quarta-feira, 31 de julho de 2013

Arrábida - O livro da candidatura a património da Humanidade



O livro da candidatura da Arrábida a património da Humanidade está, desde há dias, ao dispor do público, em edição da Associação de Municípios da Região de Setúbal (Arrábida. Setúbal: AMRS, 2013). Em cerca de 230 páginas, recheadas com muitas fotografias, a obra alberga o processo de candidatura da Arrábida, assente em variadas facetas, porque, como é dito logo a abrir, “o espírito deste lugar, a sua alma, reside nesta união orgânica, reflectida na sua paisagem, de geologia e clima, de paleontologia e iconografia, de flora e fauna, de espeleologia e religiosidade, de património edificado e imaterial, de lendas e tradições”, tudo fazendo dele “um lugar de fronteira e de mistério, de memória e de herança”.
Se outra vantagem não existisse, esta chamada de atenção sobre a Arrábida bastaria para um olhar atento sobre o património que nos rodeia e de que somos feitos. É essa ideia que Alfredo Monteiro, Presidente do Conselho Directivo da AMRS, defende na nota de abertura: “o nosso conhecimento do Bem é hoje mais profundo e actualizado, mais rigoroso e ajustado, fazendo jus à excepcionalidade dos valores que a Arrábida contém”.
A obra organiza-se em três partes: “identificação do Bem”, “Património Natural” (paisagem, geologia, clima, vegetação, fauna terrestre, parque marinho) e “Património Cultural” (património arqueológico, património edificado, património imaterial). Na prática, num complexo que ocupa uma extensão de 35 km por uma largura de 6 km, entre Setúbal e o Espichel, a Arrábida revela-se em 85 valores encontrados (42 do património natural, 38 do património cultural e 5 do património imaterial) e a fundamentação para o seu elevado valor para a Humanidade vive com as justificações de textos científicos, como os de Orlando Ribeiro ou José Gomes Pedro, e de textos literários, como os de Torga, Arronches Junqueiro, Sebastião da Gama, Camões ou Saramago, entre outros.
Apesar de esta obra ser a apresentação de um projecto, ela constitui uma mais-valia no conhecimento da Arrábida, indispensável para a bibliografia e para o saber sobre a serra que nos fascina e nos convoca, essa “varanda de ver o mundo”, como lhe chamou o poeta setubalense Miguel de Castro.
A propósito do lançamento desta obra, feito no Convento da Arrábida, em 18 de Julho, é de toda a justiça louvar o grupo de teatro “O Bando” pela representação com que este acto foi ilustrado. “Al-Rabita” se intitulava a dramatização que, em torno da figura feminina da Arrábida, mostrou o quão importante do ponto de vista cultural a serra é, navegando sobre textos vários de carácter científico e de cunho literário, em que marcaram presença nomes tão diversos como Alexandre Herculano, Sebastião da Gama ou José Saramago. Excelente este trabalho, a merecer também divulgação, devido à encenação de João Brites, à música de Jorge Salgueiro e aos actores Guilherme Noronha, João Neca, Paula Só, Raul Atalaia e Sara de Castro e a toda a equipa do “Bando” que para “Al-Rabita” trabalhou.

