sexta-feira, 29 de junho de 2007

Cartas

As coisas andam mal em termos de riso e de opinião. O comentário relativo aos políticos sempre teve uma componente parodística e humorística, independentemente de os seus autores serem "pró" ou "contra" a situação. Nos últimos tempos, dois casos saltaram para a praça pública: um professor denunciado por sms por supostas piadas sobre o Primeiro-Ministro no seu local de trabalho; uma pessoa exonerada do seu cargo em Vieira do Minho por não ter mandado retirar um comentário "jocoso" sobre o Ministro da Saúde. É caso para dizer que a governação anda sem sentido de humor e facilmente se deixa inflamar por servilismos e excessos de zelo de pequenos delatores que querem transformar-se em heróis (vá lá saber-se porquê...). E, a dada altura, todos nós começamos a pensar que podemos estar perante um suposto delator. E depois mais vale andarmos calados. E, calados, ninguém nos ouve, apenas nos imagina. E se não houver opinião, mesmo humorada, melhor para uns tantos, porque não vêem o seu poderzeco (temporário e, portanto, efémero) atingido. Que podem os autores destas diatribes contra os governantes fazer para que continuem em paz com o sistema?
Com curiosidade folheei um Novo Manual Epistolar ou Arte de Escrever todo o género de cartas segundo o gosto actual (Recife: Typ. de Santos & Companhia, 1864) e lá vi um modelo de carta "para escusar-se de uma falta", que reproduzo, esperando que estes "desleais" funcionários ainda vão a tempo de exprimirem as ditas escusas: "Creio, senhor meu, que a minha confiança ofendeu-o. Quando alguma paixão violenta nos cega, não podemos moderar as vozes, que nos escapam; e eis o que eu confesso agora que se me evaporou a cólera. Prezo em muito a amizade de Vm. e não me exporei a perdê-la, dando ouvidos à voz do rubor injusto, que nos obsta, não poucas vezes, emendar os erros cometidos. Nisto cumpro meu dever e confio em que a generosidade de Vm. esquecerá o que entre nós se passou assim que esta acabe de ler. Conceda, pois, chamar-me como antes, seu... etc." O manualzinho contém também o modelo para a resposta a esta carta, não vá ele fazer falta!... Depois da troca das missivas, Portugal e o mundo teriam mais serenidade e ganhariam um sentido de humor mais incaracterístico e menos risível. Mas também pouco haveria para dizer!...

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Abertura

Mais um a dizer. É o direito à palavra, à opinião, ao pensar. Às vezes, pensar alto. Como se pode fazer num blog. Outras vezes, andar no nosso tempo, no meu tempo. Sem passadismos, sem passadices. Só isto: neste tempo, de que não se é dono, mas que se vive. E se pensa e se diz e se lembra. O meu tempo nesta hora será constituído pelas notas que a fazem. Quanto ao porquê da escrita, houve uma palavra construída por Urbano Tavares Rodrigues no título de um dos seus livros que sempre buliu: escreviver (cf. Ensaios de escreviver, 1971). Não carece de explicações. E lembro também um pequeno excerto de uma entrevista de Sophia de Mello Breyner, aparecida no JL (nº 135, 05.Fev.1985, pg. 3), a propósito da escrita: "Houve uma fase em que reflecti muito sobre a natureza da escrita. Agora não me interrogo muito sobre o modo, o quê e o como do que escrevo. Vou navegando. Vou encontrando, vou dizendo o que surge e o que faço. Sem dúvida, a palavra é uma forma de não se ser devorado pelo caos, pela confusão, pela contradição e o tumulto, apesar de ter um pacto com tudo isso e de sem isso não atingir a sua plenitude." Também não carece de explicações, tão límpido é o dizer de Sophia!...