Logo na introdução, o livro anuncia ao que vem: “este texto não pretende ser mais do que um limitado conjunto de reflexões sobre a Península de Tróia, tendo como base uma revisão sumária do seu povoamento e do possível impacto que a acção antropogénica daí resultante possa ter desencadeado ou venha a desencadear no desenvolvimento e consolidação evolutiva do seu ecossistema.” E, mais adiante: “teremos de nos indagar quanto ao tipo de acção antropogénica que queremos nas décadas vindouras e até que ponto essa acção poderá ser compatível com a sobrevivência da actual estrutura ecossistémica troiana”.
É assim que J. G. Sampaio Faria abre o seu ensaio Península de Tróia - Reflexões Improváveis (Primeiro Capítulo, 2022), anunciado como “reflexão partilhada sobre o presente e o futuro da península” e conjunto de “pontos de vista e questões resultantes da interpretação do autor sobre a realidade evolutiva do ecossistema troiano”.
Depois de explicar a formação da península (cujo perfil actual rondará uma idade de milénio e meio), surge a pergunta que não será apenas retórica “Península a prazo?”, levantando-se aí um conjunto de interrogações sobre as consequências advindas do aquecimento global e da ocupação humana na região peninsular, antevendo-se uma alteração do espaço, seja na forma da península, seja no estuário sadino.
Várias páginas são dedicadas ao estudo do povoamento da península de Tróia, servindo-se Sampaio Faria de uma cronologia determinada por dois períodos: o “sem aparente modificação do ecossistema troiano” e o “com aparente modificação do ecossistema troiano”, bem mais longo o primeiro, com origem em época anterior à chegada dos Fenícios, tempo de “relativo sossego ecossistémico” que se estendeu até aos anos 70 do século passado; por essa altura, o turismo intensificava-se na península - algo com efeito muito superior ao que fora desenvolvido por manifestações de curta duração e de efeitos diminutos (em termos comparativos), como a ocupação estival localizada das praias troianas, as acções de índole religiosa, a indústria baleeira (em curtos dois anos), as instalações militares para apoio à Base Aérea de Beja ou o alojamento dos regressados das ex-colónias - e trazia consigo a poluição resultante da mobilidade motorizada e do aumento de ruído e a progressiva devassa do sistema dunar por parte dos visitantes esporádicos.
Teme o autor que este conjunto de pressões se torne ingovernável no futuro se não houver planeamento adequado associado às unidades de desenvolvimento turístico entretanto aprovadas (e em curso) na península, situação agravada pela multiplicidade de instituições com responsabilidade sobre o local, num retalho facilitador de acções desfavoráveis ao ecossistema.
Considerando a importância da península para a solidez do perfil do estuário do Sado, o autor lamenta a intervenção humana que tem contribuído para a degradação progressiva do ecossistema e para a sua descaracterização, assim como lastima a quase inexistência de pontes da parte dos grandes proprietários e entidades tutelares com os “moradores / residentes frequentes”, que constituem “uma minoria sem capacidade de decisão sobre o futuro do seu habitat” e que deveriam “ter uma palavra a dizer sobre as suas condições de vida”.
Assim, Península de Tróia - Reflexões Improváveis afirma-se, por um lado, como um texto que equaciona a acção sobre o território a partir de dados históricos e da situação actual, e, por outro, como uma proposta de participação cidadã de quem ali vive um tempo significativo, com vontade de participar no interesse comum perante um espaço que não deverá estar à mercê de decisões que não contem com as pessoas. Em poucas palavras: um alerta e a disponibilidade e expressão do direito à participação.
* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 947, 2022-10-26, pg. 9.