domingo, 8 de novembro de 2009

Depois da leitura de "Homenagem ao Papagaio Verde", de Sena

O conto “Homenagem ao Papagaio Verde”, de Jorge de Sena [integrado na sua obra Os Grão-Capitães, disponível também na antologia Homenagem ao Papagaio Verde e outras histórias de animais (Col. "1001 Livros", 8. Lisboa: Lisboa Editora, 2006)], foi proposta de leitura. Quase no final da narrativa, o leitor “assiste” à morte do Papagaio Verde, depois de se ter apercebido do que significara esta personagem para o narrador. Foi pedido aos alunos para imaginarem que, nos últimos dias de vida, o Papagaio Verde tivera necessidade de deixar uma mensagem escrita para a criança que o acompanhara, relembrando a relação entre os dois e manifestando os seus sentimentos quanto ao que ambos viveram. Aqui deixo sete dessas abordagens, devidas aos meus alunos de 8º ano, com a contingência de ter sido um trabalho feito em aula, sem tempo para outros pensamentos e aperfeiçoamentos que pudessem acontecer fora desse espaço.
1) Ana Sofia Simões
Amigo:
Decidi deixar este documento escrito para te lembrares sempre de mim. Para que não te esqueças dos nossos passeios pela casa, dos nossos concertos ao piano e até do truque que me ensinaste com a vassoura. Nunca te esqueças que, sempre que precisares de um amigo, há um, algures no teu coração. Esse amigo é verde e voa.
Eu estou a morrer, disso já sabes. Os papagaios têm uma vida curta. A minha pode ter sido curta, mas foi óptima ao teu lado, companheiro. Por estes dias, parece que tenho alucinado, dizendo tudo o que me vem à cabeça, o que aprendi ou o que ouvi.
Eu sei que vais sentir a minha falta, mas a vida é mesmo assim. Uns nascem, outros morrem. Tu foste o único em quem confiei. Só me aguentei mais tempo porque me obrigavas a comer e porque dizias à tua mãe para me fazer o curativo…
Só te peço uma coisa: não te vás abaixo com a minha morte. Cuida do Papagaio Cinzento. Sê feliz por mim. Sei que não estarei a teu lado, mas também sei que vais ser feliz. A morte não é o fim do mundo… Talvez arranjes outro papagaio para o meu lugar na gaiola, mas eu sei que o do coração estará sempre reservado para os nossos dias de alegria e diversão.
Serás sempre o melhor amigo que alguma vez um papagaio teve.

2) Ana Veloso
Querido Amigo,
Sei que já não me restam muitas horas de vida e, por isso, quero deixar-te uma última recordação.
Em cada dia que passa, sinto-me cada vez mais fraco e a perder a minha grande beleza, mas tu estás sempre lá para carinhosamente me tratares e me dares a comida que eu próprio já nem consigo comer, embora logo de seguida, num movimento rápido e leve, me deite no canto da gaiola a desfalecer…
As músicas que tocas para mim no piano… confesso que me consolam, pois são as minhas músicas preferidas. Sei também que já faltaste à escola para ficares a cuidar de mim e a dar-me o teu ombro amigo e que, quando não faltas à escola, mal ela acaba, vens a correr para casa.
Sinto-me o papagaio mais privilegiado do mundo por te ter conhecido. Um grande obrigado por tudo.
Quando chegares, pressinto que já cá não estarei. Cuida bem de ti.
PS: Nunca te esquecerei. Foste o melhor amigo que alguma vez poderia ter arranjado.

3) Bárbara Arrojado
Querido rapaz:
Sei que estás triste por eu estar a morrer, mas quero que saibas que eu estou muito contente pelo que passámos juntos – as brincadeiras que fizemos dentro de casa, as visitas que fizemos ao Papagaio Cinzento e também por me teres cuidado assim tanto!
Espero que tenhas entendido o que é a amizade.
Não quero partir sabendo que vais continuar só e triste, porque eu sou um papagaio que gostou muito de ti, que te queria acompanhar por mais tempo, ensinar muitas mais coisas boas.
Mas também tens de perceber que não é por causa de uma “pessoa” que não vais ser feliz. A vida continua em frente.
Também não quero que te aborreças muito com a tua família. Como eu te disse, é a tua família.
Gosto muito de ti, não te vou esquecer (espero que não te esqueças de mim).
Papagaio Verde

4) Maria Antunes Marques
Querido e fiel amigo,
Agradeço-te tudo o que fizeste por mim. Agradeço-te por me teres deixado de fazer o curativo, porque, apesar de eu saber que era para meu bem, causava-me um enorme sofrimento.
Adorei aqueles momentos passados ao lado do piano em que eu, com as minhas garras (já sem força), agarrava a tua mão esquerda e tu, com a tua mão direita, tocavas as melodias que eu adorava, as mais belas, as mais pacíficas… Aquelas em que eu dançava mas que, naquela altura de sofrimento, estava incapacitado de fazer.
Agradeço-te por me teres tratado como um rei. Por me teres dado água e alimento, apesar de eu normalmente os recusar. Mas, de vez em quando, lá fazia um esforço, só para te agradar.
Agradeço-te por teres ouvido o meu reportório final. Aquele que era igual a todos os outros. As frases que eu costumava dizer, os palavrões que tu não devias ouvir e até aquelas palavras em línguas que tu nem sequer conhecias.
Sei que a última frase que me ouviste dizer não foi a mais agradável mas peço-te que me guardes na tua memória e no teu coração como um fiel amigo… Não! Como um fiel melhor amigo!
Bicadas Carinhosas
Papagaio Verde
P.S.: Vou guardar-te na memória e no coração até à eternidade.

