terça-feira, 20 de julho de 2010

Anatole France segundo Aquilino Ribeiro


Na tarde de 5 de Abril de 1923, Aquilino Ribeiro foi autor de uma palestra no Teatro Nacional, versando a personalidade de Anatole France. A sessão integrava-se num programa em benefício da publicação de uma antologia luso-brasileira na Alemanha. A apresentação do conferencista esteve a cargo de Cardoso de Oliveira, embaixador do Brasil, que não poupou elogios ao jovem escritor português, então com 38 anos e tendo já publicado títulos como Jardim das Tormentas (1913), A Via Sinuosa (1918), Terras do Demo (1919) e Malhadinhas (1922).
Logo desde início da palestra, Aquilino não esconde o seu fascínio pelo autor francês (que viria a morrer no ano seguinte), considerando-o “o génio mais representativo da latinidade” e um “sobrevivente da era que expirou”, isto é, da fase anterior à Grande Guerra (1914-1918). A adesão de Aquilino a Anatole France advém não apenas do conhecimento que detém da sua obra, mas também do facto de o ter visto duas vezes em Paris: uma, no cais do Sena, folheando livros nos alfarrabistas (elemento que serve de identificação entre as duas personalidades); outra, na Casa dos Estudantes, defendendo a utopia e convidando o público a “arquitectar repúblicas imaginárias como Platão, Tomás Morus, Campanella, Fénelon”.
Depois de relatar estes dois encontros, Aquilino aprecia a formação e descreve a obra do mestre, fazendo ressaltar a sua “personalidade pensante e artística”, com o afecto ao saber e à leitura e uma cultura profundamente humanista, percurso que levará o autor português a desprezar aqueles que, por esses tempos, em França, tentavam minimizar a obra de Anatole.
No final da conferência, Aquilino cita longamente um dos então mais recentes livros do seu mestre francês – La vie en fleur (de 1922) – com o objectivo de apresentar o retrato traçado do homem seu contemporâneo, com a ideia ainda no que fora o grande conflito vivido na Primeira Grande Guerra (feito a cujo início, em Paris, Aquilino assistira e de que nos deixou páginas diarísticas em É a Guerra, apenas publicado em 1934), condenando os senhores da guerra: “Os grandes industriais e os grandes financeiros têm interesse em ser belicosos não só pelos lucros que lhes trazem os fornecimentos de guerra como pelo incremento que o conflito traz aos seus negócios. De povo para povo, crê-se cegamente na vitória; duvidar, seria crime de lesa-pátria. As guerras, na maioria dos casos, são decididas por meia dúzia de sujeitos. A facilidade com que arrastam o povo é inacreditável; ainda que gastos e regastos, os meios a que recorrem não falham nunca. É da praxe lançar primeiro a público os enxovalhos recebidos do estrangeiro e que só podem ser lavados com sangue, quando, em boa moral, as crueldades e perfídias que a guerra engendra, muito longe de honrar o povo que as praticou só o podem cobrir de imortal infâmia.” Os comentários de Anatole France assentavam, pois, nesse conflito que se arrastou por mais de quatro penosos e mártires anos. E, a terminar, Aquilino vai ainda buscar outros ensinamentos devidos a Anatole no mesmo livro, verdadeiros princípios sobre o género humano: “Tenho os homens, em geral, por mais maus do que parecem. São uns e mostram-se outros. Obrigados a cometer acções que mereceriam a reprovação geral, escondem-se; na prática de actos que podem ser louváveis, exibem-se.”
O que atrai Aquilino em Anatole France é este conhecimento do ser humano, que não se pode esconder na literatura. E o autor de La vie en fleur será uma constante no percurso literário aquiliniano. A palestra interessou os editores e foi publicada logo nesse ano sob o título Anatole France – Conferência (Lisboa: Livrarias Aillaud e Bertrand, 1923).

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