quarta-feira, 15 de maio de 2024

Setúbal numa viagem interior de Bruno Vieira Amaral

 


“Um dia, há muitos anos, arrastado não sei por que força, vim aqui parar, a esta praia, de onde se vê a serra e parte da cidade. Tinha levado uma velha máquina fotográfica do meu avô e tirei algumas fotografias. Banais, para não dizer pior, são o único registo dessa tarde de setembro, quando no areal havia poucos veraneantes e tudo se adequava ao meu estado de espírito, na ressaca de um desgosto amoroso. (...) Naquela tarde, eu vim aqui porque este era o limite geográfico do meu mundo, o mais longe que podia ir sem ultrapassar a linha imaginária para lá da qual o regresso era incerto.” Quando isto escreve, Bruno Vieira Amaral (n. 1978) aproxima-se já do final da sua narrativa em Setúbal (Centro Atlântico, 2024), obra que integra a colecção “Portugal”, composta também por fotografias da região devidas a Libório Manuel Silva.

A questão da fotografia não é de somenos, porquanto, logo no início do livro, de outras fotografias se fala — as que permitem ver momentos do passado ou aqueloutras que visam registar, “na medida do possível, o que a paisagem tem de inspirador e de terrível”, mesmo que o fotógrafo curioso e sensível, depois, chegue à conclusão de que a imagem que captou “fica sempre aquém do verdadeiro mistério” que acompanha o visível...

É justamente na tentativa de desvendar o mistério dos lugares que o narrador deste livro parte, numa viagem que, não esquecendo o que na região impressiona o olhar (Albarquel, Portinho, Arrábida e seu Convento, Azeitão, nos arredores; praça de touros, Misericórdia, cemitério da Piedade, coreto da Avenida Luísa Todi, monumento aos Combatentes, Convento de Jesus, gafaria, Galeria Municipal, na cidade), valoriza sobretudo a forma como a paisagem e a história se foram construindo, num percurso que cultua os heróis anónimos e algumas figuras conhecidas.

Se os construtores dos dias e dos tempos são habitualmente albergados na capa do anonimato, Bruno Vieira Amaral faz por se opor ao princípio de que dos anónimos “não reza a história”, abandonados que foram “na roda trituradora de um quotidiano que tudo destrói”. Assim, logo de início, surgem os pescadores, os jornaleiros, os trabalhadores das fábricas, os bandos de crianças, mesmo os doentes acamados, todos elementos, homens e mulheres, “que marcaram gerações e cuja memória se desvaneceu no tempo”.

O viajante vai calcorreando as ruas e os espaços como quem vai desenhando as artérias, descobrindo as histórias que são contadas a partir das memórias ouvidas das pessoas com quem se cruza, numa recuperação que provoca o desvendar do mistério. O leitor que o acompanha vai aprendendo noções tão simples quanto a que resulta do saber olhar, como acontece durante o embrenhamento na serra, que, “para ser decifrada, pede entrega e abandono, exige tempo e não apenas o contacto passageiro e superficial do turista apressado”. Esta atitude leva o visitante a momentos de contemplação, num quase entrar na história, em que a tela do visível lhe proporciona momentos de fantástico — perante o navio avistado na baía, logo a imaginação reencarna os galeões de pesca, os barcos de água, as aiolas, os iates e até a tripulação que o manuseia e trata é apresentada como descendente “desses marinheiros e pescadores, piratas e flibusteiros, reis e rainhas” de antanho.

Não fica o leitor sem saber as histórias de Hildebrando, de Tubal, de Mendo da Costa, de Frei Agostinho da Cruz, de Sebastião da Gama, de D. Brites, de Orlena Scoville, de Américo Ribeiro ou de Vicente Inácio Martins, o rapaz dos pássaros que povoa o mural do Largo José Afonso. Não fica o mesmo leitor sem passear por Azeitão, com visita à Bacalhoa e à Casa-Memória e ao sabor de um néctar (pretexto para evocar a ancestralidade do saber quanto ao trato do vinho, história feita de gestos e tradições mantidas por seres, “todos eles poetas sem jamais terem escrito um verso”). Não fica o leitor sem deambular pelas ruas da cidade (várias delas dominadas pelas lojas encerradas), vias em que, “sem roteiro ou mapa, o viajante depende da intuição”, até chegar ao Convento de Jesus, ponto final do emotivo e emocionado roteiro, quase símbolo de ascensão ao mistério das coisas.

