sábado, 9 de fevereiro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

DIÁRIO DA AUTO-ESTIMA – 76
Sem resposta – No final de Janeiro, o Público noticiou que “dois terços das perguntas dos deputados ao Governo estão sem resposta”, explicando que, “desde 1 de Setembro do ano passado, os partidos fizeram 501 questões, mas o executivo ainda só deu resposta a pouco mais de um terço (169)” e que, “dos dois terços que ficaram por responder, 130 ainda estão dentro do prazo - 30 dias, como fixa o Regimento”. Mas, “descontadas estas, o Governo deixou definitivamente sem resposta, nos últimos quatro meses, duas centenas de perguntas feitas pelos partidos com assento parlamentar.” Mais acrescentava que, “nas duas sessões legislativas anteriores (Setembro de 2005 a Setembro de 2007), cujas estatísticas já estão fechadas, 1787 dos 6831 requerimentos apresentados ficaram sem resposta, o que equivale a 26 por cento.” Se a Assembleia da República tem capacidade para decidir pelos portugueses (e essa foi uma justificação apresentada para a ratificação do Tratado de Lisboa sem recurso a referendo), as perguntas saídas da Assembleia da República, independentemente do seu emissor e do seu destinatário, são também perguntas feitas pelos portugueses ou, se se preferir, cujas respostas interessam aos portugueses. Que respeito merecemos, pois?
Suspensão – Ainda relacionado com a Assembleia da República, o Correio da Manhã informou também que “quando ainda falta mais de um ano para o termo da actual legislatura, mais de metade da composição inicial de deputados na Assembleia da República já mudou”, pois “de um total de 230 parlamentares eleitos em Fevereiro de 2005, 117 já suspenderam o mandato e 37 abandonaram mesmo o Parlamento”. De que serve então aos partidos esforçarem-se por arranjar “cabeças de lista” que sejam convincentes para os eleitores? Como defendeu Manuel Alegre, em considerações sobre o assunto no mesmo jornal, deveria “haver um período de nojo” para os deputados que suspendem ou renunciam às suas actividades no Parlamento. O que está em causa é o prestígio da instituição, é verdade, mas também a confiança que as listas merecem aos eleitores. Vale a pena acreditar nas figuras em quem (também) se vota?
Clássicos – O semanário O Sol começou a editar uma colecção de autores clássicos da literatura portuguesa em versão adaptada para crianças. O primeiro dessa dúzia de títulos foi Os Maias, de Eça de Queirós, em adaptação feita por José Luís Peixoto. A ideia é simpática e insere-se numa tradição que no nosso país existe de captação do público infanto-juvenil para a leitura dos clássicos – bastará lembrar o êxito de adaptações feitas por Adolfo Simões Muller, por João de Barros, por Jaime Cortesão ou por Aquilino Ribeiro ou mesmo em banda desenhada por José Ruy, para só referir alguns exemplos rápidos –, mas a edição de Os Maias não é feliz em tudo: se o início da história e a descoberta de que a relação entre os protagonistas não poderia continuar devido ao incesto estão bem urdidas, o mesmo cuidado não houve no tratamento de algumas situações decorrentes do uso da língua portuguesa, como algum abuso na utilização pronominal, gestão difícil no uso de formas verbais e uma ou outra construção que não abona muito a sonoridade da língua – estou a lembrar-me da cacofonia em “tinha ouvido contar acerca dela e acerca do pai dela”. Tudo isto nos chama a atenção para a necessidade de a edição infanto-juvenil ser mais cuidada no que respeita ao tratamento da língua portuguesa, porque, como me escrevia há tempos um aluno, “se não formos nós a tratar da língua que falamos, quem a preserva?”

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