sábado, 27 de julho de 2013

Anita Vilar: mulheres da história de Setúbal



Oito anos foi o tempo que Anita Vilar levou a preparar a obra recentemente apresentada, Panorama de uma história local no feminino (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2013), livro organizado em jeito de dicionário, biografando 74 mulheres que estiveram ligadas à história de Setúbal.
O trabalho não terá sido fácil, referindo a autora a sua principal dificuldade: “os arquivos, desvalorizando os contributos femininos, não registavam dados pessoais tais como o local e data de nascimento e a profissão (…), sendo muitas vezes a mulher, a mãe de”. Daí também a cautela com que a autora apresenta este trabalho, afirmando não estar concluído, pois, além de ser o primeiro levantamento exaustivo do género, ressaltou também a dificuldade da impossibilidade de “obter todos os dados biográficos referentes a algumas mulheres”, obstáculo que não condicionou a decisão de, mesmo assim, no livro constarem nomes com uma biografia de conjectura ou de dúvidas, honestamente assinaladas.
As biografadas abrangem um longo período da história sadina, desde o século XV até à actualidade, e foi critério referir apenas nomes que já tivessem concluído o seu ciclo de vida: no século XV, contam-se os percursos de Justa Rodrigues Pereira e de Maria da Pipa; no século XVI, visita-se Margarida Dias e Leonor de S. João; no século XVII, conhece-se Beatriz Gonçalves, Maria Guadalupe de Lencastre e Ângela Maria; no século XVIII, é o encontro com Mariana du Bocage, Cecília Rosa de Aguiar, Isabel Ifigénia de Aguiar, Ana Maria do Amor Divino e Luísa Todi; no século XIX, o que mais nomes conta,  cruza-se o leitor com Gertrudes Angélica de Andrade, Ana de Almeida, Maria Emília da Mota Negrão Barradas, Maria Henriqueta de Campos Valdez, Maria Adelaide Vieira, Maria de Jesus Almeida do Soveral, Maria Angélica de Andrade, Maria Amália, Hermínia Augusta Marreiros Borges Campos, Maria Baptista, Maria Amélia de Orleães, Maria Júdice da Costa, Joaquina Aurélia Baptista Guerreiro, Ana de Castro Osório, Francisca Romana Lino da Silva, Angelina Paula Mota Quintas, Ana de Broughton de Meneses Ferro Gamito, Ema Garcia Peres Grill, Raquel Elvas Mascarenhas, Maria Felicidade de Ferreira Miranda, Maria Cândida de Oliveira Parreira, Maria Augusta Ferreira de Sousa Fialho, Joaquina Rosa de Lima, Luísa Eduarda Gonçalves, Olga de Morais Sarmento, Maria Bárbara Falcão, Falcão Mercês, Mariana Torres, Laura de Jesus de Almeida, Benedita Maria, Carlota Rosa Ramos, Maria Ilda da Conceição de Oliveira, Lúcia da Encarnação Maracoto, Amélia Azevedo, Albertina Aldegundes de Moura Benício, Ária Amazonense Ferreira Ramos, Pátria Amazonense Ferreira Ramos, Alda Machado Santos, Ernestina Esteves Vieira Abreu, Cândida Marques Pascoal, Marta de Jesus da Silva Lebre, Deolinda Macedo, Eufrásia Lino da Silva, Bárbara Marques Pascoal, Ilda Stichini, Teresa Lino da Silva, Irene Augusta Faria Costa do Nascimento e Maria Campos; do século XX, são figuras como Maria Arminda Cândido Graça, Madalena da Costa Claro, Emília Rosa Colaço, Margarida Caineta, Arlete Soares Silva de Oliveira Guimarães, Oceana Rosa de Sousa Zarco, Clarinda Silva Carvalho, Maria Adelaide Miguéns Rosado Pinto, Maria Clementina da Conceição Coelho Amália, Maria Inácia Simão Godinho, Lygia Messodi Toledano Ezaguy, Susana Soveral Gomes, Maria do Rosário Fátima Almeida Santos e Maria Cecília Pereira Anjo.
Por estas cerca de sete dezenas de fichas desfilam figuras ligadas à política, à intervenção social, ao desporto, à educação, ao mundo do trabalho, às artes, algumas constando na toponímia sadina mas a maioria delas tendo uma biografia de lacunas. O trabalho que Anita Vilar nos apresenta refere essas mesmas adversidades, mas tem a vantagem histórica de ser uma primeira abordagem de conjunto, diversificada, mostrando o peso que a mulher tem tido na história local, apesar de, habitualmente, ser relegada para um plano mínimo ou para a omissão. Trata-se de uma obra útil, indispensável para a bibliografia local, a merecer consulta ou mesmo leitura integral, assim se descobrindo uma faceta importante da identidade setubalense.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

"Eça agora" - nos 125 anos de "Os Maias"



