Abre-se o livro, em formato álbum, e lê-se a explicação do autor: “Este trabalho surgiu de uma memória de infância”. Logo a seguir, insiste-se nesse período de vida: “com 6 ou 7 anos é-se capaz do deslumbramento nas pequenas descobertas”. Pelo meio dos três parágrafos (o livro não tem mais escrita do que esta), percebe-se que Rio de Moinhos, na margem do Sado, foi o paraíso infantil, a terra das “férias de Verão”, e que a vida se encarregou de mostrar que o que era ali um pequeno rio se tornava em Setúbal na baía que é. Está-se perante Sado (Setúbal: Visor / Krrastzepy Verlag, 2018), obra surgida nas livrarias no início deste Dezembro.
Depois, são 45 fotografias do trajecto do Sado, desde Ourique (onde nasce) até Setúbal (onde mergulha no oceano), a preto e branco, falando por si, mostrando, acompanhadas de uma legenda objectiva e lacónica que refere apenas o sítio e as coordenadas geográficas. No final do conjunto, há um mapa com o itinerário do rio, que refere também os poisos que permitiram ver, contemplar e fotografar o Sado.
Faça-se então o roteiro: Ourique (onde o percurso inicia, com a latitude norte de 37°37’43.0’’ e com a longitude oeste 8°14’13.9’’), Albufeira e Barragem do Monte da Rocha, São Romão de Panóias, Alvalade do Sado, Azinheira dos Barros, Santa Margarida do Sado, Monte da Quinta de Cima, Rio de Moinhos do Sado, São Romão do Sado, Casa Branca, Vale de Guizo, Alcácer do Sal, Carrasqueira, Setúbal (zona industrial, Parque Urbano de Albarquel e Outão, onde a latitude é de 38°29’15.8’’N e a longitude se cifra em 8°56’11.7’’W).
Quando o rio começa, manifesta-se na sua quase insignificância, um pouco na procura de destino, cabendo depois às fotografias mostrar o encorpar que vai construindo a identidade do Sado, harmonizando-se e construindo a Natureza, por vezes artificialmente domado, por momentos selvagem e revolto, em alguns pontos idílico e remansoso. Em Santa Margarida do Sado, parece rir-se da obra inacabada com os pegões de betão que suportariam a estrada; em Rio de Moinhos, parece segurar a tosca passagem de madeira que o atravessa; em Alcácer, espelha a cidade e alimenta o arrozal; em Setúbal, molda a paisagem urbana; frente ao Outão, o Sado despede-se.
A fotografia que Bruno Elias nos apresenta a preto e branco permite-nos colorir a paisagem, sabendo-se que o rio vai matizando o seu trajecto, ao mesmo tempo que vai adquirindo aquelas cores com que os seus admiradores o firmaram - ora o rio dourado que o padre Jerónimo Botelho requeria por 1758 ao dizer “não sei que de suas areias se tirasse ouro, mas não duvido que o tenham, se algum poeta quiser dar às águas do Sado o epíteto de douradas, aprovarei, porque, em muitos lugares, resplandecem como ouro”, ora o rio azul que o poeta e médico transmontano Cabral Adão trouxe para os versos no início da década de 1950.
Um Sado a revelar-se lentamente em cada fragmento da sua biografia e a desafiar o olhar que o contempla é o que a lente de Bruno Elias nos propõe.
1 comentário:
Saúdo, em nome da Visor, a crítica que aqui nos deixou. Não só pelo teor amável do seu belo texto, mas também pela atitude em si de partilhar serenamente uma opinião, que vai sendo rara nos nossos dias.
Jónatas Rodrigues
(Krrastzepy Verlag/Visor)
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