domingo, 24 de maio de 2009

Barack Obama em dez discursos

Entre 2 de Outubro de 2002 e 20 de Janeiro de 2009, são dez as intervenções públicas de Barack Obama reunidas em Dez Discursos Históricos (Fio da Palavra Editores: 2009), a maior parte das quais teve lugar a partir do momento em que Obama anunciou a sua entrada na campanha presidencial para os Estados Unidos (10 de Fevereiro de 2007, em Springfield, no Illinois).
O que entusiasma nestes discursos é a capacidade de envolvimento do público num projecto comum, quase como uma espécie de convite ao sonho, que é um desafio para a participação no trabalho de construção de uma outra América. O protagonista é sempre um colectivo “nós”, numa tentativa de irmanar todos em torno de convicções, sendo forte o uso da metáfora, o cruzamento com os momentos históricos do país, o acentuar da história pessoal e familiar, a identidade e o papel do outro.
E dali não surge apenas literatura ou retórica. Há objectivos, há ideias, há linhas mestras. Talvez tudo a explicar a adesão que Obama conseguiu, quer por parte dos americanos, quer dos outros povos. Talvez tudo a explicar uma forma de fazer política, pelo menos nas intenções, diferente, participada, a retornar à ideia da causa e do bem comum. Por lá perpassam as ideias sobre a escola, a política, a guerra e o terrorismo, a democracia, a Europa, o trabalho, o ambiente, o mundo, a América, a história… Por lá passam as ideias que arrebataram e que levaram este filho de negro queniano e de branca americana à cadeira da presidência dos Estados Unidos.
Agora, que se inicia a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, temendo os políticos que a abstenção atinja elevados índices (valerá a pena perguntar porquê e saber se algo tem sido feito para levar os cidadãos a acreditarem e a apropriarem-se de uma ideia de Europa), talvez valha a pena ver como o envolvimento não tem nada a ver com zangas, arrogâncias, distâncias e outros tiques que por aí vamos vendo...