A passagem dos 125 anos sobre a publicação de Os Maias, de Eça de Queirós (1ª ed., 1888), obra cuja presença no cânone português é indiscutível, constitui o pretexto para as releituras ecianas ou para leituras do país e da nossa contemporaneidade, na peugada de Eça.
Exemplo é o projecto do semanário Expresso, designado “Eça agora”, constituído por sete volumes: três deles reproduzindo a obra que se celebra; outros três apresentando ficções que continuarão Os Maias num percurso temporal até 1973 (em textos devidos a José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Mário Zambujal, J. Rentes de Carvalho, Clara Ferreira Alves e Gonçalo M. Tavares); o último divulgando esse estudo indispensável sobre a saga da família Maia, intitulado Introdução à leitura d’Os Maias, devido a Carlos Reis (1ª ed., 1978).
Um outro exemplo do destaque dado ao romance maior de Eça é a edição do Jornal de Letras – JL, de ontem (nº 1117, 24.Julho.2013), que revisita Os Maias, através de Carlos Reis (dando a sua experiência de leitor da obra, num texto de marcas pessoais, que o leva a considerar a sua releitura como “uma aventura sem fim”); de Kyldes Batista Vicente (universitária brasileira que reflecte sobre a recepção da mini-série que a TV Globo produziu a partir de várias obras de Eça); de Maria do Rosário Cunha (investigadora ligada à edição crítica d’Os Maias, que ajuiza sobre esse trabalho); de José-Augusto França (revelando o fascínio pela construção de uma personagem como Maria Eduarda); de Filomena Oliveira (analisando a versão dramatúrgica da obra, de que foi co-autora, com Miguel Real); de Carolina Freitas (no resultado de uma conversa com o realizador João Botelho, que vai rodar nova película sobre esta obra); de um painel constituído por Manuel Jorge Marmelo, Miguel Real, Nuno Camarneiro, Fernando Venâncio, Teolinda Gersão, Mário de Carvalho e Mário Cláudio, que se aventuram no gizar do que seria o plano ou o capítulo inicial da obra Memórias de um átomo, jamais escrita mas sempre prometida por João da Ega; de cinco dos seis continuadores d’Os Maias (não participa Gonçalo M. Tavares) do projecto do Expresso, que respondem a inquérito a propósito do trabalho em que se envolveram – destaco o testemunho de Clara Ferreira Alves, assumida como “queirosiana confessa, inabalável”, que revela a sua surpresa de cada vez que relê Eça e considera as personagens queirosianas como integrando a sua “família espiritual”.
No entanto, o título dado a este projecto, “Eça agora”, existe já desde 2007, ano em que foi publicado o romance Eça agora – Os herdeiros d’Os Maias (Lisboa: Oficina do Livro), obra colectiva devida a sete autores: Alice Vieira, José Jorge Letria, José Fanha, Luísa Beltrão, Mário Zambujal, Rosa de Lobato Faria e João Aguiar.
Obra forte, que conquista o humor eciano e critica fortemente os hábitos sociais do século XXI, nela, “herdeiros” são os autores, que seguem a via queirosiana, seja pelos reflexos evidentes dos incidentes com as personagens, seja pelo papel que essas mesmas personagens vão desempenhar na obra, seja pelo ambiente em que a trama vai acontecendo; “herdeiros” são as personagens, elas mesmas, intensamente marcadas pelos nomes, determinadas por um Afonso e um Carlos da Maia, decalcados do original, figuras que surgem rodeadas por outras que, pelas atitudes e pelas aproximações fonéticas aos nomes queirosianos, nos dão a aguarela em que assenta esta narrativa – João da Régua, Dodô Varinho, Damásio Malcede, Palma Cavalito, Além Mar, Maria Moncorvo, Maria Hermengarda, entre outras – nomes que se cruzam com a Lisboa e o Portugal contemporâneos, matizados nos partidos políticos, no Gambrinus, na Quinta da Marinha, nos concertos, em organizações como a Populus Dei, no periódico 48 horas, nos clubes desportivos, numa capital efervescente de socialite; “herdeiros” ainda pelas intenções, já que é evidente a crítica social e política sobre o momento em que a obra foi produzida, eivada de nomes que fazem lembrar os do “Contra-Informação”, como são exemplos Aristides Platão, “primeiro-ministro”, ou Procónio Guterros, Morcão Lamoso, Sanlopes Tana, Marcos Arquimendes, Luís Filipe Menelau ou o Dr. Saulo Cortas, ou mesmo o Presidente Vassilva Caco…
No final, como “delicada alusão”, Carlos da Maia e João da Régua vão apanhar o metropolitano e, enquanto se lamentam pelo facto de tudo continuar na mesma e verificam que “nada vale a pena”, decidem correr na gare rumo ao comboio que estava para partir. “Corre, que ainda o apanhamos!”, aconselhava João da Régua. E “saltaram degraus a quatro e quatro, entraram de roldão na carruagem de trás. O comboio pôs-se em movimento e desapareceu no túnel.”
Os sete autores, que foram construindo os seus capítulos na sequência do legado pelo autor anterior, em duas voltas (catorze capítulos, sem que nenhum tivesse sido autor de dois capítulos seguidos), juntam-se no fecho do romance (ou da telenovela), o “epílogo”, assumindo o estatuto de personagens que, numa reunião clandestina, têm um encontro com “um rosto humano, um rosto humano que eles conheciam de fotos antigas, de quadros e estátuas, um rosto afilado, com um monóculo entalado num dos olhos trocistas…”, Eça, ele mesmo. Eça, agora. Sinal de que se estava perante uma reunião de “herdeiros” de Eça. E a obra podia terminar.
No 125º aniversário de Os Maias, estas adaptações caucionam a actualidade de Eça de Queirós, indo muito além da citação em diferentes contextos e provando que a única alteração e actualização decorre dos cenários, originários da alteração da paisagem citadina ou social, porque o interior das personagens… ou, como o narrador de Os Maias acentuava no derradeiro capítulo, quando Carlos regressou do seu afastamento de uma década da capital, tudo permanece na mesma. Dê-se-lhe a voz: “Foram descendo o Chiado. Do outro lado, os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e dentada. E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas ombreiras, com colarinhos à moda.” Ainda por lá andam, 125 anos depois…

