A permanência dos sonhos que Abril trouxe, como alimento da liberdade e do futuro, ressalta em várias mensagens presentes neste São Cravos, como no poema de Analita Santos, que, no terceto final, deixa o desafio: “Hoje, a cada dia, há um abril a reiterar. / Há outros cadeados e passos a percorrer, / para que o grito de abril continue a renascer.” Incisivo no dever de proteger os cravos de Abril é Artur Ferreira Coimbra, que, na “Carta de um avô aos netos sobre os dias de Abril”, lembra o antes e o depois e exorta os descendentes: “Meus netos: regai em cada hora os cravos da liberdade, para que não / Mirre o vermelho da esperança no coração dos dias que vão nascendo.”
O poema assinado por Maria Manuela Mendes Ribeiro, formado por seis quadras, tem a particularidade de fazer perguntas, usando anaforicamente a expressão “quem sabe hoje em dia” para enaltecer quem fez despertar a luta por um Abril promissor e apresentar um quadro da tristeza do passado (marcado pela perseguição, pelo sofrimento, pela tortura da prisão, pela ousadia da luta de uns tantos), levando o leitor a pensar na responsabilidade de sentir que o “Abril cantado” é muito mais forte do que a alegria resultante de um feriado... É Maria Quintans quem lembra a intensidade da data cinquentenária: “abril será sempre a / varanda aberta / onde nos sentamos a / admirar o sobrenome / da vida.” A mesma emoção de Abril é trazida por Rita Taborda Duarte, num jogo em que não faltam palavras recriadas e cuja última estrofe, pela força da repetição, pretende afirmar o essencial da liberdade: “Dar uma no cravo / outra no cravo / outra cravo / outra no cravo”.
No conjunto dos poetas antologiados, vários nomes estão ligados à região de Setúbal, como Alexandrina Pereira (que poetiza Abril, lembrando que: “Um grito surgiu da alma de um povo. / Ergueu-se um país que nasceu de novo.”), Álvaro Giesta (com um poema de louvor aos que fizeram e sonharam o anúncio de Abril), António Manuel Ribeiro (que traça um retrato do que “era um país em forma de aldeia” até ao momento em que “veio da noite o piparote” que “dobrou o regime por dentro”), Dina Barco (cujo texto nomeia Abril em todos os seus versos, enaltecendo as bandeiras do sonhado e desejado), José-António Chocolate (que põe a expressividade lírica em favor da data: “Era abril e outro mês não podia / ser mais forte, de esplendor e beleza, / ter luz clara e anunciar novo dia.”) e Sara Loureiro (apregoando, num poema que vive do sensorial, que “a liberdade foi um grito não murmúrio” com gosto “a plasma a vida a sonho transparente”). Três outros poetas participantes, como António Canteiro, Luís Aguiar e Xavier Zarco, foram vencedores de prémios literários ligados a Setúbal, designadamente os que têm como patronos os poetas Bocage e Sebastião da Gama.
A participação poética do coordenador desta obra, Luís Aguiar, cifra-se num texto feito de memórias e de aprendizagens, dedicado ao pai, “militar de Abril de 1974”. O seu final é, talvez, a melhor justificação para a existência de um livro como este, associando o conhecidíssimo cartaz concebido por Sérgio Guimarães, a memória e a necessidade da escrita: “Recordo-me do cartaz com um menino de cravo na mão / a silenciar uma G3 - ímpeto de um pássaro livre -, / já que a liberdade a todos pertence, e se alastra, certamente, / às amargas recordações, mas que são imunes ao olvido, / visto que o peso da memória também pode, um dia, habitar um livro.”
* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1507, 2025-04-09, pg. 10.