Não é por acaso que o livro começa com o registo do mistério que envolve cada comunidade, cada espaço — é que “claridade”, a palavra com que o percurso se conclui, explica a intenção da viagem e o cunho eminentemente pessoal que marca este itinerário, consequência que ele é de um olhar poético que humaniza e eterniza o tempo e a paisagem.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1300, 2024-05-15, pg. 10.


quinta-feira, 9 de maio de 2024

A Setúbal dos “bairros de folha”

 


São cerca de 70 fotografias que chocam. A preto e branco, revelam as zonas da sombra em que a vida acontecia. São bairros de barracas — não de casas — em que as paredes surgem desalinhadas e os telhados se formam de folhas de alumínio ou, por vezes, de telhas soltas, em que os interiores resultam de amontoados sem espaço, em que os caminhos são consequência da passagem e do trilhar dos pés, em que nos surpreendem rostos de crianças e de mulheres, espaços de onde os homens estão ausentes. São cerca de 70 fotografias que acompanharam um relatório feito pela Câmara de Setúbal no início da década de 1970 sobre a situação das barracas e da sua habitabilidade (ou falta dela) em cerca de vinte bairros de Setúbal, onde viviam 11 mil pessoas. São cerca de 70 fotografias que surgem legendadas pelas vivências e memórias de quem conheceu aqueles espaços, de quem neles viveu.

Outro mundo no mesmo lugar - A cidade das barracas é o título do livro organizado por Vanessa Iglésias Amorim, Jaime Pinho, Alberto Lopes e Lia Antunes (Centro de Estudos Bocageanos, 2024), obra que parte do relatório já referido e das fotografias que o acompanhavam, comentadas pelos testemunhos de vários entrevistados, para mostrar o estado da habitação nos bairros de folha em Setúbal em 1974. “Bairros de folha”, designação utilizada devido, como refere Vanessa Amorim, “à frequente utilização dos excedentes da folha de flandres da indústria conserveira e/ou ao uso de latas grandes de conserva desmanchadas para vedar as paredes”. “Bairros de folha”, assim retratados num comunicado da Comissão Administrativa da Câmara de Setúbal publicado em “O Setubalense”, em 21 de Junho de 1974: “Visitámos os bairros pobres da cidade de Setúbal. Porque já conhecíamos o problema, a situação que nele encontrámos correspondeu às nossas previsões: um imenso formigueiro humano vivendo no meio do estrume e dejectos, situação que nos faz recuar, em pleno século XX, à Idade Média.”

Os números apurados impressionam — segundo Lia Antunes, em 1947, haveria em Setúbal 23 bairros de lata, constituídos por 1320 barracas onde viviam 5049 pessoas, números que, em 1970, já se tinham alterado: 2254 barracas para 11022 habitantes, cada uma com cerca de 15 metros quadrados de área média, espaço em que viviam, em média, quase cinco pessoas. O relatório produzido por 1970, sustentado em inquérito promovido pela autarquia, encontrou uma metáfora deprimente para estes bairros, “abcessos da cidade”, imagem segregadora, muito mais preocupada com a necessidade de os fazer desaparecer do que com a urgência na resolução do problema de habitação.