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Rostos (192) - Francisco Paula Borba



Francisco Paula Borba, em Setúbal, por Leopoldo de Almeida (1935)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

António Marcelino Igreja (1867-1952), o benemérito biografado por Ana Gomes



A vida de António Marcelino Igreja não é muito conhecida, apesar de ter sido um dos grandes beneméritos das Misericórdias de Lisboa e de Setúbal. Para isso concorre a escassez de testemunhos e o facto de a própria documentação existente ser sobretudo de carácter notarial, que, apesar de dar um contributo fidedigno, não vai muito além do cunho transaccional que a marca. Certo é que o período de vida de Marcelino Igreja está associado a uma série de circunstâncias que se cruzaram com a história do país, num tempo ocorrido entre a segunda metade oitocentista e o final da primeira metade do século XX. Foi por entre estas dificuldades que se moveu Ana Gomes, autora da obra António Marcelino Egreja (1867-1952), pretextada por se tratar de um benemérito importante para a obra de Misericórdia da capital [col. “Beneméritos” (7). Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2013].
O percurso do biografado é construído segundo o modelo do estilo da reportagem, numa escrita que viaja pelos documentos consultados e que tenta preencher esse esqueleto com alguns testemunhos de memórias já longínquas de mais de seis décadas, recorrendo a uma excelente caracterização dos momentos, circunstâncias e ambientes em que a vida de Marcelino Igreja decorreu.
Oriundo de família com origem galega por parte do pai (que de Pontevedra veio para Lisboa na leva da chegada dos galegos migrantes de meados do século XIX), esta condicionante constitui pretexto para uma ilustração e lembrança do que seria a Lisboa da época, frequentemente percorrida por galegos, sobretudo em funções subalternas – aguadeiro, empregado em casas de pasto, fazendo fretes, amolador, etc. Nada se sabendo sobre a infância e a juventude do biografado, o leitor vai encontrá-lo, vinte anos feitos, como sócio do seu tio, e depois sogro, António Igreja Moinhos, na empresa Moinho & Sobrinho, fortemente ligada a Setúbal nas duas últimas décadas oitocentistas. Motivo para tão íntima ligação é a indústria conserveira, que leva a empresa a agir na área da conservação dos produtos alimentares e seus satélites, como a aquisição da Litografia Setubalense, essencial para a estampagem das embalagens das conservas, ou a constituição de uma fábrica de guano. O nome de Marcelino Igreja surgiu ainda envolvido na criação da Empresa de Recreios Setubalense, responsável pela construção da Praça de Touros D. Carlos (actual Praça Carlos Relvas) e do Teatro D. Amélia (antepassado do Forum Luísa Todi).
Com um tal percurso, não podia António Marcelino Igreja estar distante da intervenção cívica e assim o vamos encontrar como responsável do Partido Republicano Português (PRP) em Setúbal. Paralelamente, em 1901, entra no Ministério dos Negócios da Fazenda com o cargo de inspector do serviço das contribuições, início de uma carreira que seguiu até 1935, ano da sua reforma, em que um dos passos foi o desempenho da função de Director de Finanças do distrito de Setúbal.
Este cruzamento de Marcelino Igreja com Setúbal forneceu a Ana Gomes a condição necessária para a apresentação de um quadro sobre o que foram as condições vividas na cidade do Sado durante o período situado entre a última década do século XIX e a de 1930, cronologia fortemente dominada pelo desenvolvimento industrial, pela organização dos trabalhadores e das profissões e pelo palco da política, cenário que a autora muito bem sintetiza, apoiada em recente e informada bibliografia de autores setubalenses como Albérico Afonso, Carlos Mouro ou Maria da Conceição Quintas.
Ao longo desta biografia, o leitor vai assistindo ao que foi o crescimento do espólio e da fortuna de António Marcelino Igreja e de sua mulher (de cujo casamento não houve descendência), nuns casos por negócio e aquisição, noutros casos por herança familiar, sobretudo através do contributo que é o último capítulo, “O legado”, em que os bens do benemérito são cuidadosamente enunciados, cruzando-se a informação com testemunhos e memórias de algumas pessoas que com ele privaram. Num universo dominado por considerável quantidade de bens, salta também a imagem de uma personalidade austera, culta, sensível e generosa. No seu testamento, foram beneficiados os seus mais próximos colaboradores e duas instituições ligadas ao bem-fazer, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a sua congénere setubalense – a esta última coube a herança de uma centena de contos, bem como todos os imóveis que o benemérito possuía no concelho de Setúbal.
Para se avaliar a dimensão da fortuna legada, o final do livro contém o “Inventário e Encargos do Testamento”, organizado por Cristina Gil, que refere a verba de quase 54 mil contos resultante do valor patrimonial de imóveis, de depósitos bancários, de móveis e sucata, de objectos de ouro e prata, de títulos e papéis de crédito, da venda de imóvel e do rendimento dos imóveis. A fechar a biografia, Ana Gomes considera: “ainda hoje, em pleno século XXI, decorridas seis décadas sobre a morte do benemérito, mais de uma dezena de prédios de Lisboa, oriundos da herança que confiou à Santa Casa, contribuem para manter pujante o gesto filantropo que assinou no passado.”
A obra conclui com uma útil cronologia, válida sobretudo por ser um documento que apresenta a relação do trajecto de Marcelino Igreja com as vivências histórico-sociais da época e dos lugares que o biografado frequentou, com uma bibliografia (fortemente dominada pelos documentos e registos notariais) e com a árvore genealógica do biografado. E, chegado ao final, o leitor vê-se com o retrato possível da personagem com quem conviveu ao longo de centena e meia de páginas, em tudo fiel àquele que a autora forneceu logo no início da obra, na “Introdução”: “Figura austera e discreta. Homem de firmes princípios e sólidas crenças. Republicano convicto. Espírito laborioso. Cavalheiro e distinto. Empresário invicto. Gestor hábil. (…) Personagem que a penumbra do passado torna enigmática. (…) Conquistou créditos enquanto industrial pioneiro do sector conserveiro, zeloso funcionário das Finanças ou astuto proprietário imobiliário. Para lá do êxito que colheu e do empenho que investiu em cada uma das acções a que se dedicou, em todas preferiu a sombra dos bastidores aos holofotes do protagonismo.” Esta biografia trouxe a luz possível sobre este retrato, reunindo as peças do puzzle necessário para o conhecimento de António Marcelino Igreja, dono de vida intensa e longa mas, até aqui, muito pouco conhecida.

