de o tornar mais fácil. Uma
tentativa séria de tornar menos pesado um determinado trabalho é o impulso
inicial para criar alguma coisa. Quem o fizer, construirá o seu futuro com base
numa descoberta de que o mundo necessita.” [Henry Ford. Entrevista a M. K.
Wisehart, em Modern Mechanics (Dezembro.1929).
Grandes Entrevistas da História 1900-1930.
Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 112]
Vida – “Quando uma pessoa se detém a pensar, a religião, a formação e a
educação não são garantia de nada perante a força das circunstâncias que movem
o homem.” [Mark Twain. Entrevista a Rudyard Kipling, em From Sea to Sea (1923). Grandes Entrevistas da História 1865-1899. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 86]
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segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Para a agenda - Maurício Abreu e a forma de olhar o mundo
É já no dia 21 de Novembro que Maurício Abreu, fotógrafo radicado em Setúbal, vai falar sobre "a fotografia como meio de conhecer e entender o Mundo". Uma realização do grupo Synapsis, na sede do MAEDS, Para a agenda!
domingo, 16 de novembro de 2014
Uma porta cheia de livros
Há livros? Há, há! Uma porta que dá acesso aos livros, uma porta cheia de livros... Será que já leu alguns destes?
A fotografia tem mais de um ano. A dita porta despertou na Rua 26 de Setembro, em Setúbal, ali perto da avenida que tem o nome da cantora lírica, ali perto da Fonte Nova. Uma porta cheia de livros graças à imaginação de Olinda Lima!
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sábado, 15 de novembro de 2014
Carlos Vaz Marques: as entrevistas porque "os escritores (também) têm coisas a dizer"
Uma
dúzia de escritores de expressão portuguesa alberga-se sob o título de Os escritores (também) têm coisas a dizer
(Lisboa: Tinta da China, 2013), conjunto de entrevistas levadas a cabo por
Carlos Vaz Marques, selecção de mais vasto conjunto daquelas que o autor
publicou na revista Ler (Lisboa:
Fundação Círculo de Leitores).
As
entrevistas conduzidas por Vaz Marques têm a marca da conversa, do encontro
cuidadosamente preparado, com o trabalho de casa cumprido e com o ar de
desvendamento que deve municiar qualquer entrevistador. Não se vai perguntar
porque já se saiba; vai-se às perguntas porque se acha que, para lá do que é
conhecido, do que é do domínio comum, há mais coisas para serem ditas,
reveladas, desocultadas.
Assim,
as entrevistas são guiadas com oportunidade, demonstrando franco conhecimento
da obra do entrevistado, levando a que este se exponha para lá do que é a
publicação da sua própria obra. E cada uma das páginas é absorvida pelo leitor,
levando-o a crer que também esteve presente naquele momento de troca ou de
perscrutação de saberes, levando-o a sentir que também participou na história
daquele momento que foi a entrevista, onde não faltam contextualizações de
espaço, estados de espírito, registos de pormenores ou as justificações para que as
conversas tenham acontecido, onde não falta sequer a ilustração do rosto dos
entrevistados devida ao traço de Vera Tavares.
É
verdade que o leitor já sabe ao que vai, isto é, confia nos dotes do
entrevistador, depois de ouvido nas emissões radiofónicas e televisivas, depois
de lido em periódicos diversos, depois de lido noutras entrevistas já
publicadas em livro, como aconteceu com o título Pessoal e Transmissível (Porto: ASA, 2004), que também recolheu uma
dúzia de entrevistas das cerca de quatro centenas que tinham ido para o ar na
TSF pela voz de Carlos Vaz Marques.
O
que há de interessante no género entrevista é a vontade com que se parte à
descoberta. Seja o entrevistador, seja o leitor ou ouvinte ou telespectador. No
fundo, confiamos na lista de perguntas, na qualidade da conversa de quem faz as
perguntas, acreditando que algumas delas poderiam ser feitas por nós ou são
feitas em nosso nome. E o entrevistado entra neste jogo de revelação e de
dádiva…
Nesta
recolha de entrevistas a escritores, motivadas por livros, realizadas
maioritariamente entre 2008 e 2012 (com excepção da de Agustina, datada de
2003), passam, por ordem alfabética, os nomes de Agustina Bessa-Luís, António
Lobo Antunes, Antonio Tabucchi, Dulce Maria Cardoso, Eduardo Lourenço, Hélia
Correia, Gonçalo M. Tavares, José Saramago, Manuel António Pina, Mário de
Carvalho, Mia Couto e Valter Hugo Mãe. Todas para serem lidas de fio a pavio,
seguidas ou alternadas ou interrompidas, mas lidas. Excelentes testemunhos que
proporcionam não menos excelentes aprendizagens ou não menos interessantes
aproximações ou não menos entradas nas lógicas dos outros, óptimas conversas
que nos levam aos caminhos do desvendamento da vida, da arte, do pensamento e
do mundo!
