domingo, 16 de novembro de 2008

João Lobo Antunes e António Barreto, no "Público" de hoje

1) Entrevista a João Lobo Antunes por Graça Franco e José Manuel Fernandes
RESPEITO PELOS PROFESSORES - «(…) Se entendo que é um princípio fundamental o respeito por qualquer profissão, o respeito pelos professores é ainda mais importante, pois o futuro do país depende da educação dos seus cidadãos. Por isso estranho que, seis meses depois, regresse a mesma retórica de extremismo. Cada um fica no absoluto da sua verdade, sem aceitar os argumentos contrários, com culpas repartidas, e não sei como se vai sair daqui. (…)»
FELICIDADE E INSATISFAÇÃO - «(…) Como médico, recebo muitos professores no meu consultório, conheço muitos professores, e nos últimos meses ainda não vi um feliz. Isso é altamente preocupante. As pessoas não estão satisfeitas, sentem-se muito limitadas no que fazem, até na capacidade de preparar as aulas, sentem-se encerradas numa "gaiola de ferro" burocrática. Encontro professores que, por doença, ficaram limitados, que são excelentes professores mas a quem dizem que ou trabalham de uma determinada maneira ou não podem entrar na escola. (…)»
REALIZAÇÃO PROFISSIONAL - «(…) Quando não há realização profissional, quando os professores não se sentem bem com o que estão a ter de fazer, nunca poderão dar o seu melhor à escola e aos alunos. Isto é uma verdade auto-evidente. (…)»
ESTATUTO DO ALUNO - «(…) Eu li o Estatuto do Aluno e aquilo é absolutamente mirabolante. Até o português que utiliza é de uma complexidade artificial, é o "eduquês" oficial, pelo que quando vejo aquela escrita desconfio do pensamento que a gerou, de como essas pessoas entendem a Educação. Ora, a Educação serve fundamentalmente para dar instrumentos de felicidade às pessoas. Ora, a felicidade não é gratuita, tem de ser construída. A escola não serve para manter alunos felizes. Já o Presidente Wilson, dos Estados Unidos, que antes era reitor da Universidade de Princeton, dizia que a preocupação de que os meninos têm de ser felizes na escola não faz sentido. (…)»
2) António Barreto, “Os três poderes”
GUERRA POLÍTICA À CUSTA DA ESCOLA - «(…) Nos actuais termos, a guerra das escolas não tem saída. Mesmo que esta ministra consiga, pela lei da força, uma qualquer vantagem, terá, a prazo, uma grande derrota. Os professores, de futuro, não farão o que ela hoje pretende. Aliás, muitos já o não fazem. O próximo ministro da educação, até do mesmo partido, terá necessidade de alterar muita coisa e procurar um novo pacto. Se for de outro partido, a primeira coisa que fará será alterar este quadro legal e as práticas que são hoje impostas. Nas próximas eleições, poderá ver-se na campanha e nos respectivos programas: todos, com excepção do PS, vão sugerir a revogação das actuais leis e os mais imaginativos acabarão por propor um novo sistema de avaliação. O próprio PS fará uns "ajustamentos"...
Não se trata apenas de teimosia. Muito menos da força da razão. Há muito mais do que isso. A começar pela ideia de imagem, um dos maiores venenos da política contemporânea. Não se pode perder a face. Não se desiste. Não se devem reconhecer erros maiores. Não é bem visto recuar. A insistência, mesmo no erro, é sinal de carácter. Estes são alguns dos sentimentos que passam pela cabeça dos governantes e dos dirigentes dos sindicatos. (…)»
TRÊS PODERES - «(…) Está em curso uma luta entre três poderes. Luta verdadeira, de cujo resultado vai depender o futuro da educação e da escola. Quais são esses poderes? Em primeiro lugar, o do ministério (ou do Governo), em tentativa de reforço e consolidação. Segundo, o dos professores, em queda. Terceiro, o da escola, largamente fictício. O Governo quer centralizar ainda mais o sistema educativo, deseja reafirmar o seu poder sobre a escola e sobre os professores e pretende uniformizar regras e critérios. Procura manter as autarquias sob a sua alçada e transformar os professores em verdadeiro regimento fabril ou militar. Entende que, obedientes, as escolas e os professores darão melhor contributo para as suas estatísticas. De passagem, tem outros objectivos, eventualmente mais nobres: poupar dinheiro e obrigar os professores a trabalhar mais. (…)»
AVALIAÇÃO E DIGNIDADE – «(…) A ministra tem algumas razões. Mais trabalho, por parte de alguns que folgam. Um qualquer princípio de avaliação. Poupar recursos e dinheiro. E impedir que todos os professores tenham sempre as classificações de muito bom e excelente, pragas conhecidas em toda a função pública. Mas o Inferno está no pormenor. Como sempre. Os jornais já publicaram mil pormenores sobre o sistema de avaliação, dos formulários às regras e procedimentos. O escárnio é constante. A ministra queixa-se de que o seu sábio sistema foi ridicularizado! É verdade. Mas não merece menos do que isso. Além de absurdo e inútil, este exercício parece uma punição, a fazer lembrar os castigos infligidos, por praxe sádica ou despotismo, nas forças armadas de muitos países. Não é só este sistema que está errado: é o princípio mesmo de uma avaliação centralizada, de âmbito nacional e uniforme.
A avaliação ministerial, burocrática, formal e pseudocientífica é um enorme erro. A grande tradição centralista, integrada e unificada da educação pública em Portugal é responsável pela mediocridade de resultados e pelo desperdício de enormes recursos financeiros vertidos, desde há trinta anos, por cima do sistema, sem resultados proporcionais. É essa tradição que é responsável pela ausência de espírito comunitário nas nossas escolas. Pelo desdém que as autarquias dedicam às escolas. Pela apatia e impotência dos pais. Pelo facto de tantos professores desistirem do orgulho nas suas carreiras e do brio no exercício da sua profissão. É provável que muitos não queiram trabalhar quanto devem ou que tenham outros interesses. Como em todas as profissões. Mas o seu sentimento de dignidade ferida parece genuíno. E é compreensível. (…)»
AUTONOMIA E AUTORIDADE DA ESCOLA - «(…) São quase misteriosas as razões pelas quais não se permite que sejam as escolas, os seus directores e os seus conselhos de direcção, ajudados pela comunidade e pelos pais, a avaliar a escola no seu conjunto. E não se deixam os responsáveis das escolas observar e avaliar o desempenho profissional dos docentes. A República, o Estado Novo, a democracia, o socialismo e o comunismo coligam-se facilmente para manter a escola sob o punho do ministério, cuja proverbial incompetência é uma das raras constantes na história do século XX. Entre o ministério e o sindicato, parece haver terra queimada, campo de batalha. Não terão percebido os professores, desta vez, que a autoridade do ministério é o pior que lhes pode acontecer? Apetece dizer que chegou a hora de sair deste impasse, de quebrar a tenaz dos dois fanatismos. Uma visão optimista levar-nos-ia a pensar que, finalmente, os professores perceberam que a autoridade da escola pode ser a solução. (…)»

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