sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Albérico Costa e os dias de Setúbal (1)

 


Com a obra Setúbal sob o Estado Novo - A Resistência a Salazar e a Caetano - 1950-1974, acabado de publicar (Estuário, 2023), Albérico Costa encerra o ciclo da cronologia setubalense que se propôs elaborar, constituída por diversos tomos: História e Cronologia de Setúbal - 1248-1926 (em 2011), Setúbal sob a Ditadura Militar - 1926-1933 (em 2014), Setúbal sob o Estado Novo - A Resistência a Salazar - 1933-1949 (em 2021) e Setúbal Cidade Vermelha - 1974-1975 (em 2017), volumes com a mesma chancela editora. Conjunto que integra momentos de cronologia e de ensaio, este projecto de Albérico Costa tem uma história longa, pelo menos desde que, em 1988, publicou um pequeno livro intitulado Cronologia Geral da História de Setúbal - 1249-1910 (editado pela Escola Superior de Educação de Setúbal). Sem qualquer dúvida, está o leitor perante uma obra indispensável para a história local sadina, de consulta obrigatória, que sugere, inclusivamente, múltiplas possibilidades de investigação, além de caucionar a importância da história local, em que o interveniente é, também, o cidadão comum.

Na nota introdutória ao volume agora publicado, o autor salienta dois aspectos que, em conjunto, justificam a sua motivação e valorizam a perspectiva da história setubalense: por um lado, no que respeita especificamente ao período em apreço (o tempo do Estado Novo), a necessidade de “fazer a História de uma cidade que nunca se conformou com o destino que lhe era imposto”; por outro, porque é importante notar que “o passado urbano do espaço setubalense não é apenas um espaço físico, mas também um espaço idiossincrático com características exclusivas”.

A obra, construída sobre fontes como estudos já realizados, imprensa local e nacional, testemunhos e entrevistas e aturada busca em arquivos (entre os quais, a Torre do Tombo), organiza-se em três planos - um conjunto de cinco capítulos, de cunho ensaístico, que relata, relaciona e interpreta os acontecimentos do período em apreço (os quase 25 anos que antecederam o 25 de Abril); um lote de sínteses biográficas, que compreende registos de 139 presos políticos setubalenses e de 165 nomes referenciados nos relatórios da PIDE de Setúbal; cronologia de acontecimentos em Setúbal no período entre 23 de Janeiro de 1950 e 24 de Abril de 1974.

O espaço dedicado à década de 1950, deixa transparecer um ambiente de crise económica e social em Setúbal (haja em vista a mono-indústria da área conserveira com baixos salários ou os períodos de defeso da pesca), por vezes minimizada com paliativos que mais visavam preservar a paz social do que resolver os problemas, com os vários quadrantes políticos da oposição distantes entre si, sem construírem conjuntamente uma alternativa. A forte repressão exercida na década anterior e o desaire em torno dos resultados do candidato Norton de Matos em 1949 terão conseguido uma quase neutralização da oposição, fortemente dividida. Mesmo a candidatura presidencial de Humberto Delgado em 1958 dificilmente congregou os vários movimentos da oposição - se a unidade em torno deste nome “esteve longe de ser linear” no plano nacional, também em Setúbal, só em 27 de Maio, a cerca de dez dias do acto eleitoral (8 de Junho) foi criada a Comissão Distrital de apoio a esta candidatura e só a uma semana das eleições (30 de Maio) foi celebrado o conhecido “Pacto de Cacilhas”, com a desistência da candidatura de Arlindo Vicente em favor da de Delgado. A situação vivida politicamente ao longo desta década leva Albérico Costa a considerar os anos de 1950 “como a década de todas as derrotas”.

Nos registos cronológicos para este tempo, não deixa de ser curioso que a primeira nota da década, de 23 de Janeiro de 1950, seja a de um apelo público saído na imprensa, convidando as senhoras que costumavam fazer compras em Lisboa a preferirem o comércio de Setúbal: “Se fizessem as suas compras na cidade, ajudariam os comerciantes setubalenses que investiram nas lojas e na mercadoria, e contribuíam para o desenvolvimento da sua cidade e ainda poupavam dinheiro.” Assim se misturava o apelo ao consumo com o benefício local como contributo para ultrapassar a crise. Por outro lado, a cronologia da década fecha com a notícia, de 3 de Novembro de 1959, sobre a instalação da indústria da celulose na cidade de Setúbal, “unanimemente aprovada pela vereação, considerando-se que a referida indústria não ia causar problemas ambientais.” A esperança surgia, a anteceder os anos de 1960, alicerçada na indústria...

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1202, 2023-12-07, pg. 7.

 

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