O leitor passa pelas fotografias, que constituem a maior parte do livro, e não pode ficar indiferente, sobretudo se deixar que o seu olhar seja acompanhado pelas legendas testemunhais ­— “Olha, antes de ir pró trabalho tinha de ir carregar água - porque não havia água em casa, era o depósito. Às 4 da manhã, 5 da manhã, levantar pra ir à água... Era agarrar do balde do lixo e mandar para os buracos que lá havia.” “Em certos bairros havia barracas em que a água passava por dentro da casa das pessoas. Era ratazanas e toda a bicharada.” “O bairro de barracas tinha um corredorzinho muito pequenino para passar! Não havia luz. Nem havia na rua, nem havia nas casas. Não havia electricidade. As pessoas, para não se perderem, associavam os sítios às mercearias, aos estabelecimentos.” “Ninguém tinha esgoto. As pessoas faziam as necessidades numas tigelas de barro, a gente chamava aquilo de ‘tigelas da merda’. Havia pessoas que durante a noite (os moços!) partiam aquilo e espalhavam tudo!” “Havia muitas ratazanas. À noite, a minha irmã estava no berço, era bebé, e a rata roeu o dedo da bebé.” Estes e outros depoimentos dizem muito mais do que aquilo que fica expresso...

Dos 22 bairros identificados, havia seis com número superior a uma centena de barracas — Casal das Figueiras (550), Monarquina (248), Alto do Pina (236), Maltalhado (208), Vale de Cerejeiras (193) e Montureiras (106). As razões para tais cenários são frequentemente apontadas como resultantes de uma aceleração de crescimento em termos populacionais devido à atracção exercida pelas indústrias como fonte de emprego, geradoras de mobilidade demográfica. A cidade não conseguiu dar resposta humana aos que chegaram, tornando-se patente que a política também não o fez. Hoje, calcorrear algumas zonas da cidade é vermos “outro mundo no mesmo lugar” onde o sofrimento construía o quotidiano, imagens que este livro lembra para que não se repitam.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1295, 2024-05-08, pg. 5.

 

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Álvaro Laborinho Lúcio e a pergunta fundamental (2)



De perguntas é feito o percurso na prática da justiça, sobretudo para se entender que “a justiça radica no povo”, embora a sua administração passe para determinadas mãos em função de um contrato social. E não é sem um respeito profundo que lemos, trazidas por Álvaro Laborinho Lúcio para este A Vida na Selva, as histórias do juiz do Soajo, da ética da polícia, do estatuto carregado na simbologia da beca judicial, da reflexão que pode emergir do que seja “fazer justiça pelas próprias mãos”. Perguntar deve ser uma preocupação contínua e persistente, sendo um desafio o texto que nos fala sobre a carreira, num percurso entre a estafada pergunta “que queres ser quando fores grande?” e a pertinente questão “agora, que és grande, queres ainda ser o quê?”, alerta que obriga a um compromisso com a formação constante, com um aprender permanente, atitudes essenciais para se ultrapassar fenómenos como a incerteza e a complexidade que nos invadem.

Questões da literatura e da leitura passam por outros capítulos, onde surge evidente a necessidade de um pacto entre escritor e leitor em termos de plausibilidade do narrado, sem que a ficção vire mentira e aniquile o pensamento crítico do leitor, e de valorização da palavra, esta perspectivada também no longo trajecto feito entre princípios como a “palavra de honra” e a necessidade de se “pôr por escrito”, ambos capazes de garantir, em tempos diferentes, a saúde do compromisso. É de literatura e do seu papel que se fala quando é evocado o tio que deixou umas memórias intituladas “Todos Vivos”, onde é dada vida às personagens das suas leituras; é de literatura e dos princípios que se fala quando Natália Correia, convidada para falar sobre estética e ética, vira costas porque nem uma nem outra têm de ser tratadas sob a carapaça do chamado “intelectual”; é de literatura e da sua universalidade e representações que se fala quando se recorre a Jorge Listopad para evocar a presença do teatro nas cadeias, formas de ver e de pensar outras vidas. E é também de leitura que se fala pelas muitas referências a textos de outros que povoam estas crónicas.