Sublinhados
Abstracto – “Todos os substantivos abstractos são perigosos:
honra, glória, coragem, pátria. (…) Podemos torcê-los e fazer deles o que
quisermos. É em nome de palavras destas que se têm feito as piores coisas.”
(António Lobo Antunes, pg. 47)
Arrogância – “A arrogância nunca tem resultados positivos.
Normalmente é uma falsidade. (…) A arrogância habitualmente está cheia de
vento. É vaidade.” (Mário de Carvalho, pg. 277)
Biblioteca – “Como é que se faz uma biblioteca ideal? É
impossível. A minha biblioteca é feita dos livros que encontrei, dos amigos que
fiz, dos livros que me mandaram… É o acaso. Um pouco como a vida. A literatura,
no fundo, segue os mesmos caminhos da
vida. É a desordem. Que, depois, curiosamente, esta desordem se possa organizar
sozinha é algo que não depende da nossa vontade. Ela depois encontra uma forma
qualquer com a qual convivemos.” (Antonio Tabucchi, pg. 168)
Civilização – “A civilização torna as pessoas todas lunáticas.
(…) Não é que disfarcem. Uns adaptam-se mais do que outros à rotina. Mas todos,
mais ou menos, são lunáticos porque a civilização cria a aberração. O ser
civilizado é uma aberração. É perverso.” (Agustina Bessa-Luís, pg. 19)
Criar – “Criar é tão absorvente que Deus não fez mais nada senão a criação.”
(Mia Couto, pg. 213)
Cumprimento – “Se alguém me estende a mão, eu aperto-lhe a mão,
sempre. Apertar a mão é uma metáfora de coisas mais vastas: de simpatia, de
afecto.” (Manuel António Pina, pg. 374)
Data – “As datas são importantes na medida em que representam pontos de
passagem mais importantes do que o dia anterior ou o dia seguinte.” (José
Saramago, pg. 92)
Destino – “Um grande destino, aquilo para que hoje todos os
jovens são criados. (…) Ou, no fim de contas, um grande sofrimento. Porque esse
destino, chega a certa altura, tem um tecto e não vão mais além daquilo.
Começa, então, o psiquiatra a exercer a sua função.” (Agustina Bessa-Luís, pg.
21)
Deus – “Deus é um comunicador. É a maior invenção da humanidade. Eu espero
até que à força de tanto ser inventado exista mesmo. Mas o meu Deus não é o dos
caminhos ínvios. É um Deus que permite a espera. Toda a vida é uma espera. A
mais evidente é a da morte. A menos evidente é a da felicidade. A existência de
Deus torna essa espera menos dolorosa.” (Dulce Maria Cardoso, pg. 343)
Escrever – “A responsabilidade de quem escreve é uma
responsabilidade humana: a questão da conservação da memória. A única hipótese
de conservarmos o antigo é tornarmos o antigo presente. Isso é uma
responsabilidade do escritor: dar a sua atenção ao clássico.” (Gonçalo M.
Tavares, pg. 302)
Fazer o melhor – “Olharmos o infinitamente pequeno ou o
infinitamente grande dá-nos uma relativização tão grande de tudo. A grande
dignidade do jornalismo – e da própria natureza humana – é tentar fazer o
jornal o melhor possível sabendo que no dia seguinte ele vai embrulhar peixe. O
mínimo que nos é exigível é o máximo que somos capazes de fazer. Nas coisas
simples do dia-a-dia. Ser da maior bondade possível no quotidiano. A bondade é
a maior de todas as qualidades. Inclui a beleza, a justiça e a verdade. Ser o
mais bondoso possível sabendo que isso é inútil.” (Manuel António Pina, pg. 364)
Fé – “A nossa existência é uma prisão num labirinto cuja porta de saída,
para alguns, é a fé.” (Manuel António Pina, pg. 361)
Ficção – “O homem é um ser ficcionante. Independentemente do que seja o
objecto dessa ficção. Nós estamos sempre ficcionando. A nossa relação com o
real é uma relação imaginária.” (Eduardo Lourenço, pg. 135)
Homem – “A natureza do animal humano não mudou muito desde que nós
aparecemos como homo sapiens. Portanto, contarmo-nos a nós próprios, contar o
Homem com H maiúsculo, a Humanidade, significa também olhar umas vezes para o
melhor e outras vezes para o pior. É preciso também olhar para o pior. Custa.