domingo, 21 de julho de 2013

Para a agenda - Programa da Feira de Sant'iago 2013



A Feira de Sant'iago está aí. Desta vez tendo como tema a serra da Arrábida, no ano em que foi apresentada a candidatura da Arrábida a património da Humanidade. Para todos os gostos. Para a agenda!

terça-feira, 16 de julho de 2013

Para a agenda - Música e Dança da Bela Vista, em Setúbal



Uma tarde de música e dança na Bela Vista, em Setúbal. "Mudar o olhar". Para que nos olhemos. Para a agenda.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Para a agenda - Memórias de um século do Portinho da Arrábida



Memórias de um século no Portinho da Arrábida. A história pela fotografia. No forte de Santa Maria da Arrábida, no Portinho. Para a agenda!

sábado, 13 de julho de 2013

Arrábida, uma "ideia fresca para o verão", no "Expresso"



A capa da "Revista" do Expresso de hoje (nº 2124) mostra o corpo da serra da Arrábida e o recorte da Pedra d'Anixa sobre o azul das águas que os bordejam.
No interior (pg. 30), um texto assinado por Katya Delimbeuf, diz que a Arrábida é "um pequeno pedaço de paraíso embrulhado entre o verde da serra e o azul do mar". E, ao mencionar a estrada que serpenteia a serra, insiste nessa pincelada paradisíaca: "Cada curva é uma vertigem, um mergulho no abismo dos sentidos." Apelativo, o texto enaltece o convite da paisagem "à paragem, ao namoro". Pretextos são o convento, o forte, as praias, as actividades ao ar livre, os sabores... E, porque ao namoro invectiva o texto, a sugestão conclui com o degustar dos "amores de Azeitão", algo que se casa com a táctica sugerida pelo mestre pasteleiro: "despe-se devagarinho, mete-se na boca de uma só vez, não se morde, e espera-se que derreta". O resto é o sabor adocicado do suspiro e de lascas de amêndoa.
Uma das "50 ideias frescas para o Verão"...