Frases que ficam:
1. “A minha actividade levou-me a algumas das zonas mais pobres de Chicago. Trabalhei com pastores e leigos na resolução de problemas de comunidades devastadas pelo encerramento de fábricas. Percebi que os problemas que aquelas pessoas tinham pela frente não eram de natureza meramente local; que a decisão de encerrar uma fundição fora tomada por executivos distantes; que era possível seguir o rasto da falta de manuais escolares e computadores nas escolas até às decisões dúbias dos políticos a milhares de quilómetros de distância; e que, quando uma criança recorre à violência, é porque tem um buraco no coração que nenhum governo, sozinho, consegue preencher.” (Springfield, 10.Fev.2007)
2. “Esta campanha não poder ser apenas sobre mim. Tem de ser sobre nós: tem de ser sobre o que podemos fazer juntos. Esta campanha tem de ser a oportunidade, o veículo das vossas esperanças e dos vossos sonhos. O vosso tempo, a vossa energia e os vossos conselhos vão ser necessários para nos empurrar para a frente quando estivermos no bom caminho e para nos avisar quando nos desviarmos. Esta campanha tem de servir para recuperarmos o sentido da cidadania, para restaurarmos o sentido de um desígnio comum e percebermos que há poucos obstáculos que possam suster a força de milhões de vozes que clamam por mudança.” (Springfield, 10.Fev.2007)
3. “A esperança é a rocha sobre a qual esta nação foi edificada, a crença de que o nosso destino não será escrito para nós, mas por nós, por todos aqueles homens e mulheres que não se contentam com o mundo tal como está, mas que têm a coragem de transformar o mundo naquilo que devia ser.” (Des Moines, 3.Jan.2008)
4. “Não iremos aproveitar nunca o 11 de Setembro para conquistar votos pelo medo, porque não é uma táctica aceitável para ganhar eleições; é um desafio que devia servir para unir a América e o mundo contra as ameaças do século XXI: o terrorismo e as armas nucleares; as alterações climáticas e a pobreza; o genocídio e a doença.” (Nashua, 8.Jan.2008)
5. “Precisamos de nos unir para resolvermos um conjunto de problemas monumentais: duas guerras, uma ameaça terrorista, uma economia em queda, uma crise crónica nos cuidados de saúde e alterações climáticas potencialmente devastadoras; problemas que não são negros nem brancos, latinos ou asiáticos, mas antes problemas que nos ameaçam a todos. (…) Exprimi já uma convicção firme – uma convicção enraizada na minha fé em Deus e no povo americano: se trabalharmos juntos, podemos ultrapassar algumas das nossas velhas feridas raciais; e, na verdade, não temos outra alternativa, se quisermos continuar na senda de uma união mais perfeita.” (Filadélfia, 18.Mar.2008)
6. “Implica assumirmos plena responsabilidade pelas nossas vidas – exigindo mais dos nossos pais e passando mais tempo com os nossos filhos, lendo-lhes e ensinando-lhes que, apesar de poderem ter de enfrentar desafios e discriminações ao longo da vida, não devem sucumbir nunca ao desespero e ao cinismo; devem acreditar sempre que podem escrever o seu próprio destino.” (Filadélfia, 18.Mar.2008)
7. “A maioria dos americanos já percebeu que a discordância não faz de ninguém um anti-patriota e que não há nada de especialmente inteligente ou sofisticado no desrespeito cínico pelas tradições e instituições da América. (…) Será possível chegarmos a uma definição de patriotismo que, por mais tosca e imperfeita que seja, consiga captar o melhor do espírito comum da América. Como seria essa definição? Para mim, como para a maioria dos americanos, o patriotismo começa por ser um instinto visceral, uma lealdade e um amor pelo país enraizados nas minhas primeiras memórias. (…) Importa recordar, contudo, que o verdadeiro patriotismo não pode ser forçado, nem imposto por lei como um simples conjunto de programas governamentais. Em vez disso, terá de habitar nos corações do nosso povo, terá de ser cultivado no coração da nossa cultura e educado nos corações dos nossos filhos. (…) A perda de uma educação cívica de qualidade em tantas das nossas salas de aula deixou demasiados jovens americanos sem o mais elementar conhecimento de quem são os nossos antepassados, do que fizeram e do significado dos documentos fundadores onde constam os seus nomes. (…) Cabe-nos ensinar aos nossos filhos uma lição que nós, os que estamos na política, esquecemos com demasiada frequência: que o patriotismo não implica apenas defender este país contra ameaças externas, mas consiste também no trabalho constante para fazer da América um lugar melhor para as gerações vindouras. ” (Independence, 30.Jun.2008)
8. “Neste novo mundo, as correntes perigosas tornaram-se mais fortes do que os nossos esforços para contê-las. É por isso que não podemos dar-nos ao luxo de nos mantermos divididos. Nenhuma nação, por grande ou poderosa que seja, pode enfrentar sozinha esses desafios. (…) Os muros entre velhos aliados de ambos os lados do Atlântico não podem continuar de pé. Os muros entre países com mais e países com menos não podem continuar de pé. Os muros entre raças e tribos, nativos e imigrantes, cristãos, muçulmanos e judeus não podem continuar de pé. São estes os muros que agora temos de derrubar. (…) Este é o momento em que temos de nos unir para salvarmos este planeta. Assumamos o propósito de não deixarmos aos nossos filhos um mundo no qual os oceanos subam, a fome alastre e as nossas terras sejam devastadas por tempestades terríveis. Que todas as nações – incluindo a minha – assumam o propósito de agir com a mesma seriedade de intenções com que a vossa tem agido, e de reduzir as emissões de carbono que enviamos para a atmosfera. Chegou a hora de devolvermos o futuro aos nossos filhos. Este é o momento de o mundo falar a uma só voz.” (Berlim, 24.Jul.2008)
9. “Muitos não concordarão com todas as decisões que vou tomar e com todas as políticas que vou traçar como presidente, e todos sabemos que o Governo não consegue resolver todos os problemas. Mas serei sempre honesto convosco a respeito dos desafios que iremos enfrentar. Escutar-vos-ei, principalmente quando discordarmos. E, acima de tudo, irei pedir-vos que vos junteis à tarefa de reconstrução desta nação da forma que sempre se fez na América ao longo de duzentos e vinte e um anos: quarteirão a quarteirão, tijolo a tijolo, mão calejada a mão calejada.” (Chicago, 4.Nov.2008)
10. “A nossa herança de diversidade é uma força, não uma fraqueza. Somos uma nação de cristãos e muçulmanos, de judeus e hindus – e de não crentes. Somos modelados por todas as línguas e culturas, oriundas de todos os cantos desta Terra; e, porque provámos o fel da guerra civil e da segregação e emergimos desse capítulo sombrio mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que os velhos ódios hão-de acabar um dia; que as divisões tribais se hão-de em breve dissolver; que, à medida que o mundo se vai tornando mais pequeno, a nossa humanidade comum se há-de revelar, e que a América tem de desempenhar o seu papel no advento de uma nova era de paz.” (Washington, 20.Jan.2009)

1 comentário:

Anónimo disse...

Saber «se algo tem sido feito para levar os cidadãos a acreditarem e a apropriarem-se de uma ideia de Europa»?
Não!Desgraçadamente nada!
Que tal uma campanha que se virasse para isso? Era capaz de ganhar alguma coisa.
Pelo menos um voto, o meu!
MCT