As perguntas andam também pela área da educação e da escola, sobretudo na concepção de uma carta que poderia ser dirigida a Paulo Freire a glorificar a escola pública, motivo para destruir sistemas como o da exclusão ou o de “dar a matéria” e para construir um tempo e um espaço propícios para “desenvolver o máximo das capacidades de cada um dos seus alunos e de cada uma das suas alunas, por forma a que uns e outras possam participar activamente na vida pública - política, económica, social e cultural.” E, a propósito da escola, a defesa de uma utopia: que “o dia de abertura das aulas, em cada ano, deixe de se apresentar como tempo de conflito político, partidário, reproduzindo sempre o mesmo desinteressante rosário de argumentos esgrimidos a favor ou contra o sucesso do arranque, e, em vez disso, seja um dia de festa nacional: o dia do regresso às aulas.” Utopia deve ser, uma das nossas utopias, por amor à escola e ao saber ser, mas que só será plena se pensarmos na forma de a realizar...

Socorramo-nos de um outro texto de Álvaro Laborinho Lúcio que bem podia integrar este A Vida na Selva - publicado em 2023, em reduzida tiragem, O Velho e a Escola (Entre o Ensaio e a Ficção) (editora Nova Mymosa), traz-nos uma personagem, o Velho, de quem nos é dito, logo no início, que procura “projectar o ser humano para fora da indiferença, da apatia, da desistência e do desinteresse, em suma, da banalidade”. Será que se consegue chegar aí numa escola que valoriza palavras como aquelas que indignavam o Velho - “sucesso, exigência, laxismo, disciplina, indisciplina, desobediência, mérito e tantas outras”? E porque não substitui a escola, a sociedade, essa semântica por outra que contemple termos como “arte, democracia, direitos humanos, cidadania, conhecimento”? Conclui o Velho: “Estas, sim, são palavras que navegam, que traçam novas rotas, que enchem de valor o terreno onde prevalece a força da ética e da liberdade”.

Por todo este conjunto de ensaios construídos sobre histórias, vividas ou inventadas, corre uma pergunta fundamental — que sentido para a vida? Esse é o desafio permanente, mas obrigatório. E apetece, de novo, repetir o que fica dito no posfácio de A Vida na Selva, construído por Álvaro Laborinho Lúcio, leitor do que escreveu: estes textos foram relidos e reaparecem “sempre com o fito de chamar e de juntar vizinhos.”  Para que não tenhamos como resposta, no fim do trajecto, uma desculpa semelhante àquela que a mulher deu ao homem seu vizinho para explicar o porquê de nunca se terem conhecido antes — “Pudera! Éramos vizinhos!” O desafio está lançado...

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1291, 2024-05-02, pg. 10.


Álvaro Laborinho Lúcio e a pergunta fundamental (1)



No tempo da pandemia, um homem, que vivia sozinho em modesto apartamento, descobre, por motivos de arrumações, a viola há muito abandonada; tenta rearrumá-la debaixo da cama, mas o espaço vazio não o permite; o homem pega na viola e começa a lembrar os acordes há muito silenciados; insiste e a música leva-o ao canto; lembra-se de compor; canta e surpreende-se porque há uma voz feminina da vizinhança que o acompanha; um dia, ao abrir a porta que dava para a escada, vê a vizinha, adivinhando-lhe o rosto, então tapado por máscara; a cena repete-se no dia seguinte e ambos acabam por viver uma paixão. Com o fim da pandemia, a história sofreria alterações - “Tudo voltaria a ser como dantes. Era a peste que voltava. António arrancou a máscara e perguntou: ‘Como foi possível? Tanto tempo aqui, sem sabermos de nós?’ E a mulher, de máscara posta, respondeu: ‘Pudera! Éramos vizinhos!’”