Mas é um dever. É uma obrigação.” (Antonio Tabucchi, pp. 174-175)
Homem – “A natureza humana deve tomar algumas precauções e a primeira é
vigiar-se um pouco, antes de se lançar em certas declarações.” (José Saramago,
pg. 101)
Importante – “O importante é sempre o que não há.” (Dulce Maria
Cardoso, pg. 319)
Literatura – “No fundo, a literatura procura umas frinchas
naquilo que nós somos. O mistério de que nós somos feitos. Perceber alguma
coisa é tentar usar uma lâmpada como a dos mineiros, para se entrar nessas
minas desconhecidas que somos nós próprios.” (Antonio Tabucchi, pg. 174)
Livro – “O relacionamento com os livros – que vem de todos os livros que a
gente lê quando é jovem – torna-os bocados de nós próprios. São as tábuas
privadas das nossas leis. As escritas e as não escritas.” (Eduardo Lourenço,
pg. 117)
Magoar – “Não quero magoar ninguém. (…) As pessoas não precisam de mim para
se magoarem, já se magoam tanto a elas mesmas. Não precisam da minha ajuda para
nada.” (António Lobo Antunes, pg. 67)
Memória – “O processo que leva a escolher, a seleccionar
aquilo que sobrevive e aquilo que deve ser apagado é o mesmo. É um processo
ficcional. Porque o que se escolhe nunca é exactamente verdade. As coisas nunca
se passam exactamente assim. É uma elaboração. Tal e qual como o relato de um
sonho é sempre uma elaboração. Ninguém se lembra exactamente do que sonhou
porque isso implicava falar a língua dos sonhos e ninguém fala a língua dos
sonhos. Quando fazemos esta tradução, temos de colocar aquilo numa outra ordem,
numa outra lógica.” (Mia Couto, pp. 188-189)
Riso – “O riso é uma forma de resistência. Não há nenhuma tirania que
suporte que se riam dela e das suas imposições. Não há nenhum fanatismo,
nenhuma igreja, que ande à volta do riso. O riso tem sempre qualquer coisa de
desafiante e de subversivo. (…) O poder habitualmente aposta na solenidade. O riso
é um desafio a isso.” (Mário de Carvalho, pg. 259)
Tédio – “As pessoas mais desesperadas são aquelas que estão sempre a fugir
do tédio. O tédio é uma coisa central, base. O que é o tédio? É um momento de
espera em que aparentemente nada está a acontecer. É uma sensação de inutilidade.
Mas a vida tem uma percentagem enorme de momentos em que nós estamos à espera.
Se não soubermos lidar com isso, estamos a desperdiçar uma matéria fundamental.”
(Gonçalo M. Tavares, pg. 309)
Tempo – “Nós não somos lineares. Nada em nós se comporta como um simples
acumular de factos. Por isso, as coisas têm retrocessos.” (Valter Hugo Mãe, pg.
229)
Testemunha – “A diferença entre ser testemunha e espectador é
que o espectador é passivo, não age, aceita. A testemunha age.” (Dulce Maria
Cardoso, pg. 334)
Texto – “Um grande texto é o que tem uma escrita
holográfica. É o que, em vez de fazer a fotografia do real, consegue dar
profundidades que eu não alcanço de outra maneira. Que só alcanço por aquela
combinação de palavras que aquele escritor conseguiu. Está lá outro universo
dentro.” (Hélia Correia, pg. 397)
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sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Joaquim Gouveia - Três perguntas para um universo de respostas
Desde 2011, Joaquim Gouveia,
setubalense ligado ao jornalismo e a outras artes, tem vindo a publicar na
blogosfera entrevistas com pessoas ligadas a Setúbal (por nascimento ou por
adopção), a um ritmo de periodicidade variável. Escolheu para nome do blogue a
designação “Gente gira da região”, sugerindo um misto de admiração, de beleza e
de respeito, talvez porque seja isso mesmo que devemos ver em primeiro lugar em
todas as pessoas.
Em finais de 2013, no Mercado
do Livramento, Joaquim Gouveia expôs uma parte das entrevistas feitas até aí,
mas o seu projecto prosseguiu e as conversas continuaram a ter lugar sob o céu
de Setúbal, com aromas de Sado.
O modelo da entrevista tem-se
mantido: as perguntas não se preocupam com a actividade actual do entrevistado
ou com o seu estado, procuram perscrutar-lhe um caminho, encontrar linhas de
pensamento, ainda que sem aprofundamento, mesmo porque o espaço para a escrita
e para a leitura é o que é.