5) Paolla Moura
Quando cá cheguei, sentia-me sozinho e amargurado. Passei por muitos lugares, navios, terras, florestas, mas nunca estive num sítio como esta varanda e eu sabia que ia ser para durar. Não tinha confiança em ninguém e as empregadas eram muito importunas. Ainda me lembro das vezes em que me deixavam encharcado e me aleijavam com a vassoura de modo a tentar irritar-me! Mas isso foi passando com o tempo, aquele ódio doentio pelos humanos, porque tinha de arranjar um espacinho no meu coração para ti. Continuava a odiar, mas a nossa amizade era mais importante e para mim marcou um novo ciclo na minha vida, um ciclo de amizade.
Lembro-me das malandrices e planos maldosos, porém divertidos, que fazíamos, passando por insultar os vizinhos com os mais variados e cómicos palavrões e a acanhar o Cinzento, aquela sombra da qual não gosto nem vou gostar. A monotonia foi desaparecendo e as divertidíssimas melodias ao piano tornaram-se habituais.
Eu ficava à tua espera, contando as horas, minutos e segundos, pois a minha única alegria eram as nossas brincadeiras. Mas o destino foi cruel e quis que eu apanhasse esta doença. Mas quero que saibas que, onde quer que esteja, vou sempre lembrar-me de ti e a nossa amizade vai sempre sobreviver ao tempo e até ao ímpeto da morte.
Obrigado, amigo.

6) Sara Santos
Querido Amigo:
Lembro-me bem daquela vez em que as criadas queriam lavar-me a gaiola, coisa que eu odeio, e me molharam. Tu foste ter comigo e limpaste-me docilmente as penas. Percebi nesse momento que não teria de ser reservado contigo. Ou de quando eu saí da “prisão” para melhor ver o céu, fazendo um alvoroço cá em casa, e tu apareceste lá com uma cara sorridente!…
Sabes?, adoro quando me levas para ao pé do piano e me tocas a minha música preferida. Nesse momento, sou uma abelha que encontra uma rosa pela primeira vez, sou uma mãe que vê o filho crescer…
O tempo que me resta é escasso, mas quero que saibas que só a tua presença me tira da sonolência, que só como para te fazer feliz.
Metade de mim já partiu, o exterior, e em breve partirei completamente. Guarda-me no lugar a que chamam “coração”.
O teu sempre amigo,
Papagaio Verde
PS: Cá fora, o tempo está agradável. Às vezes, vem uma brisa que me despenteia as penas.

7) Sofia Azevedo

Carta para o meu Amigo e Companheiro de sempre

Sim, sou eu, o Papagaio Verde, aquele que muitos desprezaram, ignoraram e fingiram nem sequer existir.
De todas as viagens que fiz, de todas as pessoas que conheci, tu foste o único que me acolheu, falou comigo, chorou comigo e até tocou para mim aquelas músicas de que eu gostava. Sim, as músicas, como eu as recordo! Alegravam-me e libertavam-me das angústias, sofrimentos, más recordações e, por vezes, até daquelas malditas alucinações.
Tanta coisa te queria eu dizer, mas só tenho estas linhas para te escrever… Vou, por isso, adiantar-me.
Lembro-me de quando te vi pela primeira vez. Eu pensei: “Mas que raio! Um pirralho agora para me puxar as penas e fazer-me arreliar!” Na verdade, eu pouco me engano, posso quase dizer que esta foi a única vez. Enganei-me redondamente. Foi pena só ter descoberto naquela tarde, a pior tarde da minha vida! Malditas empregadas, malditos banhos, estava eu tão nervoso, às voltas na gaiola, a pingar das penas e do bico!... Pensei não resistir, afinal a idade não perdoa e tão encharcado que eu estava!... Foste tu quem me acudiu, quem me enrolou num pano, quem me secou as penas e me disse palavras bonitas com uma calma voz. Nesse momento, olhei-te de forma diferente e vi-te não como miúdo mimado, mas sim como pessoa meiga e solitária. Tu completavas-me, eras o único humano que para mim merecia respeito!
Estiveste desde então sempre a meu lado, até ao fim, e digo bem “fim”, pois esse chegou. Deixo-te aqui as minhas palavras escritas. Com tudo isto só te queria dizer: adoro-te!
Saudades do Papagaio Verde

4 comentários:

Anónimo disse...

estes textos tao muito interessantes e tao muito bem escritos quem me dera poder escrever textos axim tao muito sentimentais e muito giros parabens!!!!!!!

aminhaserra.blogspot.com disse...

O que está escrito pelos alunos revela uma grande sensibilidade e beleza. As crianças também são isto. Porém não teriam sido capazes de o transmitir com esta clareza de sentimentos se não estivesse por trás um Professor "de mão cheia".Professores destes são as referências que guardamos para todos os instantes do nosso futuro. Parabéns.

Unknown disse...

adorei estas pequenas mensagens.
muito bem feito.
eu não teria feito melhor.
digo isto como aluno do 8 ano.

Unknown disse...

Adorei! O conto e estes textos maravilhosos <3