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Helder Moura Pereira: infância e adolescência em "Eu depois inventei o resto"



Helder Moura Pereira socorre-se da infância e da adolescência em cerca de uma dúzia e meia de poemas que compõem Eu depois inventei o resto (Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2013). Poemas de lembrança, com Setúbal à mistura. Eis o último poema, lindo e sensível, sobre a escrita e a justificar o título:

No meu tempo, ah, dizer no meu
tempo é engraçado, havia pais
que levavam os filhos às putas.
Sei que houve gente que adorou
e outra que ficou traumatizada
para o resto da vida. O meu pai não
me levou a coisa nenhuma dessas,
mas deu-me o primeiro vinho a provar
e ensinou-me a escrever. Eu
depois inventei o resto.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Irrevogável semântica

Irrevogável – adj. Relativo a dramatizações imbuídas de afirmação, esteve para ter novo significado graças à interpretação intempestiva do governante e dirigente partidário Paulo Portas (n. 1962), mas ficou com o mesmo significado. Passou a designar governos que podem ser revogados, mesmo se a prazo e mesmo que por causa de um “irrevogável”, por interferência do político e governante Aníbal Cavaco Silva (n. 1939). Palavra impronunciável em situações que resultem de decisões políticas.

sábado, 6 de julho de 2013

Para a agenda - Nos 40 anos de uma livraria, a Culsete, em Setúbal



Em 7 de Julho, domingo, passam 40 anos sobre o nascimento da livraria Culsete, em Setúbal, pretexto para o arranque da celebração do aniversário. A partir daí, até 17 de Julho, a Culsete vai estar na rua a fazer o que sempre soube fazer, o que sempre fez: a pugnar pela leitura, pelos autores, pela cultura. Com o empenho da Fátima e do Manuel Medeiros. O programa destes 11 intensos dias é o que se segue. Com nomes como Arlindo Mota, José Ruy, José-António Chocolate, Helder Moura Pereira, Alice Brito, Fernando Bento Gomes e muitos outros. Com poesia, música, tertúlias. Para a agenda, claro!


José Pacheco Pereira na "Ler"



A revista Ler, de Julho-Agosto (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, nº 126), traz, pela mão de Ana Sousa Dias, uma entrevista com José Pacheco Pereira, peça que vale bem a pena ler por estarmos perante uma reflexão humanista, culta, que vai muito além do papel de comentador. Aqui ficam alguns excertos pela ordem por que surgem na conversa.

Saber - "Há uma certa hostilidade em relação ao saber, mesmo [ao] tipo de saber que é um saber de amador, no verdadeiro sentido do termo. Há mais defesa da ignorância, particularmente da parte daqueles que acham que sabem."
Prosápia - "A prosápia tem uma proporção inversa com a sabedoria."
Álvaro Cunhal - "É um homem muito corajoso (...). É claramente um intelectual, até naquilo em que se sente mal por ser intelectual, a tentativa de forçar uma proximidade com o mundo operário que ele na realidade nunca teve. (...) Ele teve a fé do século XX, o comunismo, uma fé que tem uma componente religiosa, uma determinação identitária que também existe no comportamento religioso, de tal maneira que ele morre com uma grande amargura. (...) É um homem que reconstrói a sua própria identidade a partir do que acha que deve ser, não a partir do que é. (...) Ele é um dos grandes portugueses do século XX e molda de uma forma importante a História portuguesa e a História do mundo. A sua influência no movimento comunista mundial não é despicienda (...)."
Europa - "Os grandes desafios têm a ver com a dificuldade que a Europa tem em entrar no mundo global. Quer as vantagens e não quer os inconvenientes, as vantagens de ser uma zona de paz e prosperidade, e não quer mudar os seus erros económicos históricos, não quer ter Forças Armadas, não quer ter Defesa, portanto não quer ser autónoma nas relações internacionais, que são dominadas desde sempre pela paz e pela guerra. Quem não seja credível nessa área não tem papel na política mundial. Isso é preocupante."
Liberdade - "Há muito tempo que as pessoas fizeram um trade off que é muito perigoso entre a liberdade e a segurança. Aceitam. Aceitam que haja câmaras na rua e que os filmem, aceitam que os Governos proponham a divulgação dos nomes dos mais pobres que recebem casas nos bairros sociais, aceitam que os Governos queiram controlar a velocidade através das horas a que se entra e se sai da autoestrada, aceitam que o fisco possa saber tudo o que se compra. Só ainda não aceitaram pôr um chip como os cães, porque ainda parece muito intrusivo, mas na verdade a nossa sociedade caminha para que as pessoas aceitem um sistema de vigilância total."
Crise - "Vamos sair da crise com um Estado disforme, não mais pequeno mas disforme, um Estado mais autoritário, mais intrusivo. Numa sociedade em que o tónus é dado pela classe média, o único processo dinâmico é o empobrecimento, a passagem da classe média para a pobreza."
Decência - "As pessoas sabem distinguir o que é decente e o que é indecente. Uma das razões por que a linguagem política à esquerda é muito pouco eficaz para exprimir o que se passa nos dias de hoje é que ela substituiu um elemento de indignação que é moral por um discurso político que é restritivo."
Revolta moral - "O tipo de desafios que se coloca hoje, em que muita gente é maltratada, muita gente está a ser conduzida à miséria por incompetência, ignorância e por experimentalismo social, exige uma revolta moral que está muito para além da esquerda e da direita."