Esta é uma das histórias que corre no mais recente livro de Álvaro Laborinho Lúcio, A Vida na Selva (Quetzal Editores, 2024), obra apresentada em quatro partes, todas intituladas numa relação com o itinerário que se nos apresenta como vida — “Tempos de nascer”, “Tempos de voar”, “Tempos de lutar”, “Tempos de partir”. “Tempos”, sempre no plural, porque não são determinados ou calendarizados, porque não são únicos, porque é a diversidade de uma vida que vai arrumando os eventos que a fazem de acordo com a importância que eles têm; ainda assim, pode-se entender a sequência que envolve o trajecto entre o “nascer” e o “partir”, passando pelo “voar” e pelo “lutar”, fases que implicam despertares, aprendizagens, acções, despedidas, sempre envolvendo os outros, aqueles com quem se trilha o caminho ou que encontramos no itinerário.

São 19 crónicas (em que se mistura memória, ficção e reflexão) e um prefácio e um posfácio, tudo na conta do autor, que começa com uma confissão, simultaneamente provocação: “não gosto de prefácios”, abrindo excepção para os que são de autor “ou os grandes pórticos, aqueles que são já mais oferta do que simples convite”, preferência que desenvolve através da metáfora do olhar, ao estabelecer a distância que vai entre a “espreitadela”, momento furtivo, e o acto de “espreitar”, forma de “procura permanente” que aproxima quem escreve e quem lê, que valoriza o exercício da palavra na sua relação com as formas de estar no mundo e na vida, o pensamento livre e crítico, a dignidade da utopia, esse espaço irrealizável que vive sempre connosco. Saltando para o final do livro, surge um posfácio, tempo que deveria ser feliz para o leitor (apesar de ser também o momento que anuncia a sua separação de todo aquele manancial de dizeres), porque deveria competir ao leitor ser o autor do posfácio, forma de releitura e de completamento da tarefa de escrita. Um desafio, pois. Mas é também o texto em que o autor explica que olhou para os dispersos e inéditos, releu-os e reorganizou-os, com um objectivo e uma pergunta: “Sempre com o fito de chamar e de juntar vizinhos. Como eu gostava que eles se chegassem. E, se assim for, que melhores vizinhos para quem escreve do que os seus leitores?”

Este livro, predominante na área do pensamento e do ensaio a partir de histórias vividas e, por vezes, condimentadas com a ficção, deixa perguntas, convida o leitor à inquietação, à saída do desconforto da normalidade, a viver a utopia dos sonhos e da procura de respostas, sugerindo sempre outras perguntas. É curiosa a forma como um texto intitulado “Autobiografia”, que poderia ser um recanto de certezas por relatar o passado, o vivido, se torna num olhar sobre a quantidade de vezes que se nasce - “Ninguém nasce de uma vez. Nascemos aos poucos, pelo tempo fora. Vamo-nos juntando à medida que nascemos. Vamo-nos desconjuntando à medida que vivemos.” E há a narrativa de episódios escolares desgastantes pelos maus prenúncios; o acompanhar o pai, trabalhador nos correios; as vivências juvenis na Nazaré; o compromisso cívico no tempo de estudante e da crise académica de 1962; a carreira pela magistratura e o aprender a julgar; o “tempo novo” aprendido nos Açores; os caminhos da escrita; as lembranças da família, sobretudo do avô, figura que espreita em várias crónicas. 

A vida feita de perguntas vai encontrar eco no capítulo “Nossa Senhora das Perguntas”, um quase cântico à padroeira que intrigava a criança quando via o avô, homem “sem missas, sem preces, sem visitas clericais”, a curvar-se perante os campanários da igreja do Sítio, na Nazaré, tirando o chapéu e venerando o espaço, como se se verificasse um encontro do homem com a santa padroeira ou da santa com o homem... uma evocação que se conjuga com uma outra reflexão, sobre o voo, onde se encontra o Velho da aldeia que gosta das perguntas das crianças, porque elas determinam que voar é muito mais importante quando acontece no tempo do que no espaço - “Quem voa no espaço é levado por outros, voa com asas que são asas de outros. (...) Quem voa no tempo voa para dentro. Para a lonjura e a imensidão onde habita o humano e de onde brota o poema.”

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1287, 2024-04-24, pg. 10.