Dessas entrevistas, Joaquim
Gouveia resolveu agora mostrar fragmentos daquilo que estes setubalenses
pensam, na obra Como pensam os setubalenses
(Setúbal: ed. Autor, 2014), enveredando por três áreas – o mundo, a crise,
Deus. Uma centena de respostas é perfilada para cada um dos vértices deste
triângulo, todas resultantes de momentos de reflexão súbita, proporcionados
pela vertigem de uma entrevista, sem esboço ensaístico, sem análise de “prós”
ou de “contras”, sem a medida das consequências do próprio pensamento.
Primeiras ideias sobre um pensamento, sobre uma palavra, pois. Passos iniciais sobre
algo com que todos nos confrontamos no quotidiano, na vida. Afirmações sem
certezas, mas com a emoção de se olhar para o que rodeia este actor e agente
que é o homem, que somos nós.
O mundo, o que se pensa do
mundo? É sabido que todos olhamos o mundo em função do que somos e do que
sentimos. Descobriremos coisas novas, absolutamente novas? Descobrimo-las para
nós, mas elas já estavam lá antes da nossa descoberta. Olhamos o mundo pelos
nossos prismas e ele é multifacetado. Escreveu algures o poeta José Fanha: “Que
o mundo está todo do avesso já sabemos. Às vezes está do avesso para bem e
outras para mal. Mas se resolvêssemos aparafusá-lo, deixava de rodar e isso é
que não tinha graça nenhuma.” Assim, vamos achando graça ao mundo, isto é,
vamos acreditando que podemos contribuir para que ele melhore, mas… o que
sentimos depois de todo o esforço nem sempre é feliz! Perpassamos os olhos
pelas respostas aqui presentes e elas não se distanciam do essencial da
resposta de Fanha – sobrepõe-se, talvez, o tom do cepticismo, em que são
valorizados os conflitos, as desigualdades, o (ir)respirável, à mistura com a
constante dos recuos e dos regressos aos sonhos, com uma falta de
reconhecimento do homem no mundo, com uma Europa que se desmorona (que o mesmo
é dizer sobre as mudanças ou alterações de valores). A visão que os
entrevistados apresentam do mundo, do planeta Terra em que habitam e com cuja
organização convivem, não é feliz; é maioritariamente descrente, com um tom de
decepção cuja responsabilidade é remetida para o ser criador que o homem
poderia ser. Nostalgia do paraíso? Antes, talvez, a ideia de que o homem é
pequeno para tanta coisa, apesar de ser latente a crença de que, como dizia
Sebastião da Gama, “pelo sonho é que vamos”…
E entra-se na segunda questão
seleccionada: como se ultrapassa a crise? Ambígua, esta ideia de crise! Por
isso, alguns entrevistados se questionam quanto ao tipo de crise – portuguesa,
mundial, económica, financeira ou de valores? Associadas andarão elas, porque
as crises podem ser plurais e universais. Mas é verdade que a tónica dos
entrevistados caminha no sentido da humanização, isto é, do respeito pelo
homem, ao mesmo tempo que ressalta a ideia de haver um certo artificialismo
nesta ideia generalizada de “crise”. Poderíamos ir buscar muitas citações de
outros que neste livro não entram, mas bastará a lembrança do momento em que um
político afirmou ser a crise uma situação de oportunidade. Perguntaremos: de
quê? O balanço que se faz das respostas não é assim tão promissor quanto o dos
discursos políticos. Depois, há ainda a ideia de que a crise assenta sempre
sobre os mesmos. E, aqui, convém ir pedir emprestada uma citação à escritora
Dulce Maria Cardoso, que, numa entrevista, a propósito dos sacrifícios impostos
em nome das mudanças, referiu: “Cada um de nós vale a mesma coisa. Nós não
somos peças de uma engrenagem em que uns vão para carne picada para salvar
outros.” Esta rejeição surge porque o princípio parece real. Isto é: não
sobressai das respostas dos entrevistados que a crise seja ultrapassada por
meio dos sacrifícios impostos. Pior: não ressalta das respostas dos
entrevistados que, no que diz respeito a Portugal, a crise esteja a ser gerida
no sentido de ser ultrapassada. E, sem convicções, o homem, mesmo que o mundo
pule e avance, não constrói a sua salvação…
Finalmente: Deus. A pergunta
joga com ideias, sugere respostas, impõe-se: “Deus criou o homem ou foi o homem
quem criou Deus?” Algo entre a fé e o “big bang”, algo entre a religião e a
ciência. As respostas valem o que valem, porque as dúvidas também se mostram.
