quinta-feira, 26 de junho de 2008

Correr atrás da bola

No Público de hoje, Miguel Gaspar pergunta "Onde estás, nação valente?" E responde...
«Implacável actualidade. Já quase ninguém parece recordar que ainda há uma semana Portugal vivia mergulhado no "sonho" da glória europeia da bola. Quem se lembrará então do dia em que a selecção partiu rumo ao Euro, com grande fanfarra nacional, directos em triplicado, manifestações de massas atrás de um autocarro e o piloto do avião a dizer que traria a taça no regresso? Tudo era orgulho nacional, auto-estima reforçada e imparável sede de vitória. Foi como se nunca tivesse acontecido. Quando a selecção voltou, quase ninguém quis saber dela, nem os jogadores estavam interessados nos poucos adeptos que apareceram na Portela. Ainda há por aí algumas bandeiras, mas ocorre perguntar se os "valores nacionais" que a selecção supostamente despertou serão tão voláteis quanto esta bolha mediática. (...) A crise, amarga, terá feito com que as pessoas estivessem menos crentes do que parecia? A invenção automática de Scolari como bode expiatório à portuguesa chegou para resolver a desilusão?
Depois de ter sido anunciado, como em 2004 e 2006, o regresso da nação valente, é preciso interrogar este vazio. Não se ressuscita D. Afonso Henriques em vão! Ou será o nosso "nacionalismo" tão fugaz que não resiste a um empurrão do capitão da selecção alemã?
O que este vazio mostra, primeiro que tudo, é a dimensão artificial de todo o fenómeno. Não o do futebol, que é uma paixão espontânea dos adeptos. O futebol simplesmente é o desporto do nosso tempo, pela estética do movimento, pelo espectáculo da jogada individual, pela simplicidade das regras, pela sua enorme e democrática imprevisibilidade. Outra coisa é o que o interesse das pessoas põe em movimento. Desde logo, o negócio da publicidade. Ligado a esta, a retórica nacionalista, que funciona como um eco do fenómeno e permite aos media amplificá-lo e torná-lo um acontecimento total. Finalmente, o poder político usa a atenção concentrada dos cidadãos para gerar um factor de coesão - e para tentar fazer esquecer as crises do dia, evidentemente.Há, evidentemente, uma dimensão identitária que desperta. As bandeiras que ficam nas janelas depois das derrotas significam a vontade de pertencer a qualquer coisa e de ser reconhecido. E é normal o prazer de um jogo, o sentimento de fazer parte de uma comunidade e gostar de vencer. Normal, fugaz e momentâneo. Quando a partir daqui se começa a construir o discurso da "unidade" dos portugueses ou a projectar em 11 jogadores de futebol as "glórias" da nação, passou-se para o domínio da alienação pura e simples. Da alienação e do vazio.
A volatilidade deste fenómeno mostra como esse suposto nacionalismo é ilusório, mas também como não existe uma ideia moderna de Portugal. Pedimos emprestadas ao passado as narrativas em que a história da "pátria" é descrita como épica ou decadente e como se o jogo da bola devolvesse a grandeza perdida e imaginária do império. A ideia do "optimismo" que supera o "complexo de inferioridade" nacional prolonga essas narrativas gastas. Mas para sermos modernos, não faz sentido resgatar a nação valente. Basta pensarmos que um chuto na bola é um chuto na bola. E nada mais do que isso.»

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