Para a agenda - O futuro da Biblioteca Municipal de Setúbal


O que pode(rá) vir a ser o novo edifício da Biblioteca Municipal de Setúbal vai mostrar-se durante três meses em Setúbal, na Galeria Municipal do Onze. São os projectos do concurso público para a realização desta obra. Para a agenda.

Para a agenda - Os romeiros do Círio de Nossa Senhora da Arrábida



O círio de Nossa Senhora da Arrábida e os seus romeiros em exposição. Para ver. No Museu Sebastião da Gama, em Azeitão, até 24 de Agosto. Para a agenda.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Da continuidade do teatro até ao risco da palhaçada


Corre o teatro de que escrevi ontem o risco de se tornar palhaçada? Temos nós, portugueses, de andar sujeitos a histórias de "tricas" e de jogos de ping-pong? E não há forma de incriminar estas criaturas que nos "governaram" e decidem abandonar o barco em que eles mesmos remaram para rumos sobre os quais não pediram conselhos? E sai-se do governo em alturas destas assim, virando costas a quem lhes pagou (e de que maneira), sem darem uma satisfação plausível, sem pelo menos mostrarem que nos respeitaram? E temos de continuar a suportá-los? Andamos todos a ser gozados. Alegremente. Tristemente.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Máximas em mínimas (100) - Rui Zink


Depois de ler A instalação do medo, de Rui Zink (Lisboa: Teodolito, 2012), alguns sublinhados, mesmo porque se prende com uma desconstrução (mais ou menos parodística) do que tem sido o discurso político que nos tem embalado (ou que nos tem sido inoculado), apresentadas por ordem alfabética do tema.

Crise – “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.”
Espectáculo – “Todo o espectáculo, por melhor que seja, tem um prazo de validade e não devemos fatigar o auditório com encores. O artista que sai de cena deixando a plateia a implorar só mais uma, só mais uma é sensato, ao contrário do que se deixa levar pela ilusão do aplauso e acaba a saturar os ouvidos das pessoas que, minutos antes, pareciam enlouquecidas pelo desejo.”
Ignorância – “A ignorância por vezes pode ser uma excelente camada protectora.”
Medo – “Um dos muitos efeitos do medo é deixarmos de controlar os intestinos, é por aí que o medo primeiro nos apanha.”
Mundo (em mudança) – “O mundo mudou e as pessoas não percebem isso. Já não há pessoas nem há mundo e as pessoas (talvez por já não existirem) não percebem isso. E quem tentar compreender o mundo é idiota. Qual o sentido de tentar entender uma coisa que já não existe? O mundo mudou. Mas como pode o mundo mudar se as pessoas não mudam? Ou como pode o mundo mudar se as pessoas não o sentem? O certo é que factos são factos e contra factos não há mundo ou pessoas que resistam.”

Suplício – “Até o mais breve dos suplícios dura uma eternidade.”

Ainda a propósito do teatro... kafkiano



Coincidências?
Há pouco, ouvi na televisão Alberto João Jardim a referir-se ao actual momento político português como algo de "kafkiano". Apesar de por norma não apreciar os comentários do governante madeirense, não pude deixar de reconhecer a oportunidade do adjectivo.
E não é que Jardim coincidiu nas datas? Ao chegar ao "google", vi a imagem de destaque... Passam hoje 130 anos sobre o nascimento de Kafka! A sorte que alguns políticos têm nas coincidências!!! E o azar que temos todos nós porque... data mais kafkiana não poderia haver!

Não há pachorra para este teatro!


Recordo-me de ter aprendido com os mais velhos que as "garotadas" eram de evitar. Sobretudo porque ninguém nos levaria a sério a partir dali; sobretudo porque não eram marca de responsabilidade e de ser adulto; sobretudo porque eram desrespeito pelos outros. Recordo-me bem, porque ouvi o termo aplicado muitas vezes a situações e a pessoas que tinham deixado muito a desejar.
A situação por que estamos a passar na política portuguesa assemelha-se a essas situações. Porque ninguém percebe (?). Porque não podemos acreditar. Porque não nos respeitam. Porque fomos "enganados" com promessas de horizontes de esperança e agora se esquecem os sacrifícios que foram pedidos, os sacrifícios que têm sido sofridos, valentemente sofridos.
Há políticos que deveriam ter vergonha do que têm feito e não mais se deveriam apresentar como pretensas soluções (que não são, nunca foram, não sabem ser). Indignação, sim, porque temos sido gozados, porque à nossa custa nos têm culpado do que não fizemos (nunca fizemos), porque à nossa custa têm esbanjado tempo, dinheiro, paciência, recursos, respeito.
Não há pachorra para este teatro (sem ofensa à arte)!

terça-feira, 2 de julho de 2013

Máximas em mínimas (99) - "Granta", nº 1


O primeiro número da edição portuguesa da revista Granta saiu em Maio (Dir.: Carlos Vaz Marques. Lisboa: Tinta-da-china), logo na abertura da Feira do Livro de Lisboa. Algumas máximas deste número ficam aqui registadas, por ordem alfabética do tema, que não por outra ordem.

Ajuda – “Uma pessoa que ajuda é alguém que desempenha tarefas fora da sua própria esfera de responsabilidade, por bondade, porque tem coração. A ajuda é perigosa porque existe fora da economia humana: o único pagamento para a ajuda é a gratidão.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Doença – “Adoecer fecha-nos mais sobre nós próprios, tornamo-nos menos capazes de compor as máscaras com que nos escondemos. Talvez, então, ao ficarmos doentes deixemos de ter grande parte da capacidade de mascarar de forma original o facto de sermos todos uma e a mesma coisa. Uma e a mesma coisa disfarçada por um amontoado de memórias diferentes. Cada um de nós com o seu amontoado de memórias e, por isso mesmo, com a sensação de ser único. Parece-nos tanto que somos únicos que nos dói a ideia de podermos ser todos uma e a mesma coisa. Mas a verdade é que não temos como saber se, em vez de indivíduos, não somos apenas uma ilusão criada por excesso de memórias acumuladas e excesso de composição de personagem. Apenas disfarces de um mesmo mecanismo que uma doença pode, em menos de um piscar de olhos, desmascarar.” (Dulce Maria Cardoso. “Em busca d’eus desconhecidos”).
Ficção – “A ficção – certa ficção – talvez seja a forma mais poderosa de exercitar o pensamento, de acelerar a realidade lenta do quotidiano. Escrita ou lida, a ficção escava-nos por dentro, rasga novos canais para o eu. Desacerta-nos com o que éramos. E tanto faz que sejamos nós a escrever ou a ler.” (Dulce Maria Cardoso. “Em busca d’eus desconhecidos”).
Guerra – “Há certas partes da vida de que não podemos ter presciência – a guerra, por exemplo. O soldado que parte para a guerra pela primeira vez não sabe como se comportará quando for confrontado com o exército inimigo. Não conhece essa parte de si mesmo. É um matador ou um cobarde? Quando confrontado, reagirá, mas não sabe a priori qual será a reacção.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
História – “A vida é um tédio quando não há histórias para ouvir nem nada para ver.” (Orhan Pamuk. “Gente famosa”).
Intolerância – “Há mais de uma maneira de se ser paciente e a intolerância pode ter várias formas.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Lucidez – “Manter-[se] lúcido é o que mais importa perante a estranheza.” (Saul Bellow. “Memórias do filho de um contrabandista”).
Mentira – “Despida, a verdade pode tornar-se vulnerável, desajeitada, chocante. Vestida de mais, transforma-se numa mentira.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Música – “Não há nada que crie mais comunhão do que a música. Podemos ter milhares embrulhados na mesma melodia, no mesmo ritmo. A música chega às multidões muito mais rápido do que outra coisa qualquer. Não há discurso que se lhe compare nesse aspecto.” (Afonso Cruz. “Jazz, rosas e andorinhas”).
Sonho – “É sempre além de mim o indescoberto / Porto ao luar com que se o sonho engana.” (Fernando Pessoa. “Sossego enfim”).
Tom – “O tom é uma coisa chata porque não se controla. Controlamos as palavras, a custo, o volume, a custo, mas não o tom. O tom é como os olhos, não engana.” (Ricardo Felner. “Mar negro”).

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Para a agenda - Cinema etnográfico em Viana do Castelo



De hoje até 5 de Julho, em Viana do Castelo, a Semana do Cinema Etnográfico. Programação e detalhes podem ser vistos aqui. Para a agenda.