sexta-feira, 18 de julho de 2025

Um dicionário para a história de Setúbal

 


São 474 entradas devidas a 74 colaboradores, num trabalho coordenado por Albérico Afonso Costa (n. 1951) sob o título Dicionário de História de Setúbal, agora apenas o primeiro volume (de um previsto conjunto de três), abrangendo as cinco primeiras letras.

Por coincidência, o primeiro artigo remete-nos mesmo para o imaginário do que são as “primeiras letras”, nota sobre “ABC”, um quinzenário que, em Abril de 1915, se anunciava em Setúbal a pretender dizer “bem alto a Verdade e a Justiça, tendo por lema o tradicional doa a quem doer”, mas que teria duração efémera, saindo apenas cinco números. A última referência deste volume vai para “Expostos (Casa da Roda dos)”, prática que expunha recém-nascidos, abandonados por razões diversas, à caridade pública, explicando contextos e indicando localização e alguns números desta prática em Setúbal.

No essencial, esta obra bem se equipara a um “dicionário enciclopédico” de carácter local, reunindo os assuntos por ordem alfabética (à semelhança dos dicionários) e carreando para cada um deles uma quantidade de informação, em forma sistematizada, à maneira das enciclopédias, assim conjugando ordem e saber, numa tentativa de facilitação de procura e de acesso a informação e de lançamento de pistas que podem constituir pontos de partida para investigações mais aturadas, não faltando mesmo indicações bibliográficas de apoio em grande parte dos verbetes.

Se a historiografia de Setúbal já tem alguns títulos de ordenação sistematizada no domínio das biografias — devidos, por exemplo, a Fran Paxeco (1874-1952), em Setúbal e as suas Celebridades (1930), a Óscar Paxeco (1904-1970), em Setubalenses Homens Ilustres da Igreja (1966), a Ricardo Correia (1917-2004), em Vultos Setubalenses (1986) e em Figuras Populares de Setúbal (1987), ou a João Francisco Envia (1919-2010), nos dois volumes de Setubalenses de Mérito (2003 e 2008) —, o mesmo não acontece relativamente a momentos, espaços ou temas que tenham tido repercussão na história sadina (ainda que, quanto ao jornalismo, haja um catálogo, A Imprensa em Setúbal - 1855-1983, devido a Idília Martins, editado em 1984) ou que a liguem a momentos históricos nacionais, apesar da vasta bibliografia e cronologias setubalenses elaboradas por investigadores locais como Albérico Afonso Costa, Almeida Carvalho, Álvaro Arranja, Carlos Mouro, Carlos Tavares da Silva, Diogo Ferreira, Joaquina Soares ou Rogério Peres Claro, entre muitos outros.

Dicionário de História de Setúbal dá um contributo para essa ordenação de acesso facilitado, seguindo o alfabeto, ao reunir informação diversificada — a título de exemplo, a letra A, com 113 entradas, estende-se pelo historial de uma dúzia de títulos de imprensa, de meia centena de biografias, de mais de 30 instituições e de mais de uma dúzia de entradas relativas a acontecimentos, especificidades ou situações (como “Anticlericalismo Republicano”, “Aqueduto de D. João II” ou “Atentado contra Almeida Carvalho”, por exemplo).

Valerá a pena prestar atenção a dois objectivos desta obra apontados no texto introdutório, da responsabilidade do organizador: pretende-se uma afirmação contra a “estranha época de esquecimento planificado” em que, frequentemente, nos sentimos viver, como se perspectiva “entregar à cidade partes do seu passado”, entendendo-se a “cidade” como a sociedade ou como a identidade que a fazem. Ao ser estabelecido como critério que, quanto aos biografados, aparecerão apenas os já falecidos, terá o leitor de olhar para este “Dicionário de História de Setúbal” como algo que se vai actualizando, que vai seguindo o rumo dos acontecimentos humanos, assumindo-se que nunca está obra completa, independentemente das “ausências” que desde já sejam notadas e que podem vir a ser supridas num eventual espaço de “adenda” ou de “actualização” a ser inserido no último volume...

É sabido que a consulta dos periódicos acaba por, no domínio das reconstituições históricas e da verificação de factos, assumir um papel de importância para a investigação, sobretudo no domínio da história local. Francisco Rito, director de O Setubalense (editor desta obra), refere essa dimensão dos jornais em nota introdutória em que não falta o tom compromissivo, ao dizer que “os jornais vieram para guardar o tempo até ser ressuscitado”. É, por isso, interessante que a iniciativa de publicar uma obra deste género, além da responsabilidade do seu coordenador e dos autores, tenha o peso da responsabilidade de um jornal regional, atitude que faz jus ao princípio que alimenta qualquer periódico — o de contar a história do quotidiano do mundo, transformando os dias em história, alimentando o romance do ser humano e dos acontecimentos (como o podemos verificar desde que, em Dezembro de 1641, se começou a publicar o mais antigo jornal português, a Gazeta em que se relatam as novas todas que houve nesta Corte e que vieram de várias partes no mês de Novembro de 1641). Este Dicionário de História de Setúbal não será perfeito, mas contribui para a construção da perfeição que sempre se deseja, possibilitando olhares múltiplos sobre o passado e sobre os caminhos que permitiram a chegada ao presente.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1572, 2025-07-16, pg. 10.


Sem comentários: