O prefácio do novo volume em que o Presidente da República reúne as suas intervenções reveste as características de um texto memorialístico, pretendendo contar e justificar a história mais recente. Segundo o Presidente, o anúncio por José Sócrates do PEC IV, sem conhecimento prévio ao Presidente, foi “uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia”. Por outro lado, a apreciação da forma como foi conduzida a acção governativa do segundo mandato de Sócrates também não deixa margens para dúvidas – segundo o Presidente, “desde que iniciara funções, o Governo revelava grande dificuldade em adaptar-se à situação decorrente da perda de maioria absoluta nas eleições legislativas de setembro de 2009”.
Quanto à primeira afirmação, não poderemos dizer nada, por se referir a uma questão de relacionamento entre os dois; quanto à segunda, o caso é mais preocupante pois essa “dificuldade” foi sentida por toda a gente, foi visível.
A questão é de tempo. Provavelmente, teria sido muito melhor que o Presidente da República decidisse em conformidade na altura… o que não aconteceu.
As acusações só agora publicadas geraram o que era inevitável: acusações sobre quem teria sido mais desleal, dentro de um discurso de agressão quanto à “moral” que uns tenham ou outros não tenham para falar de “deslealdade”… como foi o caso do comentário de Silva Pereira, ministro da equipa de Sócrates.
Os políticos ajudam à construção da sua imagem. Quem falou durante o dia de ontem de deslealdade foram eles mesmos, referindo-se às relações entre eles. E os portugueses assistiram à peça uma vez mais. Podem chamar-lhe “deslealdade institucional” ou qualquer outra metáfora ou qualquer outro eufemismo, podem. Podem até competir entre si para saber qual o tal “campeão da deslealdade”.
Toda esta história é bizarra. Talvez os políticos nunca tenham sido tão verdadeiros ao falar de si próprios. É uma classe que acaba de se autocaracterizar pela deslealdade, pelo comentário fora de tempo, pelo discurso cheio de imagens de desculpabilização escondendo o menos bom que tem existido. Só resta uma dúvida: haveria quem suspeitasse de que este mundo era diferente?
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