Nas respostas apresentadas, há a fé, a crença, a prática religiosa, como há a
falta de tudo isto. Um mundo e um tempo em que cada qual pensa a sua relação
com o divino ou a falta dela. Permita-se-me que regresse à entrevista de Dulce
Maria Cardoso, quando afirma algo de tão sensível e de tão religioso como isto:
“Deus é um comunicador. É a maior invenção da humanidade. Eu espero até que à
força de tanto ser inventado exista mesmo. Mas o meu Deus não é o dos caminhos
ínvios. É um Deus que permite a espera. Toda a vida é uma espera. A mais
evidente é a da morte. A menos evidente é a da felicidade. A existência de Deus
torna essa espera menos dolorosa.” Pelas respostas dos setubalenses
entrevistados passam mesmo as causas pelas quais (des)acreditam. Embora não
tenham de resolver a questão, os entrevistados partilham razões, pensamentos,
momentos de fé, porque, na verdade… Deus continuará a ser uma interrogação,
independentemente do lado em que se esteja. Pensar em Deus implica um encontro
do homem consigo, diálogo cujo resultado será inesperado. Confessou-o Jorge de
Sena, ainda que pela poesia: “Senhor, não peço mais do que o silêncio do mundo,
/ o silêncio dos astros, o silêncio das coisas / que outros homens fizeram, e o
das coisas / que eu próprio fiz. E o teu silêncio / de senhor que foi. Não peço
mais. / Não é nada o que peço. Dá-me / o silêncio. Dá-me o que não fui: /
silêncio (porque calei tanto): / o que não sou (pois que calo tanto): / o que
hei-de ser (já que falar não adianta): / silêncio. / Senhor: não peço mais.” E,
na mesma senda da poesia, a insubstituível Sophia de Mello Breyner retratou:
“Deus é no dia uma palavra calma / Um sopro de amplidão e de lisura.” Será,
porventura, na resposta a esta pergunta que mais diferenças existem nas
respostas que ornamentam este livro. Mas esse é o preço que se paga pela
coragem que todos assumiram ao tentar justificar Deus ou ao ensaiar o
contrário. Seja como for, Deus e o homem passeiam-se pelas respostas…
Daqui para a frente, fique o
leitor com um plural conjunto de argumentos, de opiniões, de pensamentos, de
ideias. Com que pode concordar ou de que pode discordar. Mas que lhe hão-de
suscitar o diálogo e a sua própria resposta. Depois, é consigo…
[Prefácio à obra]
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
Memória: Fernando Mascarenhas, Marquês de Fronteira (1945-2014)
Senti o
frio quando, hoje, ouvi a notícia da morte de Fernando Mascarenhas, o Marquês
de Fronteira. Assisti a várias realizações que promoveu no Palácio de
Fronteira, em Lisboa, todas com considerável nível cultural. A seu convite,
participei, de resto, numa delas. Fica dele o desassombro com que
intervinha, a pertinência das questões sempre no sentido de se avançar mais nas
interpretações das coisas e no saber. Fica-me dele a coragem com que tratou a
cultura, partilhando-a, aproximando-a das pessoas, sempre com um pendor crítico
notável e demonstrando querer saber mais, agitando as águas mornas, correndo o
risco. Gostei de ter tido a oportunidade de o conhecer, de o ouvir, de com ele
ter conversado, ainda que numas escassas duas vezes. E fico-lhe grato por esses
momentos, sobretudo pelo que aprendi.
[Foto: Público]
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Fernando Mascarenhas,
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terça-feira, 11 de novembro de 2014
"Anel da Memória" assinala o sofrimento da Grande Guerra em Dia do Armistício
“Anel
da Memória” é o título da escultura inaugurada em Pas de Calais (França) hoje,
obra do arquitecto Philippe Prost, idealizada pelo historiador Yves Le Maner. A
sua simbologia não remete para a vitória dos Aliados no conflito mundial de
1914-1918, mas para a evocação do “sofrimento vivido pelos soldados de todos os
lados do conflito”.
Assim,
em 500 peças de aço dispostas na forma de círculo, numa área de cerca de dois
hectares, o nome de 580 mil soldados participantes na Primeira Grande Guerra, entre os quais os de mais de dois milhares de nomes portugueses, perpetuará
o respeito pelo sofrimento, independentemente do lado da trincheira ou da
geografia em que a Grande Guerra se desenvolveu.
Uma forma memorável de assinalar o Dia do Armistício!
[foto: Pascal Rossignol, Reuters, através de RFI]
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